Resgatar a história de Patos de Minas é um grande desafio. Há coisas que os documentos não registram. Depoimentos de personagens da época sempre hão de passar pelos filtros da emoção e da subjetividade. Datas podem se desencontrar, detalhes podem ser perdidos ou modificados. Porém, mais do que documentar de forma exata, o que vale mesmo é ouvir boas estórias e sentir o gostinho da volta no tempo.
Os primeiros registros de festas carnavalescas em Patos de Minas são fotos que datam de 1925. Naquela época, o carnaval de rua era uma boa oportunidade para que os mais afortunados exibissem seus automóveis de luxo, que acabavam fazendo a vez dos carros alegóricos. As crianças iam fantasiadas para as festinhas preparadas pelas escolas e muitas famílias organizavam comemorações nos salões de suas próprias casas.
A partir de meados da década de 30, o carnaval patense começa a contar com uma nova opção: os clubes e salões de festas da cidade. O primeiro deles foi a Sociedade Recreativa Patense¹, inaugurada em 1935. Em 1943, surge o Patos Tênis Clube; em 1962, o Caiçaras Country Club e em 66, o Patos Social Clube.
Na década de 1950 o carnaval de rua continuava firme. As fotos mostram que a moda era o lança-perfume, até então permitido no Brasil. Segundo Aurélio Pinheiro, historiador do Museu da cidade de Patos de Minas, a principal função do lança-perfume era deixar um cheiro característico no ar, o cheiro do carnaval. Outro ponto marcante desse período era o Bloco dos Padeiros, que desfilava na quarta-feira de cinzas, pela manhã. Eles faziam um pão quilométrico para simbolizar o trabalho de servir pão a todos.
Os anos 60 não deixaram muitas informações em relação ao carnaval, talvez em virtude da rigidez militar pela qual o país passava.
Mas na década de 1970, o movimento político, estudantil e cultural era forte em todo o Brasil. E em Patos de Minas não era diferente. Uma foto de 1970 mostra o famoso carnavalesco Zikita desfilando em um carro alegórico sob os olhares atentos do povo.
ACADÊMICOS DO SAMBA
Nessa época, uma turma de jovens costumava fazer batucadas no Parque de Exposições durante a Festa do Milho e os instrumentos de percussão eram confeccionados pelos próprios músicos. Em 1973, eles decidiram sair junto com o desfile da Fenamilho. “Foi de surpresa, não tinha nada combinado. A gente tomou umas e falou: vamos para o desfile!”, conta Márcio Luiz Maciel, um dos integrantes da turma na época. O grupo se intitulou “Os Miseráveis do Samba” e Márcio Maciel conta que “o Patrício era o locutor oficial do desfile e acabou animando a gente para criar um movimento oficial de escola se samba aqui em Patos”.
Até a chegada do próximo carnaval, o grupo conseguiu reunir cerca de 100 pessoas e formar alas da primeira escola de samba de Patos de Minas. Ainda bastante acanhada, surgia a Acadêmicos do Samba.
Em 1974 foi possível comprar instrumentos adequados e desfilar no carnaval. Mas a tradição estava um pouco esquecida, a escola não teve apoio financeiro e precisou contar com a colaboração dos próprios integrantes.
No ano seguinte, a Acadêmicos do Samba foi tomando forma. “O Osmildo começou a participar e a gente ensaiava na rua Ouro Preto, perto da casa dele”, diz Márcio. “Mas às vezes ficava tumultuado demais porque ia muito beberrão e a gente queria levar a coisa a sério”, ri.
A Acadêmicos do Samba enviou um projeto para a Prefeitura e foi possível contratar costureiras para confeccionar as fantasias. “Eu me lembro que a coisa era tão local e se distanciava tanto do Rio e São Paulo, que a gente desfilou de chapéu! A coisa mais estranha que eu já vi… Mas acabou ficando irreverente”, lembra Márcio.
A concentração era feita na porta da escola Marcolino de Barros. A Acadêmicos saia, dava a volta na praça, entrava na rua Major Gote e acabava o desfile.
Segundo Maciel, no final dos anos 70, candidatos de partidos opostos queriam envolver a escola em campanhas políticas e boa parte dos fundadores acabou se afastando. A escola ainda funcionou algum tempo, mas depois entrou em declínio.
CLUBINHO CARNAVALESCO DO POVO
Nesse momento, alguns estudantes envolvidos com o movimento político e cultural resolveram resgatar o carnaval de rua da cidade. Muitos dos antigos integrantes da Acadêmicos do Samba fizeram parte da nova inciativa. Inspirados em Dodô e Osmar, a idéia era fazer uma festa aos moldes do carnaval baiano.
Eles pediram ajuda à comunidade batendo de porta em porta, fizeram vaquinhas, recolheram cornetas, pediram apoio aos dois partidos políticos da época. “O povo ria da gente, achava que aquilo era uma loucura”, lembra Marcos Rassi, um dos integrantes do movimento.
Além disso, parte do grupo resolveu ir até Salvador para acompanhar de perto o carnaval da Bahia e entender melhor como funcionava a estrutura de um trio-elétrico, “nem que fosse para improvisar depois com um carro de boi”, brinca Rassi.
Em vez do carro de boi, a turma conseguiu emprestado um caminhão de lixo da prefeitura. Os próprios integrantes enfeitaram o caminhão e montaram uma estrutura de alto falante e corneta.
O chamado Clubinho animou as cinco noites daquele carnaval de 1978. Eles se concentravam na região entre a rua Major Gote e a Olegário Maciel. Marcos Rassi acredita que cerca de 10 mil pessoas foram conferir a novidade. O saldo foi tão positivo que os integrantes resolveram criar a entidade Clubinho Carnavalesco do Povo.
Em 1982, a Prefeitura de Patos convidou o Clubinho para fazer a organização oficial do carnaval de rua. A verba aumentou e eles puderam financiar um caminhão próprio e produzir o primeiro trio elétrico confeccionado artesanalmente em Minas gerais.
“A gente seguia aquela idéia do Caetano de trazer o povo para a rua, para o centro”, conta Rassi. Para isso, em cada um dos dias de carnaval, eles saíam de um bairro diferente da cidade e iam levando as pessoas até o centro. “Mas o caminhão sempre dava problemas. Toda a história do Clubinho foi marcada por uma infra-estrutura precária, sempre faltava dinheiro”, comenta ele. O Clubinho também realizava pré-carnavais e matinês nos bairros da cidade e convidava o povo para ir até o centro à noite.
A entidade chegou a ter mais de 200 filiados e um repertório de mais de 150 composições. Tonhão compôs boa parte das músicas do Clubinho. Ele é lembrado por seus contemporâneos pelas crônicas que fazia sobre a cidade, falando do ambiente patense, dos cidadãos, da natureza daqui. “Era gratificante ver de 15 a 20 mil pessoas cantando as músicas do Clubinho”, lembra Rassi, que acredita que o carnaval é um bom momento para que os músicos patenses divulguem seu repertório.
Marcos Rassi conta que muitas vezes a polícia brigava com eles porque já eram sete da manhã de quarta-feira e o pessoal ainda estava na rua.
Houve também quem não gostasse da folia. Foi criado um Conselho de Defesa da Comunidade, que reivindicou o fim do Clubinho. Mas uma mobilização dos integrantes e do povo abafou a tentativa dos “higiênicos” da cidade.
O Clubinho Carnavalesco do Povo também incentivava a criação de blocos independentes. O Bloco Sujeira era um dos mais famosos. “Homens se vestiam de mulher, mulheres se vestiam de homem, as crianças adoravam!”, conta Marcos Rassi.
Outro bloco de destaque surgiu em 1984, era o Bloco das Diretas, que fazia alusão ao movimento das Diretas Já, que pipocava pelo país. Em 1985, o bloco passa a se chamar Muda Brasil.
Em 1986, o Clubinho promove um concurso entre o Bloco Muda Brasil e a Acadêmicos do Samba, que passa a se revigorar.
MUDA BRASIL
Em 1987 o bloco se torna escola de samba. A Muda Brasil ganhou todos os concursos até 1994. Em 1995 a Acadêmicos do Samba ganhou e o carnavalesco Sérgio Marques, que fazia parte da Muda Brasil, se orgulha de ter participado da Acadêmicos do Samba justamente no ano em que ela foi vencedora.
Geovander Andrade, mestre de bateria, primeiro puxador de samba da Muda Brasil e compositor dos sambas-enredo da escola, diz que o sucesso da Muda Brasil nos concursos se justificava pela quantidade maior de dinheiro disponível. “Naquela época as escolas recebiam quantidades diferentes de dinheiro. A maior ganhava mais. E o Romero Santos (um dos fundadores da escola) sempre doava mais dinheiro, incrementava mais”. Mas, além disso, Geovander faz questão de dizer que a escola da qual ele participava sempre ganhava o concurso daquele ano.
Sendo assim, a Muda Brasil volta a ganhar em 1996 e depois em 2000. Em 1997 e 1999 a vencedora é a Acadêmicos do Samba. E em 1998, quem ganha é a Unidos do Alvorada.
Osmildo Eustáquio de Sousa nasceu em Patos de Minas- MG, no dia 24 de fevereiro de 1950. Filho de Arlindo de Brito Freire e Luzia de Sousa Luis. As primeiras profissões que exerceu foram as de cabeleireiro, maquiador e artísta plástico. Desde os 18 anos colaborou nos eventos culturais de Patos de Minas, como nos movimentos literários, folclóricos e teatrais – tendo, inclusive, coordenado à apresentação de várias peças. Foi um dos fundadores da Escola de Samba Acadêmicos do Samba. Como 1º mestre sala a exibir-se em desfile de uma escola, não se deixou abater pelo preconceito e pela forma maliciosa com que alguns viram o seu trabalho. Osmildo foi construtor do primeiro carro alegórico de carnaval, que desfilou nas ruas de Patos de Minas. Anos depois, afastou-se da escola de samba, mas continuou a freqüentar os carnavais em clubes. A convite do ex-vereador Romero Santos, voltou a fazer parte de uma escola de samba, sendo o carnavalesco e mestre sala da Escola de Samba Muda Brasil. O carnaval de Patos de Minas sempre teve mais qualidade e brilho com a ajuda de Osmildo, que sempre ajudou e orientou no que pode a todas as escolas de samba, como conselheiro e nunca como rival. Ao longo de 14 anos, participou de inúmeros festivais de dança, criando cenários, figurinos e assessórios para as academias locais e das cidades vizinhas. Também participou da confecção de carros alegóricos para a Festa Nacional do Milho, ao lado do Sr. Vicente Nepomuceno, e promoveu eventos como Reveillon, Baile do Havaí e outros. Em municípios como Tiros, Carmo do Paranaíba, Lagamar, Rio Paranaíba, Presidente Olegário, Vazante, Patrocínio e Presidente Prudente/SP, participou da organização de festas agropecuárias. Paralelamente, foi pessoa sempre presente nos diversos eventos da Prefeitura Municipal, Apae, e de outras entidades filantrópicas. Osmildo, como um ser humano modesto que foi, sempre dizia que considerava pouco o que fazia pela cidade do seu coração. Em 12 de dezembro de 2000, foi homenageado pela Câmara Municipal de Patos de Minas, que em nome do povo deste município reconheceu seus feitos, através do Título de Cidadão Benemérito de Patos de Minas- MG, e para nossa tristeza, pouco tempo depois nos deixou, e foi para a morada eterna, isto no dia 05 de fevereiro de 2001, sendo sepultado no Cemitério Municipal de Santa Cruz.
UNIDOS DO ALVORADA E LAGOA AZUL
Essas duas escolas também surgiram de blocos independentes de carnavais anteriores. Em 1989 a Unidos do Alvorada busca referências na Escola de Samba União da Ilha, do Rio de Janeiro, para se constituir. E em 1991 a Lagoa Azul vem completar o quarteto das escolas de samba.
“A gente ficava disputando quem trazia mais público para a avenida”, diz Geovander. Mas ele mesmo diz os públicos eram diferentes. As famílias iam para a avenida ver as escolas de samba, “eram vinte, trinta mil pessoas. A Major Gote, desde o Alvorada até a General Osório, ficava lotada de um lado e do outro”, fala entusiasmado. E a moçada ficava até mais tarde pra acompanhar o Clubinho, “que continuava enquanto desse conta de tocar”, diz Márcio Maciel.
“Também havia pessoas que vinham de cidades vizinhas e até de Belo Horizonte e Brasília, como na Festa do Milho, para passar o carnaval em Patos”, acrescenta Geovander.
O FIM DA FOLIA
As escolas de samba animaram o carnaval patense até o ano 2000. “Não sei se as coisas ficaram mais difíceis para a Prefeitura, ou se o prefeito não gostava de carnaval”, reclama Geovander Andrade. “Nós ficamos ausentes da avenida, sentindo muita falta. A Prefeitura passou a olhar só para as bandas e as escolas foram se acabando, os foliões morrendo”, lamenta.
Márcio Maciel argumenta: “Ao contrário do Clubinho, que era um grupo que tinha centenas de músicas e jamais ficou no marasmo, quando o carnaval se aproximava, vinha todo mundo pra dentro da Prefeitura. Era um consumo de recursos muito grande e, na maioria das vezes, a letra não tinha a ver com o samba, que não tinha a ver com as alegorias, não existia um conjunto”. Mas ele mesmo reconhece que manter uma escola de samba de pé não é tarefa nada fácil.
E o Clubinho? Bom, o Clubinho só existiu até 1993. “Cada um dos integrantes foi casando, arrumando emprego, se mudando da cidade… Mas ele acabou no auge, não passou por um período de decadência”, conta Marcos Rassi.
Segundo ele, o sonho do Clubinho era tornar o carnaval de Patos uma referência em Minas Gerais, mas “nós temos consciência de que não conseguimos isso”, diz Rassi.
Referência ou não, o que parece é que essa turma deixou saudades nos corações dos patenses. É como diz Geovander Andrade: “O Povo pode até dizer que não gosta de carnaval, mas quando ouve o barulho do tambor, não resiste e tem mesmo que ir para a avenida”.
* 1: A Sociedade Recreativa Patense, como entidade social, foi fundada em 08 de dezembro de 1935. O prédio teve a sua pedra fundamental lançada em 16 de agosto de 1939, e inaugurado solenemente em 21 de dezembro de 1940.
* Fonte: Texto de Thays Prado publicado na edição de 11 de fevereiro de 2006 do jornal Folha Patense, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto 1: Ocidadaorj.com.
* Foto 2: Carnaval patense da década de 1930 em frente ao palacete de Amadeu Dias Maciel, esquina da Avenida Getúlio Vargas com Rua Olegário Maciel, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 02/02/2013 com o título “Carnaval de 1930”.