TEXTO: NEWTON FERREIRA DA SILVA MACIEL (2014)
Recentemente vi em noticiário de televisão que Patos de Minas é o segundo maior município produtor de leite de nosso país, superado apenas pelo município paranaense de Castro. Fiquei orgulhoso com tão alvissareiras notícias, apesar da pouca rentabilidade deste produto. Felizmente, a nossa área não depende, como acontece em muitas municipalidades brasileiras, de atividades econômicas específicas. Devido à expansão da bacia leiteira patense lembrei-me de tempos passados, início da década de 1940 quando, em companhia de meu avô visitávamos seus amigos nas fazendas próximas da cidade. Íamos para os currais, sempre observando o gado, misto de leiteiro e de corte. Embora meus conhecimentos fossem de um verdadeiro neófito, achava as vacas pequenas e feias, produzindo quantias medíocres de leite. Os currais, sujos, precários, quase sempre exalavam odores terríveis, com abundância de lama ou poeira, conforme a época das visitações.
Ao dar expansão ao meu raciocínio sou de opinião que a pecuária foi disseminada em nosso país por três motivos essenciais: a existência da propriedade rural, muitas vezes em razão de heranças, a necessidade de poucas pessoas para o desempenho da função e certa resignação do homem do campo. Consultando o livro Domínios de Pecuários e Enxadachins de autoria de Geraldo Fonseca, p. 248, relatando estatísticas, encontrei uma citação bem significativa para a nossa estirpe sobre a história da pecuária em nossa região, a qual passo a transcrever: “Enquanto dezenas de criadores de outros municípios, principalmente de Uberaba e Paracatu, se interessavam pelas importantes matrizes, de Patos somente o esclarecido Augusto Ferreira da Silva cuidou de participar. Em 1910, ele recebe um touro e uma novilha da raça Schwitz e no ano seguinte mais um touro e uma vaca da raça Simenthal”.
Fico satisfeito ao saber que os meus familiares eram exponenciais na tentativa de desenvolver o gado vacum em suas propriedades da área rural em que atuavam, pois também o meu pai, seguindo as ideias de seu genitor tentava o melhoramento genético. Foi o Dr. Noé Ferreira introdutor do gado Caracu na região. Infelizmente, a morte ceifou, antecipadamente, suas boas intenções. A história registrou, nos longos anos do governo de Getúlio Vargas, a sua afinidade com o desenvolvido Parque de Exposições da cidade de Uberaba. O presidente participava com visível prazer, quando tinha disponibilidade, de tão importante evento. Ele era adorado pelos dirigentes da entidade, bem como pelo povo uberabense. Sempre bem-vindo nesta cidade do Triângulo Mineiro, Getúlio apreciava as exposições de gado. Era sua característica ouvir, atentamente, o que tinham a explanar os experts no assunto. Alguns pecuaristas, graças ao incentivo e interesse da autoridade máxima do país resolveram importar, da Índia, belos espécimes do gado zebuíno. Na verdade, não era novidade este tipo de rezes no município. A presença do Presidente apenas estimulou mais importações.
Em pouco tempo foram disseminados pelo Triângulo Mineiro os descendentes deste rebanho. Suas características genéticas permitiam uma boa adaptação às condições climáticas dessa área. Um gado resistente, de tamanho e peso bem superior aos “curraleiros” criados nos pastos mineiros. Até aos leigos encantavam os zebus: porte elegante, mansos, de fácil trato e rentáveis economicamente. Com o passar dos anos, percebendo que os rebanhos de origem asiática poderiam trazer grandes benefícios à pecuária brasileira, o Presidente Vargas interessou-se pelo assunto e quis incentivar a criação desta raça e suas variáveis, tais como o nelore, gir, guzerá e outras, estimulando uma pecuária até então muito precária. O meio encontrado pelo governo para obter tal desenvolvimento foi com a ajuda do Banco do Brasil, em que era, como agora, acionista majoritário. A ordem do chefe foi emprestar aos interessados, grandes quantias para aquisição deste refulgente tipo de gado. Com o incentivo governamental e o crédito abundante, esta atividade econômica, como nunca acontecera antes, começou um tanto tímida, como seria característica de seus profissionais na época em que tal evento teve princípio. Entretanto, com a aparente vitória e sucesso daqueles que lançaram mão do crédito bancário, outrora tão difícil, surgiu uma inédita fartura. Decorrido algum tempo, era bem perceptível o abastamento e até mesmo exorbitância de pessoas ligadas ao comércio de gado bovino.
Desta forma, os fazendeiros passaram a ser, ainda, mais respeitados pela população. O preço dos rebanhos de boa raça aumentava sensivelmente. As conversas nas esquinas tradicionais giravam sobre um só tema: fulano comprara um boi por tal valor e dentro de seis meses o vendera pelo dobro. Beltrano adquirira por vultosa quantia dez excelentes novilhas. Cicrano conseguiu um empréstimo bancário de significativa monta. Enfim, a atividade em questão proporcionava magnífico sucesso profissional, invejado por muitos. À medida que o tempo passava a criação e engorda do gado da moda foi se desenvolvendo celeremente. Não me esqueço de uma noite em que houve uma exposição de reprodutores da raça zebu em plena Rua Major Gote, entre as ruas General Osório e Olegário Maciel. Apesar de ser uma criança, fiquei escandalizado com esta manifestação de euforia coletiva dos criadores, pois vi um deles jogar o conteúdo de uma garrafa de champanhe nos chifres de um belo exemplar, regando-os até terminar o precioso líquido de origem francesa.
Certa data, o mesmo chefe da nação brasileira que tanto estimulou a pecuária resolveu, voluntariamente, cessar o financiamento deste tipo de gado. Obedecendo às ordens do presidente, o banco oficial não só interrompeu abruptamente os empréstimos como, também, começou a cobrar de seus mutuários os valores devidos. Oh grande decepção! Oh grande tristeza! Para uma parte da população, não só patense como de outras regiões de Minas Gerais e de alguns estados brasileiros. A repercussão da desanimadora medida presidencial foi altamente negativa. As notícias contraproducentes percorriam como um rastilho os meios de comunicação existentes na ocasião. Fazendeiros altamente decepcionados e até mesmo desesperados, não sabiam como agir. Houve notícias de suicídios de dedicados criadores na cidade de Uberaba e proximidades. Muitos foram os casos de pessoas que se endividaram, não com o banco, mas com particulares, com a finalidade de investir nos negócios “rentáveis”. Diversas famílias da classe média, já organizadas e sedimentadas, sofreram no âmago os efeitos devastadores dessa crise financeira criada pelo próprio governo ditatorial. Surgira uma conjuntura adversa, em termos nacionais, de tamanho reduzido, pois atingiu apenas uma pequena parte do país. Suas decorrências foram terríveis. Pessoalmente, apesar de minha escassa idade, fui testemunha ocular, presencial ou outras designações que se possa dar, deste imenso tsunami, conforme explico a seguir.
A economia na pequena cidade de Patos, se já era fraca, simplesmente submergiu. O preço dos bovinos, resultado de tanta especulação, desabou. A realidade apareceu nua e crua e o valioso gado alcançou valores estabelecidos pela balança, isto é, o afamado “vale quanto pesa”. Todos se queixavam da crise. As propriedades se tornaram desvalorizadas em razão da ausência de pessoas em condições de adquiri-las. A mesmice se apossou tanto das regiões rurais quanto urbanas. Decorridos meses, provenientes da pressão dos fazendeiros prejudicados, o governo absolutista resolveu usar a denominada “moratória”, em outros termos, protelar o prazo para pagamentos dos débitos aos devedores do banco. Mais tarde houve perdão total em relação aos relatados empréstimos, voltando os fazendeiros falidos a ficar livres das cobranças judiciais promovidas pela entidade credora. Aqueles que tinham todos os bens penhorados, com o perpassar dos anos voltaram a se apossar dos mesmos, como dantes.
Espero que os meus ocupados leitores, notadamente os mais novos, considerem os episódios aqui narrados com muita seriedade, pois podem estes servir de lição para o futuro. Eu, felizmente, pude tirar proveito destes infaustos acontecimentos, para me defender. Embora em situação totalmente diferenciada, percebi a possibilidade de um imbróglio. Passava, juntamente com a família, uma parte das férias de julho na casa de uma cunhada em Belo Horizonte. Um domingo, em razão de um almoço que a proprietária oferecera para os parentes, houve o encontro de alguns amigos meus. Todos estavam eufóricos com a alta da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). As ações estavam atingindo valores nunca alcançados, o que, evidentemente, em tese, estava trazendo lucros fantásticos para os acionistas, entre eles, determinados comensais. O assunto só girou em torno dos valores estratosféricos. Um dos convivas me confessou que havia anunciado sua residência para vendê-la e gostaria se efetuasse o negócio, de aplicar todo o dinheiro em ações, pois aí sim, ficaria rico. A conversa informal remeteu as minhas lembranças sobre a moratória. Confirmando minha suspeita, assim como acontecera com o financiamento aos pecuaristas nos anos quarenta, Sua Excelência, o Ministro todo poderoso de um regime totalitário, meramente resolveu acabar com o exagerado aumento das especulações acionárias. Bastou, apenas, baixar certas instruções normativas e o preço das ações caíram ao rés do chão, integralmente. Decepção geral para aqueles que ainda acreditavam nos contos de fadas…
* Foto 1: Portaluruguaiana.com, meramente ilustrativa.
* Foto 2: Capa da edição de 13 de março de 1937 do jornal Folha de Patos, de “Dominante, o Guzerá de Abner Afonso”.