TEXTO: JORNAL CIDADE DE PATOS (1916)
Patos um dia teve um sonho; sonho cor de rosa semelhante ao de uma noiva na vespera dos seus esponsaes, sonhou ser a cidade modelo do fundo do sertão, sonhou que seus filhos haviam de sahir do indifferentismo morbido em que jasiam, para mostrar ao mundo, que tinham um coração ardente, e esse coração pulsava pela patria.
E de facto começou a realisar-se a visão que Patos em sonhos entrevira; os seus filhos pularam de enthusiasmo com a fundacção da Companhia Força e Luz de Patos; acudiram pressurosos com os seus capitaes, as acções não chegavam para quem as queria, e o melhoramento, á custa de muitos sacrificios, realisou-se, e Patos vio-se de uma hora para outra resplandescente de Luz.
Patos estava no secco, e de um momento para outro vio circular a agua potavel e vivificante em grandes arterias que alimentam o coração da cidade.
O edificio de sua Municipalidade, era a cadêa velha, e de repente, vio surgir um novo Paço Municipal, com o seu zimborio demandando o firmamento, não tinha industrias e appareceram fabricas, machinas etc., não tinha commercio e appareceram os grandes emporios, não tinha vias de communicação e appareceram os automoveis, não tinha instrucção e appareceu o Grupo Escolar, não tinha Forum, não tinha imprensa e appareceram jornaes diffundindo a luz nas intelligencias, como a electricidade difunde a luz no ambiente. Este sonho porém dissipou-se como de ordinario dissipam os sonhos aos primeiros albores da madrugada. Patos olhou para si e achou-se como dantes: um grupo escolar fechado, a electricidade iluminando a Lagoa Grande e as suas filiaes, e as covas boquiabertas das ruas adjascentes; alguma cousa se multiplicou, foi a tavolagem; as roletas estenderam os seus panos, carros de bois carregados de baralhos de cartas de jogar, chegam diariamente; com as frequentes chuvas na semana santa, uns chafurdavam-se na lama das ruas, outros chafurdavam-se na lama dos vicios.
De botas se ia para a procissão, como de botas se ia para o jogo.
Quando Santos Dumont descobriu o aeroplano, disseram os jornaes, para substituir as montgolfleiras e a passarola de Fr. Bartholomeu de Gusmão, antigosaram os geographos, a descoberta das origens mysteriosas de certos rios, as alturas das montanhas innaccessiveis, e até a descoberta do Pólo sonhada pelo escriptor francez Verne; as origens dos rios, porem, ficaram no mesmo mysterio, e os polos lá ficaram rodeados de seus gelos eternos, o aeroplano tem servido para dizimar a humanidade.
A electricidade entre nós é mais ou menos como o aeroplano de Santos Dumont – encarada debaixo do ponto de vista da utilidade real. E’ assim que o Forum e a Cadêa publica não são illuminados; num edificio como aquele vê-se uma lamparina de Kerosene, já é relaxamento; as lampadas do relogio obedecem a regra da reducção de fracções a expressão mais simples: de 12 lampadas que eram passaram a 6, depois a 3 amanhã será nenhuma; o povo não tem necessidade de ver as horas á noite, só precisa de ouvil-as na Sexta-feira da Paixão, em que não se devia ouvir a voz de sino, e no entanto o mesmo não foi desligado.
A illuminação do edificio da municipalidade é primitiva; quem olhar aquelles cordões, com as lampadas pendentes, julgará que os vereadores vivem a estudar as leis do pendulo.
Quanto ao zimborio não vale apenas falar nelle, fica no escuro, sumido nas trevas, foi collocado alli como uma inutilidade. De maneira que a luz electrica vai servindo para illuminar o amoroso noctívago que imprudentemente a horas mortas salta a janella da casa de sua amada, ou para o frequentador da tavolagem quando voltar da batota.
Os correios estão interrompidos, a estrada do automovel está cheia de matto, ás enchentes levaram as pontes dos rios e as populações dos districtos, como se tivessem na arca de Noé, soltam pombas mensageiras, que logo voltam mas sem ramo verde de Oliveira. A explicação do sonho de Patos não precisa de um novo José, tem a mesma explicação do sonho do Pharaó, das sete vaccas gordas e das sete vaccas magras, das sete espigas cheias e das sete espigas vasias que devoraram as primeiras.
Por isso é que dizia o poeta mantuano: tempora se fuerint nubila solus eris.
* Fonte: Texto publicado com o título “A Visão Mysteriosa dos Sonhos” na edição de 30 de abril de 1916 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Tecnocibernetico.wordpress.com, meramente ilustrativa