SOBRE O COMÉRCIO DE ALIMENTOS EM 1916

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TEXTO: JORNAL CIDADE DE PATOS (1916)

Nada de empolgante, nos chegava aos ouvidos, da vida habitual da cidade, até hontem pela manhã. – Um assassinato estupido e banal para os lados do Aragão; a historia de um furto de cavallo arreado na fazenda dos Caixêtas; uma tentativa de morte em S. Rita, o fallecimento de uma respeitosa senhora da nossa sociedade, foram os factos da semana. Cousas comuns e normaes da vida diaria.

Precisavamos de um assumpto qualquer, menos trivial e chocarrento, para a nossa chronica  e saímos a cata. Em cidade sertaneja, quando se quer saber das cousas, vai-se as casas de negocio e pharmacias e dá-se a lingua.

Percorremos diversas e por mais que provocassemos e abordassemos a todos os assumptos, nada nos interessava. Um tanto desanimados, notamos que todos se queixavam da mesma cousa, isto é, os negociantes – que o feijão, o arroz e a farinha estavam sem procura e haviam baixado de preço e a carne, apesar de conservar o preço, estava com a sahida estacionaria. Como era natural, ficamos interessados em descobrir a causa d’esse facto; pois ainda não tendo entrado a colheita destes generos, não havia razão.

Fomos ouvir o Sr. João Francisco e este um tanto gago, nos disse que já ia saber do Gotte a causa d’isto.

O Sr. Antonio Filgueira, nos informou que tambem encommodado, já havia pedido explicação a casa Totó, e o seu proprietario que é sempre desconfiado, lhe havia dito estar attribuindo os comerciantes Virgilio Borges & Deiró e Casa Gotte que, para effectuarem compras, estivessem fazendo jogo: – Houvessem baixado estes preços, para realisarem compras e a freguezia correndo para alli, reflectisse a falta de procura nos outros negociantes; e que ja tinha mandado observar.

Os Srs. Virgilio Borges & Deiró nos asseveraram que as attribuições da Casa Totó, são infundadas e que elles ha dias estão observando esse phenomeno commercial e previdentes como sempre, procuravam descobrir a causa.

Ao chegarmos a Casa Gotte, ja alli encontramos os Srs. João Francisco, A. Filgueira que interpellavam o proprietario da Casa Gotte, como mais entendido e conhecedor da nossa praça, sobre ás suas apprehensões: e este rindo-se da ingenuidade dos collegas, precisou o facto dogmaticamente: Não ha jogo nenhum, nem anormalidade alguma commercial, é um facto commercial periodico e que ninguem pode ignorar; pois os Srs. esquecem-se que estamos em plena colheita do araticum? É um producto que faz concurrencia aquell’outros anualmente.

O Sr. Filgueira, com o seu sorriso, vira-se para os collegas: – “Nós somos muito araras. Todo o dia vejo o vai e vem da população grauda da cidade para o Serrado e não dei por isto”.

O Sr. Daniel Belluco que estava de parte e que só gosta de negocios novos e sem concorrentes e que se preparava para a exploração monopolisada d’este negocio, diz: Este Gotte, é meu azar me atrapalhou o plano.

Foi para mim o melhor da semana.

Patos, 2 de março 916¹.

Indiscreto.

*1: Na questão do ano da data ao final do texto não há erro de digitação: assim está impresso no original.

* Fonte: Texto publicado com o título “A Culpa é do Araticum” na coluna Chronica da Semana da edição de 19 de março de 1916 do jornal Cidade de Patos onde o articulista assina com o nome de “Indiscreto”. Do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam

* Foto: Baixaki.com.

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