PÓ, POVO E POBREZA

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TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1944)

E’ impressionante a poeira de Guaratinga¹. Um pó tenuissimo que invade tudo, o corpo e a alma das cousas. As comemorações do dia sete, organizadas com tanto esforço pelos estabelecimentos educacionais e tiro de guerra, realizaram-se numa atmosfera sufocante, vermelha, desalentadora. Ha tempos já se cogitava de asfaltar as principais vias da cidade². Quem irá encabeçar o movimento, agora, que uma nova casa de diversões está sendo edificada com todo capricho e tecnica moderna?³. Nós clamamos na certeza de que somos o eco das legitimas aspirações do povo Guaratinguense. Calçamento, asfalto… serão para sempre um sonho fugitivo?

Outro aspecto desolador de Guaratinga é a infancia abandonada, que infesta as ruas, invade as portas do cinema4, como mariposas procurando o único foco de luz, nestas intérminas noites de completa escuridão5.

Toda vês que se apresenta diante de nós uma criança, estendendo a mãozinha escarnada, lamuriando o pedido de uma esmola, nós lavramos uma sentença, a respeito dos nossos sentimentos caritativos.

Constroem-se templos suntuosos, magnificas residencias particulares, soberbos edificios publicos, duplicam-se as casas de diversões, e a mendicancia infantil continua crescendo assustadoramente como o preço do zebu e a riqueza dos “Cascas-grossas6“.

Uma criança maltrapilha e suja, que imita os “mocinhos” à porta das confeitarias e das casas de divertimento, é um atestado vivo, que passamos aos visitantes, da nossa incúria, da nossa falta de fé nos destinos desta terra encantadora. Que futuro está reservado para a sociedade, se estamos criando seres, que serão inadaptaveis dentro de pouco tempo? Os meios coercitivos de nada valerão. Todas as teorias e divagações sobre o assunto nada alcançarão. O leitor, que ama sua terra, ainda não se lembrou de diminuir para menos “um” o numero dos desamparados e desprotegidos da sorte, que enxameiam as nossas ruas, numa exposição humilhante para todos nós? Quem vai socorrer um desgraçado e prepara-lo para a vida? Não convem medir bem as possibilidades proprias, os sacrificios enormes que se tem de fazer para a educação de um menor. Convem realizar, convem fazer, a respeito do sacrificio, porque sem ele não existe caridade real.

O povo desta cidade é feito de entusiasmo e recebe de braços abertos as iniciativas nobres e arrojadas. Quando alguem resolve encarar o problema da infancia abandonada encontrará éco no coração do povo. Fundou-se o Aereo Clube7 e seu hangar já está sendo ultimado; ainda bem a idéa da construção de um novo cinema estava sendo lançado e jà as paredes do antigo e saudoso Cine Magalhães8 estavam sendo destruidas; as associações desportivas, recreativas e religiosas surgem diariamente. A poeira não consegue sufocar o entusiasmo da população. E os meninos pobres, de sacola ás costas e de cigarro á boca continuarão perambulando pelas ruas, expondo a página mais triste de Guaratinga? E’ impossivel.

* 1: Leia “Quando Patos Deixou de Ser Patos 1 e 2”.
* 2: Leia “Tenente Bino: A 1.ª Rua Asfaltada”.
* 3: Leia “Cartaz do Filme Inaugural do Cine Olinta − 1948”, “Cine Olinta: Reforma e Cinemascope − 1956”, “Cadeiras do Cine Olinta”.
* 4: Leia “Cine Tupã”.
* 5: Leia “Claro-Escuro em 1944”.
* 6: Pesquise “cascas grossas”.
* 7: Leia “Anunciada a Fundação do Aeroclube − 1942”.
* 8: Pesquise “cine Magalhães”.

* Fonte: Texto publicado na edição de 10 de setembro de 1944 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.

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