MONTINHO SUSPEITO, O

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Existe grande diferença entre o sítio que alguém deseja possuir, e uma casa de campo confortável e bonita de se ver, com gramados, jardins floridos e piscina de águas azuis e convidativas, sonho maior alimentado por espevitadas madames e bem situados cavalheiros de qualquer cidade grande, média ou pequena. Porque um palacetezinho encravado na área rural, de preferência em região montanhosa a não mais que meia hora de viagem do bairro onde se mora, não pega mal, não é mesmo, pois além dele dar prestígio a quem o tem, também enche de “vento” a quem foi convidado a freqüentá-lo, e faz os esquecidos ralarem de inveja alguma parte do corpo.

A explicação para essa dessemelhança é fácil de ser dada. Na casa de campo, os donos e convidados não tiram o pé da área calçada ou do gramado, desfrutando dos prazeres e mordomias ali existentes sem qualquer outra preocupação senão a de saber se a cerveja está gelada ou se o churrasco não passou do ponto, porque os empregados tomam conta do resto. Já com a fazendinha a história não é bem essa, pois se de um lado ninguém a possui para deixá-la abandonada, de outro, as duas atividades possíveis em suas terras – plantar ou criar alguma coisa – exigem do dono o mínimo de conhecimento capaz de lhe evitar prejuízo financeiro, ou então que se aborreça com decepções imprevistas ou passe por constrangimentos inesperados.

Pois foi isso o que aconteceu com Alexander Rugenda e Sinfrônio Josias, médicos que resolveram imitar alguns colegas seus e compraram uma fazenda em Grota Funda, o maior dos cinco distritos de Periquitinho Verde, não só porque esse é um investimento presumidamente seguro, mas também porque nela os dois poderiam iniciar uma criação de cavalos de raça, coisa que só os que vivem de braços dados com o dinheiro conseguem manter sem qualquer sobressalto financeiro. Mas como eles não tinham nenhuma experiência no assunto, porque jamais haviam tirado o pé do asfalto, trataram de iniciar seu aprendizado logo na primeira visita que fizeram à propriedade que lhes pertencia, pretendendo inspecionar com mais vagar e atenção o que haviam adquirido baseados apenas nas informações recebidas de alguns amigos que a conheciam.

Assim, logo depois de examinarem a casa da fazenda, de conhecerem o casal de caseiros que morava em um barracão no fundo do quintal, de passarem pelo estábulo, paiol, pequeno curral e demais instalações da propriedade, os dois se puseram a caminhar por uma trilha que atravessava o pasto fronteiro à sede, completamente despreocupados, observando com satisfação o que existia à sua volta, quando repentinamente o Alexander segurou o Sinfrônio pelo braço e lhe deu um puxão para trás:

– O que foi? – indagou este.

– Você quase pisou nesse montinho aí no chão – respondeu-lhe o primeiro, apontando com o dedo indicador da mão direita para algo escuro e de aparência estranha que se encontrava quase sob os pés do sócio e companheiro. Este olhou para onde o amigo apontava, viu do que se tratava e respondeu meio sem jeito:

– Sabe que eu não tinha visto…

Então eles começaram a examinar com toda atenção a coisa amontoada na terra, permaneceram entretidos na investigação visual por mais de um minuto, até que um se virou para o outro e perguntou:

– Será que esse troço é merda?

– Uai –  murmurou o amigo, pensativo — Sei não… Vamos ver o que é…

Nessa altura dos acontecimentos a curiosidade científica dos médicos já havia sido despertada, e por isso os dois se agacharam, chegaram bem perto do monte suspeito, olharam-no fixamente com olhos de pesquisadores, trataram de cheirá-lo o melhor que puderam, mas mesmo assim, como ainda permanecessem em dúvida, um deles disse em tom de voz meio indeciso:

– Acho que não é não!

– Pois então eu vou ver que negócio é esse! – volveu o outro, decidido. E colocou a ponta do mindinho da mão direita bem no alto no monte não identificado, fez um pouquinho de pressão sobre sua superfície crestada pelo sol, e assim conseguiu penetrar pouca coisa no interior da massa que examinavam.

– Será que é? – quis saber o que observava seus movimentos, mal podendo esconder a curiosidade que o dominava.

– Ainda não sei – esclareceu o amigo. Mas decidido a esclarecer de vez aquela situação intrigante, ele colocou a ponta do dedo na boca, a fim de completar o exame.

– Argh… – resmungou de imediato, fazendo uma careta – Esse troço é merda mesmo!

– Você tem certeza disso?

– Claro que tenho!… Experimente para ver!

Então o amigo também passou o dedo com cuidado no monte misterioso, recolhendo dessa forma um pouco do material de que ele era composto. Depois, com a ponta da língua deu uma lambida na amostra grudada em seu dedo indicador, sentiu o sabor por alguns instantes, a fim de identificar do que se tratava, e exclamou em seguida, como se tivesse acabado de descobrir a pólvora:

– Virgem Maria! É merda mesmo, sô!

E seu amigo completou:

– Viu?… Ainda bem que nós não pisamos nela, não é mesmo?

E seguiram em frente, satisfeitos, dando continuidade ao aprendizado que faziam sobre as coisas da roça.

Compartilhe

You must be logged in to post a comment. Log in