PELOS DA DISCÓRDIA

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0– Pra mim isso é balela, é outra coisa!

Foi ouvindo estas palavras que o venerando Juca Marote, o médium, chegou à roda de bate-papo de uma turma que ele conhece muito bem. Eram sete, aconchegados num banco de cimento comprido na Praça Antônio Dias. Para eles, o assunto era explosivo, que nem fósforo aceso na gasolina. Discutiam sobre os atletas masculinos da natação rasparem todos os pelos do corpo, incluindo aí o cabelo do relógio. Seu Juca cumprimentou a todos e foi logo querendo saber o motivo da agitação:

– Que negócio é esse de balela, Jacinto?

Sobre a afirmação, Jacinto estava levando uma goleada de 6 a 1, pois todos os outros companheiros diziam que não se tratava de balela, que o objetivo da tosa era unicamente aumentar a agilidade na água. O Jacinto rebatia duramente com a opinião de que esse negócio de homem nadador raspar os pelos para aumentar a agilidade na água não era nada salutar para a classe, pois homens não deveriam raspar os pelos do corpo, com exceção, é óbvio, para barba, bigode e costeletas, e que o negócio de aumentar a agilidade era cascata, era outra coisa. Seu Juca Marote opinou:

– Caro Jacinto, pelo que andei lendo a respeito, a depilação dos pelos das pernas, braços, axilas e tórax já é uma rotina de todos os nadadores, pois, dizem que eles, os pelos, causam maior resistência na água e gastam mais energia do atleta. Dizem ainda que o corpo sem pelos promove o aumento da sensibilidade do atleta na piscina dando a impressão de leveza, de ter quilos a menos que a balança acusa e um estudo realizado pela East Carolina University diz que o aumento no desempenho de nadador sem pelos é de cerca de 5%.

E assim o venerando foi discorrendo sobre a prática convencional dos nadadores. A cada palavra do Seu Juca os seis contrários foram arreganhando os sorrisos enquanto o coitado do Jacinto foi se entristecendo. Percebendo o amuo do amigo, o médium falou:

– Mas há um porém nisso tudo, minha gente.

Foi o suficiente para os seis estancarem seus sorrisos e o Jacinto destacar seus dentes amarelados pela nicotina de 40 cigarros diários. Lá estavam sete curiosos à espera das palavras do sábio, sempre ouvido com respeito acerca de qualquer assunto. Fazendo um certo ar de mistério, Seu Juca continuou:

– Quando o Fiat Uno foi lançado aqui no Brasil em 1984 para substituir o Fiat 147, logo caiu no gosto popular. Não demorou muito, após inúmeros testes de aerodinâmica, resolveram embutir a maçaneta da porta para diminuir um pouco o atrito com o ar. A montadora dizia que a maçaneta embutida realmente diminuía o tal atrito e melhorava alguns percentuais no consumo de combustível. Muitos não deram a mínima importância e outros acreditaram. Lembram disso?

Neste quesito, cinco se manifestaram porque numa determinada época de suas vidas foram proprietários de um Uno, incluindo o Jacinto, que não estava entendendo porque aquele negócio de carro no assunto:

– Mas Seu Juca, o que é que tem a ver a maçaneta embutida do Fiat Uno com os pelos raspados dos nadadores?

Seu Juca se levantou, olhou contrito para o prédio onde funcionou o comércio do Joãozinho Andrade, suspirou e continuou a expor seu pensamento:

– O negócio, amigos, é que as montadoras estão sempre aperfeiçoando seus produtos. Então, lançada a maçaneta embutida no Fiat Uno, mesmo com a propaganda da diminuição do atrito com o ar, muitos, mas muitos mesmo, colocavam nas portas aqueles olhos de gato, lembram daqueles olhos de gato? Pois então, ao colocarem os olhos de gato nas portas, é evidente que o objetivo de diminuir o atrito com as maçanetas embutidas era jogado no lixo, pois os olhos de gato causavam o mesmo atrito das maçanetas não embutidas.

Noutro suspiro longo, desta vez firmando o olhar no imóvel onde residiu Cônego Getúlio, o venerando se dirigiu ao Jacinto:

– Sabe amigo, maçanetas embutidas com olhos de gato e pelos raspados com óculos se relacionam profundamente.

Mas o Jacinto não entendeu.

– Mas…

Aliás, nenhum dos sete entendeu bulhufas sobre a comparação entre a maçaneta embutida da porta do Fiat Uno e olhos de gato com os pelos raspados dos nadadores e seus óculos. Então o venerando resolveu explicar e dar fim à dúvida:

– Antigamente nenhum nadador raspava os pelos e usava óculos protetores, competindo em águas cloradas como as de hoje. Naquele tempo ninguém associava raspar pelos a aumentar a eficiência no nado. Então veio a onda de raspar os pelos para aumentar a eficiência no nado, como se isso fosse determinante para ocasionar a vitória sobre um adversário muito mais ágil naturalmente, com pelo e tudo. E os óculos? Pois é prezados amigos, os óculos causam o mesmo atrito que a maçaneta não embutida. Portanto, do mesmo modo que os olhos de gato nas portas dos carros com maçanetas embutidas, estes óculos dos nadadores de pelos raspados são uma incongruência sem tamanho, oh, como são.

Ditas as palavras, Juca Marote se despediu da turma e no seu manso e sereno caminhar rumou em direção ao Mercado Municipal, com tempo ainda de perceber um leve sorriso malicioso no rosto do Jacinto.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Supercoloring.com.

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