TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1944)
Na sucessão dos dias e das noites, como dizem os entendidos nas altas verdades cientificas, no continuo rodar dos mundos que povoam esse imenso espaço que cobre nossas cabeças, tudo é, como se diz em matematica, constante e imutavel, exceto o homem que é a única função variavel.
O homem esse eterno desconhecido de Carrel é sempre insaciavel e inconstante, buscando infinitos modos de viver as poucas horas que tem no desfrute da vida terrena.
Deus quando armou a equação da vida, deixou a função principal ao homem, enchendo a terra de maravilhas, com suas flores, seus panoramas, suas riquezas e tudo mais que a enche de atrativos, pôs nela esse ente dotado de inteligencia, sensibilidade e vontade de desfruta-la e possui-la.
Com o correr dos milhões de anos depois da Creação, a forma da terra pela acção dos agentes externos, como a chuva, o vento, o calor do sol e o homem e os animais, foi e vai se transformando cada vez mais; e é por isto que as gerações primitivas que foram soterradas nas profundezas dos abismos insondaveis começam a mostrar-se aos homens desta geração, parecendo querer insultar-nos com as suas dimensões gigantescas comparadas à nossa pequenez.
Aqui nesta nossa Patos querida, onde os homens são, na sua opinião, normais e se consideram ainda grandes, os pitecantropos acharam necessaria essa comparação e começam a deixar os seus jazigos para se mostrarem.
Na fazenda do Campo da Onça, do sr. Miguel Fernandes Canedo, no distrito de Lagoa Formosa, foi encontrado pelo sr. Oscar Moreira um pedaço de Humero, da pata pênsil de um cidadão pitecantropo que provavelmente viveu ha mais de dois milenios, conforme se poderá ver na Representação Limitada.
Logo o mais rico distrito do municipio inicia a campanha contra a nossa insignificancia atual, como que conclamando os demais a se alistarem nessa demonstração de grandeza que se foi, e de heroismo capaz de abafar o proprio Hercules das fabulas antidiluvianas?…
Pode ser pilherico mas é verdade. O pedaço de osso está em exposição na Representações e dele já foi publicada uma fotografia n’O Diario de Belo Horizonte, isto quer dizer que apareceu mesmo.
Apareceu, mas perdeu o seu golpe, porque nesta época em que o radio nos cura os aborrecimentos, em que a guerra nos proporciona lucros fabulosos, em que a rumba e o samba nos transportam aos páramos do sonho, em que as nossas preocupações de conforto e goso não nos deixam ver e sentir as mazelas do meio em que vivemos e em que para gosar um bem alheio arrebentamos de inveja, não nos interessa a nossa mesquinhez e tampouco o estudo comparativo do presente com o grandioso passado, dos nossos erros com os acertos de nossos ancestrais e muito menos o que poderiamos fazer hoje com o que fizeram os nossos avoengos.
Vivemos agarrados à vida como ostras eternizadas nos rochedos do tempo, pensando apenas em nós e nos nossos intimos, procurando preparar o nosso miseravel pé de meias com alguns tostões, para que nossos descendentes, depois da nossa morte, nos mandem erigir tumulo de marmore com inscrição insincera onde a mentira de nossa benemerência apareça.
Sim. Esta é a verdade, mas apezar do protesto do antediluviano formosense, que não pode saber como sofre a maioria do povo de hoje, as privações de toda especie para que uma minoria gose, nós continuaremos agarrados ás nossas manias, fumando o nosso cigarrinho e bebericando nos clubes e procurando varrer de nossa mente todas essas tolices de sociedade e quejandas, porque urge e… a vida continua.
SLOW
* Fonte: Texto publicado sem título na coluna A Vida Continua da edição de 26 de novembro de 1944 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.
* Foto: Primeiro parágrafo do texto original.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.