A tentativa do cultivo de trigo em Patos data de 1915, apesar de plantado em culturas pequenas e isoladas, sem estudos e conclusões definitivas, e também sem assistência técnica e sem sementes selecionadas. O primeiro cultivo de que se tem notícia foi no então Instituto Agrícola, sob a direção de Manoel Miguel Rodrigues. Plantou-se o trigo conhecido por Noé e de Rieti, obtendo-se exuberante e surpreendente resultado.
Depois disto, ninguém mais cogitou de tal empreendimento, até a chegada do Dr. Moacyr Viana de Novais, em 1932, como diretor da Estação Experimental da Cascata, que fora criada no Governo de Olegário Dias Maciel, com a colaboração de seu irmão Farnese Dias Maciel e do Dr. Soares Gouveia, e entregue, primeiramente, a sua direção, ao agrônomo Erasmo Maciel.
O Dr. Moacyr Viana de Novais viera transferido de Sete Lagoas, onde dirigia a Estação Experimental local. Lá fizera os primeiros experimentos com o trigo, com as espécies Florence, australiana, e Montes Claros, cultivado há muitos anos na cidade que lhe empresta o nome. Transplantando esse material para cá, prosseguiu com experimentos. Para surpresa sua, esse material portava-se cada vez melhor, quer porque os solos são bem melhores que os de Sete Lagoas, quer ainda porque as condições climáticas são bem mais amenas. E os resultados foram animando-o cada vez mais a novas conquistas. Entre as variedades aqui implantadas, sobressaiu-se um trabalho que posteriormente considerou a causa da melhor possibilidade da cultura tritícola no Município.
Recebendo do cientista italiano Girolamo Azzi, Diretor do Instituto Internacional de Agricultura de Roma e Professor da Universidade de Perugia, uma variedade distribuída por ele para todas as Estações Experimentais do Brasil nela encontrou uma mutação ou um cruzamento espontâneo, vindo talvez do Estado de Kênia, na África do Sul. Essa variedade mostrou-se resistente à ferrugem do colmo, que é a que impede ou inibe a produção. A ferrugem atriticina, da folha, não tem tanta importância na produtividade. A ferrugem do colmo, principalmente das variedades que ocorrem no Brasil (11, 13, 15 e 17), são as causadoras da quase impossibilidade de se cultivar o trigo no Brasil. São limitantes, atacam de tal maneira a planta, não lhe permitindo formar o grão. Então se torna necessário ao geneticista fazer um trabalho para desenvolver a resistência nestas variedades.
Por coincidência, se bem que esse trigo selecionado, Kênia Governor, não foi aproveitado em outras Estações Experimentais, o Dr. Moacyr Viana de Morais encontrou um trigo de mutação ou de cruzamento espontâneo, ainda da África, selecionando-o, multiplicando-o em grandes plantações em Patos de Minas, e que resultou em altíssima produção. Foi comprovado, posteriormente, já encerrado o incentivo da cultura tritícola em Patos de Minas, através do Centro Nacional de Pesquisas Agronômicas, pelo Dr. Adir Raul da Silva, num excelente trabalho sobre trigos experimentais, elaborado no Instituto Agronômico do Sul. De posse da semente “Kênia-155” criada pelo Dr. Moacyr, que foi tirada do “Kênia Governor”, fez experiências em estufas, dos trigos que foram postos em vasos e inoculados com as ferrugens das variedades 11, 15 e 17, ferrugem do colmo. Todos os trigos em estudo foram atacados pela ferrugem. Apenas a semente do “Kênia-155” foi imune. Nos anais do Instituto, o Diretor registrou que, com exceção do “Kênia-115”, todos os demais trigais cultivados no Brasil são suscetíveis a esta doença.
Obtidos os êxitos experimentais e chegando os mesmos ao conhecimento de cientistas mineiros, em 1941 o Dr. Moacyr Viana de Morais foi convidado por autoridades a proferir uma conferência na Academia Mineira de Ciências. Lá pronunciou sua palestra. Tal era a sua convicção de que o trigo podia ser produzido convenientemente em Minas Gerais, como se comprovara em Patos de Minas, solicitou que lhe propusessem, no momento, o tema a ser discorrido. Preferiram que discorresse sobre a parte de genética que ele realizava. Ao final da palestra, convidou-os a uma visita a Patos quando do início da colheita, no dia 10 de agosto, e assegurou-lhes que apresentaria um rendimento, no mínimo, superior 5 vezes a produção do Uruguai (400 a 500 kg/hectare), ou seja, o plantio de Patos produziria, no mínimo, 3.000 kg por hectare. A Academia de Ciências, atendendo ao convite, mandou uma comissão e esta pôde constatar que a produção era de 4.350 quilos por hectare, muito superior ao previsto. Foi tal a surpresa dos visitantes que fizeram questão de registrá-la em ata, datada de 06 de setembro de 1941¹.
Demonstradas as realidades concretas de suas experiências, incentivou o Diretor do Campo de Sementes aos fazendeiros locais e ao Governo do Estado a possibilidade de cultura do trigo em Patos de Minas. O Governador Benedito Valadares, por intermédio de seu Secretário da Agricultura, Israel Pinheiro da Silva, tomando conhecimento do fato, entusiasmou-se com os resultados obtidos e fez o assunto “ponto capital de seu governo”. Movimentaram-se os recursos da Secretaria da Agricultura para a continuação das experiências. Sementes foram impostadas e entregues à Estação Experimental da Cascata. Selecionou-se então o trigo “Patos 155”. O tipo australiano “Florence” deu bons resultados. Enxertou-se o “Montes Claros” com o “Florence” e o “Patos 155” com o italiano “Sales”. Plantou-se também o argentino “Cardeal”, semente trazida pelo Dr. Soares Gouveia. No entanto, depois de recebido do Prof. Azzi o tipo “Kênia Governor” e realizados os seus experimentos, é que o sucesso foi completo.
O Prof. Otaviano Lapertosa, um italiano entusiasta e que, na sua terra, tinha conhecimento dos bons resultados da cultura trítica, aqui esteve e, vendo os resultados nos experimentos da Estação da Cascata, entusiasmou-se e idealizou uma companhia de moinhos em nossa terra. Elemento bem intencionado, tornou-se incorporador da Companhia Moinhos Minas Gerais S/A² e lançou ações da mesma, firmando contrato com a Prefeitura em 23 de março de 1936. Com o funcionamento da Companhia, a terra ficou mais ainda em evidência, a ponto de receber a visita do Prof. Girolamo Azzi.
O sucesso do trigo patense se espalhou por todo o país, principalmente quando, comprado pelo Estado de Minas Gerais, abasteceu Rio de Janeiro e São Paulo durante a II Guerra Mundial. Mas tal sucesso não foi visto com bons olhos pelos trustes, que ganhavam exorbitâncias, cada qual no seu ramo, devido ao racionamento rigoroso imposto pela comissão de preços do Ministro João Alberto. A euforia não durou dez anos, e acabou.
A razão do cultivo do trigo fracassar em Patos de Minas está em várias causas, dentre elas se destaca: possuir um só comprador, que era o Estado de Minas Gerais, ao contrário de outras culturas que aqui se realizavam na época, como o feijão, o arroz, o milho, com centenas de compradores. Quanto ao trigo, apenas o Estado comprava e demorava a pagar nossas safras, o que causou um certo descrédito. A decadência se firmou após a morte do Prof. Otaviano Lapertosa em 1944, o que ocasionou o fatiamento da Cia. Moinhos Minas Gerais S/A, que se transformou num balcão de negócios em benefício de seus acionistas, terminando por isso em bancarrota³. No entanto, quando aqui esteve o Secretário da Agricultura, Américo René Gianeti, já no Governo Milton Campos, deu grande assistência e foi um reincentivador da cultura, uma vez que os secretários que substituíram ao Dr. Israel Pinheiro já haviam relegado para segundo plano o trabalho aqui incrementado.
Após 1945, surgiram motivos independentes da vontade dos triticultores patenses e mesmos independentes do Governo do Estado que impediam a continuação dos trabalhos. Realizou-se um acordo entre os Governos Brasileiro e Americano, segundo o qual este vendia trigo para o Brasil, com 40 anos de prazo, pagável em cruzeiro, e se não bastasse pagar nesses 40 anos, teria mais 20 anos de prazo. Consequentemente criou dificuldades muito grandes para a produção nacional, com trigo barato demais, enquanto outros cereais subiam de preço. Tornou-se tão desinteressante o cultivo trítico para os agricultores que eles perderam o incentivo financeiro por parte do Governo federal, que recebia mais 1.200.000 toneladas de trigo e quase de graça.
Patos de Minas produziu trigo enquanto foi interessante. Não havendo mais interesse econômico, deixou de existir produção para os Moinhos, que paralisaram. Apenas o Dr. Moacyr Viana de Morais continuou com os experimentos em sua fazenda particular. Em seus trabalhos de pesquisa e de inovação, o Dr. Moacyr conseguiu fazer com que o centeio, de preto, se tornasse branco. Podemos afirmar, sem medo de errar, que é o único centeio branco existente no mundo.
A realidade insofismável é que durante pouco menos de dez anos Patos de Minas foi a Capital do Trigo. Quando o entusiasmo do cultivo era grande, os maiores produtores foram Francisco Pedro Guimarães, Bermudes Afonso de Castro e Abner Afonso de Castro, chegando a produzir cada um, a média de 200 toneladas. Havia também vários outros fazendeiros que cuidavam desse cultivo, mas em menor escala. Grande era a produção das Estações Experimentais da Secretaria da Agricultura, principalmente a do Ministério da Agricultura. No auge, os fazendeiros obtiveram resultados financeiros excelentes em relação a outros cereais.
Tal o entusiasmo pelos resultados obtidos com o plantio do trigo em nosso Município que chegou a inspirar poetas da terra. Escondido sob as iniciais C. M. publicou-se na Folha de Patos de 28 de julho de 1938 o soneto “Trigo”, dedicado ao Dr. Moacyr Viana de Morais:
Ó sertão brasileiro. Impera o sol ardente,
No chapadão imenso, a se perder de vista,
Estende-se o trigal. O vento, brandamente,
De quando em vez ondula a interminável crista.
O Agrônomo contempla a esplêndida conquista,
O sucesso, afinal, do seu trabalho ingente.
É o pão para o Brasil! Uma emoção que é mista
De orgulho e de bondade, o toma, de repente.
É um bravo, é um forte e… chora! Chora sem saber
Porque tanta ventura o coração lhe oprime.
Não fez nada demais: cumpriu o seu dever.
Uma lágrima rola… A lágrima que encerra,
Que resume, por certo, a gratidão sublime,
Rola para cair e agradecer à terra!
* 1: Leia o texto “Ata da Colheita de Trigo Realizada no Campo de Sementes de Patos em 06/09/1941”.
* 2: Leia os textos “Companhia Moinhos Minas Gerais S/A”, “Vinda da Cia. Moinhos Minas Gerais S/A” e “Trigo de Patos – 1937”.
* 3: Leia o texto “Queda da Cia. Moinhos Minas Gerais S/A, A”.
* Fontes: Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca; Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.
* Foto 1: Edcentaurus.com.br.
* Foto 2: Agricultura.gov.br.