A nossa cidade teve a honra de hospedar, do dia 2 ao dia 7 deste [julho] o virtuoso prelado, cujo nome encima estas linhas. Dizer o que foi sua recepção, seria tentar traduzir o vivo sentimento de amor e carinho que se deixava transluzir do rosto de cada um, e que nos fôra impossivel descrever.

Esperavamos chegasse s. ex. aqui no dia 1.º o que não se verificou, devido a atrazo em sua viagem, só se realizando no dia 2. Nesse dia, apesar de não ser domingo, notava-se grande n.º de cavalleiros que se aprestavam a receber, em meio caminho o inclito Bispo.

Em nossas praças notava-se grande animação, dando os seus habitantes o ultimo retoque na ornamentação ultimamente collocada. Esta, comquanto singela e não obedecendo a um mesmo plano, comtudo se sobresahia, concorrendo muito para o aformoseamento de nossos largos.

Constava ella da arborisação total dos dous largos, o da Matriz e Rosario¹, o que veio demonstrar o quanto de rasão nos assistia, quando propugnamos a sua arborisação definitiva. De espaço a espaço, desde a egreja do Rosario até á casa onde s. ex. se hospedou, se erguiam arcos de folhagens, dos quaes pendiam quadros com diversos dizeres, e ligados uns aos outros por bandeirolas multicores, pendentes de um quasi interminavel fio. A sustentarem os arcos, erguiam-se grandes postes de madeira, que deixavam no seu tope tremular tyras ou bandeiras, as quaes, revoluteando ao ar, emprestavam um tom alegre a ornamentação. Formando como que um bosque ao longo e em alinhamento aos arcos, arvores transplantadas sombreavam essa longa avenida, destinada a passagem de tão illustre e estimado bispo.

Á porta da egreja do Rosario e da da Matriz, erguiam-se lindos arcos, tambem tendo pendentes quadros com diversos dizeres. Sobre a ponte que tinha s. ex. de pisar, ao penetrar em nosso largo-avenida, se erguia tambem um lindo arco, cuidadosamente confeccionado pela nossa professora publica. Os dizeres dos quadros pendentes dos arcos eram: Viva SS. o Papa Pio X, Viva D. Eduardo, Vivam os benemeritos Dominicanos, Deus e Patria, Bendito o que vem em nome do Senhor, Virtude e trabalho, etc, etc.

Ás 2 horas da tarde mais ou menos, começaram a partir, ao encontro de s. ex. grande n.º de cavalleiros, e, ao estrugir dos primeiros fogos, notamos ao longe, no meio de uma densa nuvem de pó, mais de 800 cavalleiros que atraz de s. ex. caminhavam. Ao chegar em frente a egreja do Rosario, apearam-se todos, sendo s. ex. alli recebido pelo nosso Revm. Parocho, Vigr.º Getulio de Mello, que lhe deu as bôas vindas, beijando-lhe o annel, atravessando s. ex. por entre filas de gentis senhoritas e meninas, sendo coberto de flores. A banda de musica “S. Cecilia” executou lindissimas peças.

Penetrou s. ex. na egreja do Rosario, onde fez breve oração, sahindo depois acompanhado de grande n.º de pessoas até a casa a si destinada. Ahi aguardavam s. ex. as principaes autoridades da comarca e o foro, sendo-lhe nessa occasião dada as boas vindas, em nome da nossa população pelo Dr. Euphrasio Rodrigues. Ao terminar o orador, foi s. ex. coberto de flores ao penetrar na casa, fallando então, bastante comovido, agradecendo á saudação.

Durante sua estada nesta cidade, foi s. ex. muito visitado não só pelas pessoas gradas desta cidade, como também por toda a população, que ia beijar-lhe o annel. Nós que ainda o não conheciamos, nos sentimos como que attrahidos para a sua venerada pessôa, e, si é certo que sympathia sempre é correspondida, achamos-nos bem, pois teriamos então certeza de ter conquistado em s. ex. um novo e bom amigo.

Ao chegar e ao dirigir pela primeira vez a palavra ao povo, disse s. ex. que nesse mesmo dia, ás 5 horas da tarde, daria começo a sua visita pastoral. Ás 5 horas, de facto, seguiu s. ex., da casa de sua residência para a matriz, segurando então no pallio os exmos. srs. drs. Sabino Lustosa, Antonio Nogueira de Almeida Coelho, Major Olympio Borges, José Antonio Borges, Augusto Borges e Almerio Gonçalves de Amorim. Chegado alli, s. ex. deu começo á sua visita pastoral, dirigindo uma eloquente s substanciosa oração ao povo, na qual deixou transparecer não só altos conceitos, como também a sua alta cultura scientifico-canonico-litteraria. Ás 12 horas do dia seguinte e dos subsequentes, esteve sempre s. ex. á disposição dos chrismandos, pregando todas as tardes. Os fractos de suas predicas foram bons e salutares, promettedores de fartas messes, não cahindo a sua semente, acreditamos nós, em terreno safaro.

Ao assignalar o grande triumpho da visita pastoral á nossa cidade, não podemos calar o zelo ardente, a dedicação comprovada, á verdadeira comprehensão do dever sacerdotal de nosso amigo Frei Joaquim Mestelan, ao qual são devidos parte dos triumphos alcançados. S. Revm.ª de facto, postava-se no confessionário e alli ficava, desde madrugada até adeantadas horas da manhã e desde as 6 horas da tarde até horas adeantadas da noite, ouvindo a uns, consolando a outros, vertendo-lhes no coração o balsamo da fé. Acompanhara s. ex. o nosso amado Bispo o Revm.º P.^e Mario Coelho, seu secretario particular, que pelo seu tracto cavalheiroso deixou vivas sympathias nesta cidade.

Até nossa cidade, fez s. ex. o se. Bispo 2348 chrismas, nas freguezias de Sacramento, Capim Branco, Pratinha do Araxá, S. Pedro de Alcantara, S. Francisco, Carmo do Paranahyba, Lagôa Formosa. Nesta cidade [Patos] distribuiu s. ex. o sacramento da confirmação a 654 pessoas.

* 1: O Largo da Matriz, onde se localizava a antiga Matriz demolida em 1965, é hoje a Praça Dom Eduardo, homenagem ao destacado Bispo. Quanto ao Largo do Rosário, existia uma igreja com o nome de Rosário em frente onde é hoje a Rádio Clube de Patos, daí o nome do largo. Essa igreja foi demolida em 1920 e construída outra com o mesmo nome na Avenida Paracatu. Leia “Histórico da Igreja do Rosário” e “Capela do Rosário”.

NOTA: Essa foi a segunda visita de Dom Eduardo a Patos de Minas, e deveras interessante é o jornal não ter informado quem o hospedou. A primeira visita ocorreu em 11 de março de 1900, oportunidade em que o bispo sugeriu a criação da Sociedade de São Vicente de Paulo na cidade, efetivamente ocorrida em 25 do mesmo mês e ano (Leia “Sociedade de São Vicente de Paulo – A Origem”).

* Fontes: Texto publicado com o título “D. Eduardo, Bispo de Goyaz” na edição de 08 de julho de 1906 do jornal O Trabalho, e texto publicado com o título “D. Eduardo Duarte Silva” na edição de 15 de julho de 1906 do mesmo jornal, do arquivo de Fernando Kitzinger Dannemann.

* Foto: Arquivo da Arquidiocese de Uberaba.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.