Entrevista ao jornal Patos Urgente, no ano de 1967. Diretores responsáveis: João Batista Olivieri, João Cirino Filho e Éder Braga. Acervo da Fundação Casa da Cultura do Milho.
Pe. Almir, gostaríamos que o senhor contasse a verdadeira História da Festa do Milho. Quem sabe assim não conseguiríamos esclarecer algumas dúvidas.
Não acho tão difícil assim. Nem mesmo que haja dúvidas a respeito. Este ano, vamos comemorar a IX Festa Nacional do Milho, já agora Nacional. Durante tão pouco tempo… houve tempo para que a memória se encurtasse tanto? Não creio. Mas vamos aos fatos. A sua pergunta me faz lembrar uma passagem, citada por Carlos Lacerda, em suas Memórias, em um dos últimos números de Manchete: “Há pouco tempo o Brigadeiro Eduardo Gomes revelou que os 18 do Forte eram 12. Porque nunca disse isso antes? – perguntou-lhe Afonso Arinos. Porque nunca me perguntaram”. O mesmo diria eu. Oficialmente jamais me perguntaram algo a respeito da Festa maior de nossa cidade. Não creio mesmo que tivesse havido interesse especial em saber quem tenha sido o idealizador desta festa. A não ser que houvesse alguém advogando para si o privilégio de ter sido “o pai da criança”… Não creio. Para reafirmar o que lhe digo, vou lhe contar um fato. Em maio do ano passado, recebi a visita de um amigo. Trazia-me uma dúvida, com planos a restabelecer toda a história das 8 Festas do Milho. Dizia-me mais ou menos isso: “Já recebi um troféu como o Pai da Festa do Milho. Guardo-o com muito carinho. Mas não fui eu o pai da criança. O sr. sabe quem foi”. De fato: a idéia havia sido minha. Eu fora o idealizador desta festa. Mas também é verdade – é bom que guarde isso – que a idéia teria morrido, não fosse o idealismo, a bravura e força de vontade dele – o nosso querido Pai Vaca e do Dr. Mozart Pacheco. Se é verdade que me sinto feliz e orgulhoso por ter contribuído para que esta cidade que me é tão querida, se projetasse Brasil afora; se é verdade que no dia 24 de maio eu me sinto explodindo de entusiasmo, pensando naquela idéia teimosa – que a muitos parecia de doido – nascida em fins de abril de 1959; se é verdade que os meus olhos se enchem de luz durante os desfiles das Escolas e dos carros alegóricos, enquanto eu me sinto menino num Reino das Fadas; se é verdade tudo isto, também é verdade que nada disso existiria sem aquele punhado de homens e senhoras – os operários da primeira hora – que tudo deram e fizeram para que aquela idéia não se perdesse em meio a tantas que já por aqui germinaram.
Mas, Pe. Almir, o que o levou a idealizar essa Festa?
É uma história comprida. Mas não é complicada. De há muito eu desejava sugerir uma grande festa, para as comemorações do Dia da Cidade. Era tudo muito triste e sem entusiasmo. Pelo menos, assim o fora em 57 e 58. Eu, até bem pouco tempo, julgava que antes também era assim. Mas fui severamente advertido por Dona Filomena que apelava pela tradição histórica da Escola Normal, sempre presente a essa solenidade cívica. “Philomena locuta, causa finita” – pensei comigo. Como poderia duvidar do testemunho de uma mulher, cuja vida é toda ela um serviço a Patos de Minas? Tive que admitir razões superiores que impediram o entusiasmo 57 e 58. Se o dia 24 de maio fora pouco ou quase nada celebrado, ensinava-me dona Filomena que assim não o fora no passado. Chegado aqui em 1956, eu não tinha elementos bastantes que me dissuadissem de uma sugestão para solenemente comemorarmos o Dia da Cidade. Esse era um aspecto. Mas havia outro: nascido em circunstâncias diferentes e que, praticamente foi a causa imediata da idealização da Festa do Milho.
É dessa época as campanhas estudantis que culminaram com a criação do Colégio Municipal, não?
Justamente. Os estudantes estão profundamente ligados à criação da Festa do Milho. E eu vou lhe mostrar porque. Em 1957, Patos era pobre em Escolas. A Escola Normal Oficial acolhia moças e rapazes. Estes ficavam mesmo só com o ginásio. As moças ainda continuavam a Formação. O Revmo. Pe. Josias, O Waldyr Nascimento, o Mário Garcia, Dona Penha e outros, fundaram, em boa hora, o Colégio Comercial Pio XII. Foi um passo gigantesco na oportunidade oferecida a tantos que não dispunham de meios a continuarem seus estudos. Era noturno. Havia o Ginásio Nossa Senhora das Irmãs Sacramentinas, somente para moças. E isso era tudo. Quem quisesse continuar seus estudos, teria, forçosamente, que contar com recursos avantajados que lhe permitisse sair para BH e outras cidades. Em reuniões da Juventude Estudantil Católica, chegamos à conclusão da necessidade de uma campanha pela instalação de um Colégio na cidade. O curso científico era uma necessidade. Você deve se lembrar da grande campanha que foi aqui realizada em prol da criação e da instalação do Colégio Municipal. Foi uma campanha memorável. Cartazes, passeatas, concentrações e etc… este “etc” diz muito mais… Quanto empenho para desfazer dúvidas, demonstrar vantagens… Como nos custava aceitar artigos em jornais duvidando da reta intenção de que estávamos realmente imbuídos… Quanto sofrimento, meu Deus! Quantas suspeitas pairavam durante tanto tempo sobre a nossa cabeça… Tudo isso passou depressa. Ficou, apenas, a concretização de um ideal que nos custou muito. A história da criação e da instalação do Colégio Municipal – hoje Estadual – ainda deve ser contada em seus pormenores. Eu a tenho bem viva na memória. Mas isso ficará para outra oportunidade. O que fica de pé é que a história do Estadual está intimamente ligada à Festa do Milho. Nós queríamos arranjar dinheiro para a compra de um prédio, para o funcionamento imediato do Colégio Municipal, recém-fundado. Os mantenedores do Colégio Comercial Pio XII nos ofereceram seu imóvel. Nós poderíamos comprá-lo. A Prefeitura não tinha verbas. Tudo nos parecia difícil. Do nosso lado, procurávamos todos os meios de angariar dinheiro para isso. Pensamos em organizar bailes e festas e tudo o mais. Nada servia. Foi então que me surgiu a idéia da Festa do Milho. Lendo da Uva, pensei em organizar coisa semelhante em uma revista sobre a Festa de Patos. Deixei o Palácio Episcopal, em busca da “turma” para dizer da minha idéia. Antes de encontrar qualquer um, deparei com dona Ordalina Vieira. Foi ali, mesmo em frente ao Hotel da Luz onde havia a Rio Modas. Disse à dona Ordalina dos meus planos. Perguntei-lhe se poderia contar com ela para a escolha de candidatas para concorrer ao título da Rainha do Milho ou do Feijão. Chegamos à conclusão de que ficaria melhor o MILHO em lugar do feijão. Marcamos uma reunião no Centro Cultural e… foi o mesmo que colocar fogo no pasto… Tudo se transfigurou. A renda dos votos das candidatas seria para a compra do prédio para a instalação do Municipal! Fui ao Rio, convidar Dom Hélder Câmara para abrir a Primeira Semana Ruralista. Não consegui e voltei logo. Quando cheguei, dona Ordalina me disse das dificuldades havidas. Estava entrando política… Alguns cismavam em dizer que isso seria dar instrumento ao então Prefeito para fazer a sua política. Se é verdade que todos os partidos se uniram na aprovação do Projeto do Colégio, do então vereador Prof. Zama Maciel, também é verdade que o Prefeito eleito, Sr. Sebastião Alves do Nascimento, tudo fez para não decepcionar os estudantes, com os quais se havia comprometido, prometendo-lhes a instalação imediata do colégio. E assim o fez. Para não comprometer o andamento da Primeira Festa do Milho, preferimos mudar a finalidade da festa. Veja só, você! Deus escrevia direito por linhas tortas. Sugeri que o dinheiro fosse dado às Conferências Vicentinas. Mas dona Ordalina lembrou o Seminário Pio XII. E esta idéia prevaleceu. O Exmo. Sr. Bispo Diocesano, o nosso querido Dom José, foi, então, o Presidente da Comissão da 1ª FESTA DO MILHO. Uma comissão de Senhoras e senhoritas, tendo à frente dona Vera Spyer Neves, foi imediatamente constituída. Muitos nomes aqui deveriam ser citados. Dona Ordalina foi uma estrela de primeira grandeza, juntamente com sua equipe. A ela estavam entregues as candidatas. Como a renda da festa estava destinada ao Seminário, toda a Associação de São José estava dando muito de si. Como citar nomes? Mas há duas pessoas que são responsáveis pelo êxito de todas as Festas do Milho: O Dr. Eurípedes Pacheco (o nosso popular Pai Vaca) e o Dr. Mozart Pacheco. Se no primeiro ano a atuação dos dois pode ser chamada discreta, isso não se deve a que não tenham influenciado bastante na mesma. O que aconteceu foi que, do segundo ano em diante, eles foram os donos da festa, no bem sentido. Eu acredito que a festa teria morrido, se não fosse a presença extraordinária do Pai Vaca e do Mozart. Muitos trabalharam. Deve-se muito a muitos. Mas o cérebro organizador, coordenador e idealizador… eram dois: Pai Vaca e Mozart! Da II FESTA DO MILHO em diante, eles poderão dizer melhor do que eu.
Então, o senhor não trabalhou na II FESTA DO MILHO?
Não. A festa tomou conta da cidade. E passou a ser domínio público? Não era mais uma festa com fins beneficentes. Era “A FESTA” da cidade. Não é verdade que ela hoje tomou conta do Brasil? Já não é “NACIONAL?” Bom, meu caro, creio que isto está ficando comprido demais. A “história” da festa é mais ou menos essa, nos seus pontos principais. Há muita coisa para ser contada. Muitos pormenores que são importantes. Mas ficará para outra vez. Já falei demais. Peço desculpas àqueles que lerem esta reportagem. Há de se dizer que falta muita coisa. Falta, sim. Apenas alinhavei os fatos principais. Slides esparsos de uma grande história. Nós precisamos escrever a história de todas as IX Festas do Milho… Homens e mulheres que escreveram páginas memoráveis da História de Patos de Minas!
* Fonte: A Festa do Milho Através dos Tempos, de Marialda Coury.
* Foto: Arquivo de Donaldo Amaro Teixeira.