DRAMA DE SANGUE EM 1906

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A2Na manhã de onze do corrente foi a pacifica e ordeira população desta cidade surprehendida por grandes descargas, e quando os rostos pallidos de susto assomavam as janellas, chegavam os cadaveres banhados em seu proprio sangue.

Si ao relatarmos os factos taes como pessoas fidedignas nos informaram, dissermos que os mortos foram os imprudentes, perdoe-nos a memoria dos mesmos, pois que a falta ficou resgatada pelas lagrimas das viuvas e dos orphãos, pelo lucto com que se cobriu a cidade consternada, pela piedade que ainda hoje se aninha no coração de seus amigos.

No dia 10 sahiu desta cidade, um carro do Snr. Adolpho Lopes, acompanhado pelo mesmo Snr., e voltaram para o logar denominado “Catingueiro” trez carros, propriedade do Snr. José Benedicto, conduzidos pelos filhos do mesmo Snr.; travaram-se de razões em caminho o Snr. Adolpho Lopes e os filhos do Snr. José Benedicto, resultando deste conflito, dado extra muros, sahir ferido na cabeça o Snr. Adolpho Lopes, que chegou a esta cidade à tardinha, sendo visitado por sua familia e seus amigos e sendo medicado pelo Pharmaceutico Agenor Dias Maciel em curativo de urgencia; nesta occasião compareceu em sua residencia o delegado de policia em exercicio, o Snr. Daniel Alves Belluco, para syndicar dos fattos e tomar as providencias que o caso requeria; sendo desattendido relativamente as providencias que queria tomar, pois a familia da victima, não quiz que se fizesse auto de corpo de delicto; e o auto não se fez.

Retirou-se o digno delegado pesaroso de não poder fazer a acção da justiça, tanto mais sendo a victima seu cunhado.

Uma calma apparente, que precede de ordinário às grandes tempestades, pareceu seguir-se a este desencadear de factos.

No dia seguinte chegavam aos suburbios desta cidade, trez carros, propriedade do Snr. José Benedicto, carregados de lenha, conduzidos pelo mesmo Snr. e filhos, destinada à plaria que funciona nos mesmos suburbios; nesta occasião o Snr. Antonio dos Reis, conhecido por Antonio Portuguez, convidou o Snr. Adolpho Lopes para um desforço pessoal, dirigindo-se ambos para o local onde estavam os carros, ambos armados, este de rewolver, aquelle de carabina, desfechando, ao chegarem ao local, uma chuva de tiros em José Benedicto e seus filhos, atingindo os projectis a Marcilio, filho de José Benedicto, que cahiu morto, e quebrando o braço direito de José Benedicto, que se achava a cavallo junto aos carros; respondeu ao fogo o Snr. José Benedicto desfechando tiros de garrucha em seus agressores, sendo attingido nesta occasião o Snr. Antonio Portuguez; não tendo mais munição, apeou-se o Snr. José Benedicto e puxando uma larga faca de carreiro, avançou para o Snr. Antonio Portuguez, que tentava fazer manobrar a carabina, sendo alcançado, foi morto à faca, fugindo o Snr. Adolpho Lopes. Estavam as cousas neste pé, quando chegaram a arena os Snrs. Acacio Lopes e Athayde Lopes; avançaram fazendo fogo em José Benedicto e os seus, sendo respondido por um tiro de carabina, que alcançou o Sr. Athayde na perna, sendo a carabina do Snr. Antonio Portuguez, aprehendida por um filho do Snr. José Benedicto, o qual não sabendo manobrar a mesma nem mais um tiro deu; nesta occasião foi ferido no peito com um tiro de espingarda o Snr. José Benedicto que avançando de faca em punho esfaqueou os seus agressores Acacio Lopes e Athayde Lopes, no couce de suas proprias armas, ambos caíram mortalmente feridos na arena de combate, que (perdoe-nos a memoria dos finados) por elles mesmos fora provocado.

Foi tambem ferido em uma mão com uma bala tambem um filho do Snr. José Benedicto. Quando chegou a policia já o conflicto havia terminado, pois durou poucos minutos, havendo quatro mortos e dois feridos.

O povo desta cidade, profundamente emocionado com o horroroso drama de sangue que acabava de findar-se, affluio as casas das victimas e, estupefacto, parecia não acreditar no que realmente via.

E assim terminou-se o dia 11, memoravel na historia de Patos!

NO DIA 12. – INQUERITO. ENTERRAMENTO. NO CEMITERIO.

O delegado de Policia mandou fazer auto de exame cadaverico e auto de corpo de delicto nos feridos, sendo considerados graves os ferimentos de José Benedicto, tendo o Dr. Euphrasio feito a operação de resecção do Cotovello.

Affluiram grande numero de pessoas, representantes de todas as classes sociaes, aos enterros. A corporação musical “Santa Cecília” tocou lindas peças fúnebres.

Os cadaveres de Acacio Lopes e Athayde Lopes em só cova, para exemplo de amor fraternal; aquelles, que foram tão unidos na vida não devia se separar na morte.

O Ver. Pe. Getulio de Mello fez uma exhortação no cemitério deante do mais fatal dos exemplos, pedindo aos mais moços que em casos analogos, refreassem o ardor de sua mocidade, e celebrassem conselhos com os mais experientes, que os mais affoitos se unissem aos mais pacatos, para ter a ordem, que é a base sobre que repousa a harmonia das sociedades.

Assim terminou a grande tragedia que ensanguentou o solo desta cidade.

No tumulo dos que foram sacrificados “O Trabalho” esparge petalas de goivos e derrama lagrymas de immorreudora saudade, e às Exmas. Familias enlutadas apresenta o seu profundo sentimento de pesar.

* Fonte: Texto publicado com o título “Os sucçessos do dia 11 – Grande Conflito: Mortes e Ferimentos” na edição de 16 de dezembro de 1906 do jornal O Trabalho, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Reflexõesevangelicas.com.br.

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