À MEMÓRIA DE JOAQUIM VAQUEIRO

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TEXTO: ITAGYBA AUGUSTO DA SILVA (1925)

No dia 18 de agosto vindouro, vae fazer um anno que, no Municipio de Patos, desappareceu, para sempre, do numero dos vivos, um typo perfeito, raro, excepcional mesmo, do homem honrado, digno e bom.

– Sabem os leitores, a quem me refiro?

– Sim, eu me refiro ao nobre e saudoso cidadão que, em vida, se chamou Joaquim Vaqueiro – o martyr, o grande martyr das margens do rio da Prata. Julgando os outros por si mesmo, desconhecendo inteiramente a maldade dos homens, confiando em tudo e não desconfiando nunca de nada – eis porque Joaquim Vaqueiro succumbiu tão tragicamente, isto é, por uma arma de fogo assassina, covarde e traiçoeira de dois bandidos!

Narrar o bárbaro assassinato de Joaquim Vaqueiro com o fim unico, exclusivo de se roubarem o dinheiro e quaesquer bens ao alcance, como o fizeram Marinho e Victor, è recordar um episodio doloroso, que, veio abalar uma população pacifica – a de Santa Rita; descrever o infame latrocínio de tão insigne varão, è relembrar um acontecimento contristador, vindo comover fundamente uma sociedade inteira – a dos vasto Municipio de Patos!

– Para que pintar uma quadro tão triste e indigno?

– Quem não se lembra do echo que, com o homicídio de Joaquim Vaqueiro, rapercutiu impressionantemente pelos reconcavos do Oeste de Minas, como tive occasião de observar em viagem de Patos para o Rio, em diversos pontos, Formiga e Lavras, por exemplo, aonde o facto era relatado, de bocca e bocca, acompanhado sempre de commentarios desabonadores da cultura e civilisação do povo de Patos?!

Caia a tarde de 18 de agosto de 1924. Dois cavalleiros caminhavam, a passos lentos, pela estrada que ia ter à fazenda de um casal de octagenarios. Na varzea proxima, uma creança pastoreava os bois carreiros dos anciões. Os cavaleiros, jà com o rosto e os membros nús tisnados de carvão, procurando assim não serem reconhecidos, desviaram os seus animaes da estrada.

Foram ao encontro do pequeno pastor, a quem, perguntaram: “Os seus patrões estão e estão sós?”

– Sim, elles estão e estão sós, respondeu o innocente.

Caia então a noite. Deixando para traz a creança, retornando a estrada, os dois mascarados chegaram logo á casa dos velhinhos. Bateram à porta, pedindo hospedagem. Mineiro a antiga, veio o fazendeiro rheumatico, tremulo, de lamparina em punho, recebe àquelles que lá fóra – pensava elle comsigo mesmo, sofriam – quem sabe? – o frio, a fome e o cansaço! Abre a porta e saudando os dois cavaleiros, disse: “Bôa noite, senhores! Desmontem e entrem”.

– Bôa noite, responderam elles.

Rapidos, põem ambos os cavalleiros o pé em terra e entregando um ao outro o seu animal, agarra este ao pobre ancião e mais ousado que o companheiro, lhe adverte: “O dinheiro ou a vida”! Colhido de surpresa, desarmado, jà fraco devido ao peso dos annos, doente – que faz o aggredido? Reconhece ser inutil qualquer reacção e lançando mão do dinheiro que de momento dispunha, o apresentou aos patifes salteadores.

– Não, não queremos só isto! Queremos mais dinheiro, vamos ao seu aposento, onde o tem guardado! E levando assim o bondoso e hospitaleiro octogenario ao seu quarto de dormir, os dois covardes entraram, varejaram os moveis, retiraram de uma caixa a importancia alli contida dentro de um livro, e, ao se afastarem, pegaram da carabina do grande martyr, posta na parede.

– Meus amigos, podem levar tudo, tudo e só lhes peço me pouparem a vida!

Ouvindo a supplica da sua victima, dela escarneceram.

Entenderam os facinoras que deviam ir além!

Foi assim que, o mais ousado, em um requinte de perversidade e covardia inauditas, sacando da garrucha que o seu companheiro de empreitada trazia á cinta, com ella desfechou um tiro certeiro no craneo do indefeso velho, salpicando miolos pelas parêdes próximas! – Eis o triste fim de um justo!

Emquanto isto, a tropega esposa do trahido, do saqueado  e do morto, procurava se erguer alli bem perto, mas… debalde, os seus 95 annos não o permettiam!

De novo, os dois cavalleiros tomaram os animais. No céu enfumaçado, erguia a pallida lua! E foi assim que, os dois cavalleiros caminhavam agora de regresso, a passos lentos, pela estrada que ia ter á fazenda de um casal de octogenários! Dir-se ia que voltavam de um festim!

Deus não dorme! Joaquim Vaqueiro foi sempre religioso, catholico pratico e comquanto Deus permitisse que finasse tão estupidamente, não quiz Elle que ficasse o crime praticado contra um crente, envolto na sombra do mysterio! Esperavam as duas feras, os dois lobos famintos que o seu duplo crime – assassinato e roubo, ficasse impune, como o ficaram os crimes idênticos da Capellinha do Chumbo, da Onça, e da Lagôa Formosa.

Mas assim não aconteceu, porque foram capturados, confessando cynica e espontaneamente o seu nefando crime.

Louve agora a Justiça de Patos a acção desinteressada e saneadora dos cidadãos componentes da feliz diligencia da fazenda do salitre, e, saiba ainda a sociedade de Patos, em peso, os agradecer sinceramente pelo grande serviço que lhe prestaram, segregando do seu seio os já famosos latrocinadores de Joaquim Vaqueiro.

Que a terra de Santa Rita, no Andrequicé, tenha sido leve ao corpo ensanguentado, frio e inerte de Joaquim Vaqueiro, porque assim elle fez jus, não por ter sido filho de nascimento de S. Rita, mas por tel-o sido de todo o coração, mas por tel-o sido de toda sua alma! Probo entre os mais probos, apostolo fervoroso do trabalho, de porte tão pequeno e de tão grande bondade, Deus o tenha no céu, ao lado dos bons e dos justos!

Veneremos a alma sã de Joaquim Vaqueiro nas regiões sideraes, e, cá na terra – relembremos o exemplo vivo do cidadão honrado, digno e bom; reconfortemos o nosso espirito com a captura dos dois irmãos Marinho e Victor, e, agora confiemos que nos verdugos de Joaquim Vaqueiro a sociedade de Patos saiba fazer a necessaria, merecida e implacável justiça!

* Fonte: Texto publicado na edição de 31 de maio de 1925 do Jornal de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPH) do Unipam.

* Foto: Pt.spiderpic.com, meramente ilustrativa.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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