MUDINHO NO COMÍCIO, O

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Época de eleição em Periquitinho Verde é fogo, porque tanto situação como oposição se valem de todos os recursos para divulgar os nomes dos seus candidatos aos cargos eletivos. O comício em praça pública é um deles, e por isso não só o prefeito municipal Noraldino da Costa Penteado, mais conhecido pela alcunha de Nhonhô Trambique, que é o chefe do PTPN – Partido Tudo Para Nós, como também o ex-congressista Felisbindo Torto, presidente de honra do PPTM – Partido Primeiro os Teus Mateus, dão muita atenção a esse tipo de encontros entre políticos e povo, pois é neles que as mensagens dos primeiros conseguem chegar sem grandes despesas a um público cansado de ouvir aquelas velhas promessas de que as coisas não vão ficar como estão… que eles estão decididos a consertá-las de uma vez por todas… e patati, patatá. Depois da eleição, cargo na mão… bem, aí a história muda de figura!…

Naquele mês de agosto, reta final da campanha para as eleições municipais, a situação em Periquitinho Verde estava mais complicada do que o habitual, pois a última pesquisa de intenção de voto feita pela Plim Plim, empresa local especializada em apurar a opinião da plebe a respeito de qualquer coisa, havia indicado que o momento político na cidade era de absoluta e total indefinição. Melhor dizendo, de indiscutível empate técnico, porque das trinta pessoas consultadas pelos pesquisadores, cinco tinham garantido que votariam em um dos dois candidatos,  outras cinco, no nome do seu adversário,  mais cinco declararam ainda não ter opinião formada a respeito do assunto, cinco juraram que anulariam o voto, cinco afirmaram que não compareceriam às suas respectivas sessões eleitorais, e as cinco últimas simplesmente recusaram responder à pergunta que lhes fora feita, alegando que como o voto é secreto, eles se sentiam obrigados a ficar de bico calado sobre o que pretendiam fazer. Isso sem falar nos cinco por cento da margem de erro, tanto para cima como para baixo.

Sendo assim, como a consulta popular não esclarecia se eram os eleitores de um lado, os eleitores do outro, ou os eleitores do muito pelo contrário, que formavam a maioria, o jeito era deixar a dúvida flutuando no ar, ao sabor da preferência de cada um, para que ninguém corresse o risco de queimar a língua arriscando previsões furadas, e com isso virar saco de pancada dos críticos sempre em prontidão. Por esse motivo a campanha eleitoral em Periquitinho Verde fervia como uma pastilha de Sonrisal jogada em copo d’água.

Foi em decorrência desse estado de coisas que o vereador Walber Pereira Marcondes, também chamado de Tudo-O-Que-O-Mestre-Mandar, achou por bem ponderar que do comício daquele final de semana, marcado para acontecer defronte ao Palácio da Justiça, na avenida Tertúlio Pargas, ao lado da Prefeitura Municipal, seu grupo deveria levar pelo menos um convidado escolhido entre os cidadãos das chamadas minorias sociais, no que foi prontamente secundado pelo vereador Ambrósio Virgulino, do PSPC – Partido Só Pra Contrariar, um dentista apelidado de o Rei das Bocas, cuja sugestão foi a de que para tanto se chamasse o Mudinho, um surdo-mudo a quem todo mundo atribuía o nome próprio de Messias, uma figura simpática e conhecida por qualquer pessoa que tivesse o hábito de passar pela chamada “esquina dos aflitos”, na confluência das ruas Belchior Fagote e Apolinário Daniel.

– Mas ele não fala nada – alguém ponderou. – E também é surdo como uma porta, não escuta coisa nenhuma. Então, como é que pode?

– Não tem problema – respondeu o Ambrósio Virgulino. – Ele se comunica com os outros pelos sinais de linguagem dos surdos-mudos, e por isso não vai ser difícil explicar ao povo o que ele está querendo dizer.

– Mas quem é que vai fazer isso? Pelo que sei, aqui em Periquitinho Verde não tem ninguém que entenda desse negócio.

– Também não é problema – esclareceu o dentista. – Nós podemos trazer um professor da escola de surdos-mudos da capital. Ele vem e traduz pra nós. Já pensou como vai pegar bem? Um surdo-mudo colaborando com nossa campanha política! Vai ficar chique demais!

Aí alguém sugeriu que eles deveriam oferecer duzentas pratas ao Mudinho, “para adoçar a boca do homem”, mas na mesma hora o vereador Marcondes Ferreira da Costa, o popular Fala-Baixo, do PPTM, sussurrou que sendo assim ele preferia indicar a sua própria esposa, que além de ser uma mulher inteligente e instruída, também era hábil com as palavras e dona de boa presença física, o que poderia servir como indez para atrair o eleitorado feminino.

– Indez? O que é que é isso? – perguntou o vereador Juscelino Catanduva.

– É o ovo que a gente coloca no ninho da galinha para ver se ela bota outros. Ou seja, uma espécie de isca, seu bocó! – respondeu o professor Aristóbulo Pati do Alferes de Mesquita, vereador pelo PSPC – Partido Só Pra Contrariar.

Daí para frente, e durante muitos minutos, não se falou em outra coisa senão nos filhos, noras, genros e afilhados que poderiam muito bem participar do comício e receber por isso as duas notas de cem, mas no fim da história prevaleceu a vontade do cacique Felisbindo Torto, que achou melhor requisitar aquela importância como reforço ao caixa do partido, extremamente necessitado dela e de muitas outras mais para custear as despesas de viagem que ele, como presidente da agremiação, precisaria fazer na corrida atrás de votos.

Resolvida essa pendência, as tarefas do que necessitava ser feito foram distribuídas entre os dirigentes partidários presentes de acordo com a condição e penetração social de cada um; depois disso a turma se dispersou, e dali em diante cada qual fez o que tinha que fazer, tanto que no dia marcado, e no horário exato, lá estava o Mudinho com uma cara de felicidade que alegrava o coração de todos, até mesmo dos que criticavam com mais veemência o grupo político que o convidara.

Chegada a hora do comício, o povo reunido diante do palanque erguido bem no meio da praça, atento ao palavreado inflamado dos oradores que se sucediam ao microfone com a rapidez planejada pelas lideranças partidárias, o mestre de cerimônias finalmente convocou a presença do Messias, ou Mudinho, que imediatamente subiu à tribuna com ar de quem tinha sido o único ganhador dos milhões de alguma megasena acumulada há várias semanas.

Uma vez lá em cima, o surdo-mudo permaneceu ereto e estático por instantes, como se fosse um militar em irrepreensível posição de sentido, depois encarou o povaréu que se esparramava pela praça, à sua frente, à sua direita e à sua esquerda, e só depois disso começou a fazer os gestos esperados com ansiedade por todo mundo. Primeiramente ele fechou a mão direita e manteve o braço respectivo dobrado em ângulo fechado, para cima e por alguns instantes, como se estivesse dando uma banana à platéia, em seguida, encostou o dedo polegar direito no esquerdo, fez o mesmo com os indicadores, e os apertou um contra o outro,  reproduzindo o gesto característico que indica o órgão sexual feminino;  depois, mantendo ainda a  posição de sentido, prestou continência, persignou-se, e finalmente fechou a mão direita como se fosse dar um soco, e bateu na parte superior dela com a palma da mão esquerda, seguidas vezes, no gesto que todos conhecem: top, top, top.

O povo, que não estava entendendo nada daquilo, começou a gritar:

– Traduza!… Traduza!…  Traduza!….

O professor contratado não se fez de rogado, e traduziu:

– Com os gestos que o nosso amigo fez até agora, ele quis dizer o seguinte: “Meus senhores, minhas senhoras, autoridades civis, militares e eclesiásticas, povo em geral…”

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