Analisar a temática da morte e a forma com que as pessoas lidam com seus mortos – em consonância com um aspecto mais pragmático, que são as leis – requer um cuidado especial. O mesmo cuidado que o legislador deve ter quando dispõe sobre formas e locais apropriados de enterrar os defuntos. Esse zelo que se deve ter quando da elaboração dessas leis nada mais é que o respeito à dignidade, à moral, aos bons costumes, à estética das cidades e dos próprios cemitérios e, ainda, à saúde; pois se observa, nas leis atuais relacionadas ao tema, uma grande preocupação com o meio ambiente.
Os Códigos de Posturas Municipais brasileiros, ou Códigos de Condutas, foram criados no século XIX com pequenas variações de um local para outro, conforme os costumes e cultura de cada povo. Em outubro de 1828 foi promulgada a lei imperial que regulamentava a estrutura, funcionamento, eleições, funções e outras matérias referentes às câmaras municipais do Império do Brasil. Trata-se de uma longa lei, com noventa artigos, que reafirmava a secular função das câmaras de redigir e fazer respeitar as posturas policiais, ou seja, as leis locais que ordenavam o cotidiano dos habitantes do município. Essa lei orientava e se preocupava com o embelezamento do espaço urbano das cidades e denotava uma grande preocupação no sentido de civilizar o Império no aspecto da municipalidade e suas representações. E foi, a partir dessa norma imperial, que as construções dos cemitérios objetivavam substituir as igrejas como locais de enterramento dos mortos.
O parágrafo segundo do art. 66 da lei recomendava que as câmaras municipais elaborassem posturas relativas ao “estabelecimento de cemitérios fora do recinto dos Templos, conferindo a esse fim com a principal Autoridade Eclesiástica do Lugar”. Portanto, essa lei de 1828 determinava que o asseio das cidades brasileiras passasse a fazer parte do rol de responsabilidades das câmaras municipais. Partindo das determinações da lei imperial de 1828 é que os códigos preocuparam-se com aspectos da saúde, da segurança pública, com medidas preventivas de danos, de educação, dentre outros itens considerados relevantes para o bom andamento e desenvolvimento das cidades, dentro de um modelo capitalista. Eles objetivavam, portanto, sustentar o sistema, acumular e reproduzir capital. No município de Patos de Minas, o referido código teve também como objetivo regulamentar uma série de posturas que devia ser obedecida principalmente pelas “classes subalternas em consonância com os valores cultuados nas camadas hegemônicas”.
A parte do Código de Posturas de 1876 de Patos de Minas, que aborda aspectos relacionados aos rituais fúnebres, está disposta no Título 3 (Da Saúde Pública), e é fácil perceber que o legislador, neste item, preocupou-se com medidas orientadoras da preservação da saúde pública, erradicando possíveis focos epidêmicos. Delimita-se a zona urbana. Esquarteja-se o espaço urbano da vila quando, por exemplo, estabelece que os cemitérios serão os únicos lugares para “enterrar-se corpos humanos nesta vila e nos arraiaes” e “serão espaços e nunca no centro das povoações, tapados e com decência conservados”. Serão considerados contraventores os “parochos,” os “procuradores de irmandades”, os “fabriqueiros, herdeiros, testamenteiroes e donos dos defuntos” e outros, “que não observarem a obrigação de conduzir os enterros no cemitério publico” ou “mandarem fazer os enterramentos no recinto dos templos”. A polícia pública mantém-se alerta, zelando pela limpeza e pela salubridade do espaço urbano.
O Código de Posturas de Patos de Minas, assim como os demais códigos dos municípios brasileiros, preocupam-se, portanto, dentre outros vários aspectos, em educar a população no sentido de que é necessário mudar comportamentos com o intuito de se adaptar aos novos costumes impostos pelas relações sociais, em decorrência do progresso da região. Ou seja, ele garante um comportamento adequado da coletividade, capaz de imprimir civilidade ao espaço urbano.
A Lei 17, de 14 de maio de 1895, que contém 292 artigos, foi denominada de Estatuto Municipal e trata também de aspectos morais, do decoro e dos bons costumes que devem ser praticados, no município, por seus cidadãos. Esse Estatuto é um código de posturas ainda mais detalhado que o de 1876, pois se preocupa com a parte estética da cidade quando impõe a boa conservação dos edifícios, das praças, das ruas, das calçadas, dos jardins e dos prédios públicos. Todavia, não só a aparência da cidade era tratada nesse Estatuto como, ainda, os aspectos relacionados à moral e ao decoro público. Nesse sentido, as leis codificadas no Estatuto Municipal compõem um verdadeiro catecismo moral e político para a instrução e educação, sendo a conveniência do capital, representada pelas oligarquias locais e seus interesses. O item 14 do artigo 29 dispõe sobre a inspeção que se deve ter em relação aos cemitérios para que se evitem males à saúde dos munícipes. Os cemitérios são, aqui tratados, da mesma forma que os hospitais, os teatros e outros estabelecimentos públicos e particulares. Não há, portanto, uma preocupação diferenciada com os locais destinados à inumação dos mortos.
A Resolução 131, de 14 de janeiro de 1910, traz algumas modificações a serem adotadas em relação ao Cemitério da Capital Mineira. Os aspectos modificados, nessa resolução, referem-se à permissão de que o traslado do defunto possa ser feito, à mão, por conta da ausência de carro destinado a esse transporte. A resolução cuida também da tabela de emolumentos para os sepultamentos e permite a gratuidade aos indigentes. Prevê, ainda, a referida lei que, após a inauguração do Cemitério Municipal (28 de julho de 1911, hoje chamado Santa Cruz), só se permitirão os sepultamentos nesse único local. Regulamenta-se, dessa forma, a total desativação do antigo cemitério situado no centro, nas redondezas onde atualmente se localizam os Correios, o Fórum e a empresa CTBC.
A Lei 36, de 1.º de setembro de 1948, foi sancionada com um elevado número de artigos (556) e abarcou toda sorte de itens; desde normas sobre venda de terrenos do Patrimônio Municipal até regras específicas de rituais fúnebres. O Código tratou do assunto em dois títulos. No Título III, ao cuidar “Da Polícia de Higiene e Saúde” e no titulo VI (Dos Cemitérios Públicos). O artigo 43, do Título III, que trata sobre higiene e saúde, dispõe: Art. 43 – A fiscalização sanitária abrangerá, especialmente, a higiene e limpeza das vias públicas, das habitações particulares e coletivas; da alimentação, incluindo tôdas as casas onde se vendam bebidas, produtos alimentícios, etc.; dos hospitais, necrotérios e cemitérios; e das cocheiras, estábulos e pocilgas. Como se observa, esse item trata os necrotérios e os cemitérios com o mesmo detrimento dos demais locais. Por outro lado, o Título VI cuida especificamente sobre os cemitérios públicos e, no Capítulo I, define uma série de termos pertinentes ao tema como sepultura, ossuário, mausoléu, dentre outros. O artigo 212 determina que a administração e a fiscalização dos cemitérios deverão ser feitas pela Prefeitura. Contudo, o parágrafo único desse artigo faculta às associações religiosas a manutenção de cemitérios particulares, deste que autorizados pela Prefeitura e observadas as prescrições legais.
As disposições gerais no Capítulo I cuidam também da parte estética e da própria urbanização dos cemitérios, ao determinar os espaços e as formas a serem observadas para a construção de muros, ruas e avenidas, bem como das capelas e depósitos mortuários. Já prevendo uma possível saturação, ou mesmo que os cemitérios tornem-se muito centrais em relação à cidade, o artigo 216 cogita a utilização desse espaço, no futuro, para a construção de praças ou parques. A questão ética e a segregação religiosa são abordadas, no artigo 217, quando assim dispõe: “É permitido a tôdas as confissões religiosas praticar nos cemitérios os seus ritos, respeitadas as disposições deste Título”.
O Capítulo III deste Título trata das inumações e cuida dos deveres, direitos e proibições do cidadão, em relação aos sepultamentos. Dentre eles, é importante destacar: é obrigatória a apresentação do atestado de óbito para o sepultamento (art. 218); têm direito ao sepultamento gratuito os indigentes (art. 220); e proíbe que as sepulturas consideradas temporárias sejam perpétuas (art. 221, parágrafo único). Esse estatuto faculta, no artigo 224, a concessão perpétua: nos casos de “homenagem pública excepcional, poderá a Municipalidade conceder perpetuidade de carneiro a cidadãos cuja vida pública deva ser rememorada pelo povo, por relevantes serviços prestados à Nação, ao Estado ou ao Município”. O Capítulo IV da Lei 36/48 trata, também, da parte estética interior do cemitério no que se refere à construção de memorial, baldrame, embelezamento de obra, dentre outras benfeitorias, observando, no que for o caso, a exigência de projetos (art. 227), ou mesmo que determinadas construções sejam executadas somente por pessoas legalmente habilitadas (art. 232). O Capítulo V cuida da parte administrativa dos cemitérios, tais como: quem administra, registros obrigatórios, liberdade de celebrações religiosas, horários de fechamento e abertura do local; proibição e autorização de procedimentos para aberturas de sepulturas e novos enterramentos. Determina esse capítulo que o administrador do cemitério acumule as funções da área administrativa como também realize execuções das medidas de polícia afetas ao serviço. Há, além disso, no Capítulo V, uma preocupação em preservar a dignidade das pessoas no que se refere à liberdade de expressão religiosa e, ainda, o cuidado com o bem-estar dos munícipes à medida que impõe observações importantes quanto ao manuseio de sepulturas.
Com o aumento considerável da população patense e, conseqüentemente, de seus mortos, surgiu a necessidade, aclamada pelos seus munícipes, da construção de um novo cemitério local. A Lei 1.119, de 30 de outubro de 1970 autoriza a construção, para o ano de 1971 – por meio de um processo licitatório ou por administração direta – de novo cemitério e reserva, ainda, determinado valor, por conta da dotação orçamentária do município para a compra de um terreno onde será realizada essa construção.
A Lei 1.284, de 14 de agosto de 1973, foi promulgada com o intuito de nominar o cemitério municipal local de “Cemitério Municipal Santa Cruz” e autorizar o Sr Prefeito a emplacá-lo como tal.
A Lei 1.333, de 27 de dezembro de 1973, determina que aqueles que estão sujeitos à sua prescrição se obriguem a facilitar a fiscalização e incumbe os servidores públicos municipais, e também o prefeito, a zelar pela observância de suas determinações. O Código de Posturas de 1973 contém 189 artigos .O artigo 58 do Título II (Da Higiene Pública), Capítulo V (Da Higiene dos Estabelecimentos), dispõe sobre a instalação de necrotério e das capelas mortuárias na cidade. Percebe-se, nesse dispositivo, a preocupação da administração pública em manter o prédio destinado aos sepultamentos isolado a uma distância mínima de vinte metros das habitações. Há também um cuidado no sentido de que os interiores dos necrotérios não sejam devassados ou descortinados, preservando-se, dessa forma, com dignidade, os mortos e seus familiares.
A Lei 3.213, de 14 de julho de 1993, dispõe sobre a criação de cemitérios-jardins e contém 23 artigos distribuídos em quatro capítulos. Posteriormente, a Lei 5.216, de 4 de novembro de 2002, acrescentou à lei original o artigo 21. A.O artigo 6º da referida lei demonstra preocupação com o processo de urbanização e os cuidados que se devem ter com a assepsia e o bem-estar dos habitantes da cidade, ao determinar que as áreas específicas para a criação desses cemitérios necessitam ter algumas das seguintes características: 1 – não se situe a montante de qualquer reservatório ou sistema de adução de água da cidade; 2 – cujos lençóis de água estejam a pelo menos 2 metros do ponto mais profundo utilizado para cova; 3 – esteja ou venha a estar servida de transporte coletivo; 4 – esteja situada em local compatível com os princípios do Plano Diretor do Município e da Lei de Uso e Ocupação do Solo.
A lei 3.213/93 obriga que os cemitérios-jardins mantenham livros de registros de sepultamento, de exumação, de ossuário, de sepulturas, além das escriturações contábeis e dos registro de reclamações. Essa exigência legal contribui para o trabalho do historiador, pois oferece condições efetivas para coletas e análise de dados futuros, relativos a essas questões. O artigo 9º da lei ora citada trata de uma questão importante em relação aos bons costumes e à estética moral, quando proíbe qualquer tipo de discriminação de sexo, raça, orientação política ou religiosa em relação aos sepultamentos. O Capitulo IV da referida lei possui seis artigos que dispõem especificamente sobre sepulturas e a forma que se devem ter os contratos de compra e venda das mesmas. Importante ressaltar que o artigo 21A, acrescido pela Lei 5.216/ 02, preocupa-se com a parte estética dos cemitérios ao determinar medidas padrões das lápides nos túmulos e a proibição de construção de obra tumular na superfície do terreno. Ao se observar a parte estética dos cemitérios, percebe-se que os espaços mais visíveis são destinados às elites e, ainda, a forma com que as classes menos favorecidas praticam a imitação fraudulenta dos rituais mortuários quando procuram imitar os mais bem favorecidos economicamente e utilizam as sobras de materiais usados na construção de sepulcros das famílias tradicionais e abastadas.
A Lei 5.212, de 14 de outubro de 2002, aprova o regulamento de concessões e de construções nos Cemitérios Públicos de Patos de Minas e dispõe outras questões. Essa lei contém 55 artigos, distribuídos em quatro capítulos. Além das definições, para efeito da regulamentação, contidas no Capitulo I; de aspectos sobre quem pode ser adquirente das sepulturas (Capítulo II); de orientações específicas (sobre) as sepulturas (Capitulo III); dos aspectos gerais sobre as construções (Capítulo V); das inumações e exumações (CapítulosVI e VII); das disposições gerais (Capítulo IX); essa lei dispõe, no Capítulo IV, as proibições em relação aos cemitérios. Esse capítulo sobre proibições representa, nesta lei, o cuidado que se deve ter com o aspecto estético e moral; os bons costumes e, sobretudo, o respeito aos mortos, aos seus familiares e à sua dignidade, quando preceitua: Não se permitirão nos cemitérios municipais: I – a concessão de servidão e a inumação em rua e calçada; II – o desrespeito ao sentimento alheio e às convicções religiosas ou o comportamento ou ato que firam os bons costumes; III – a perturbação à ordem e à tranqüilidade; IV – a realização de festejos e diversões; V – construção de carneiro com qualquer tipo de material vazado (lajota, tijolo furado); VI – ser abandonado pelo município; VII – construção de túmulo, galeria, capela, jazigo ou mausoléu sem projeto aprovado pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos; VIII – construção ou concessão que venha inviabilizar a funcionalidade das já existentes. Art. 13: Só será permitido um titular de direito sobre cada sepultura.
* Fonte: Normatização dos Rituais Fúnebres: Estética, Mercantilização e Imaginário – Patos de Minas (1876-2000), de Lucinete André da Silva (aluna da 4ª série do Curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM) e Roberto Carlos da Silva (professor do curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM e orientador da pesquisa).
* Foto: Jazigo da Família Maciel no Cemitério Santa Cruz (Eitel Teixeira Dannemann – 15/12/2013).