SÍNDROME DE PANDORA EM GATOS

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O termo “Síndrome de Pandora” é utilizado para descrever gatos que apresentam recorrência crônica de sinais clínicos da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) de forma idiopática, concomitante a presença do acometimento de outros órgãos e sistemas, como, trato gastrointestinal, pele, pulmão, sistema cardiovascular, nervoso central, endócrino e sistemas imunológicos, além da presença de sinais clínicos associados ao estresse. Pode acometer todas as idades, sexos e raças, entretanto ela acomete majoritariamente o sexo masculino entre dois à sete anos de idade. Pode estar interligada a fatores genéticos e a vida moderna do gato doméstico, através do manejo incorreto, da falta de atividades físicas, da baixa ingestão hídrica, da disponibilidade exclusiva de ração seca e do convívio inadequado com outros animais na residência. Pode gerar desordens como aumento do peso corporal, predispondo à obesidade, aumento da susceptibilidade a problemas no trato urinário inferior e o aumento gradativo do estresse, que pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas.

Ocorre por alterações na bexiga urinária e uretra, como urolitíase, tampões uretrais e defeitos anatômicos vesicais, que não possuem uma única causa. A Cistite Idiopática Felina (CIF) é o diagnóstico mais comum em gatos com DTUIF, ocorre em aproximadamente em 50 a 60% dos casos. Os nomes Doença do Trato Urinário Inferior Felino e Cistite Idiopática Felina tornaram-se limitados, visto que podem ser identificadas outras alterações nos felinos, como modificações comportamentais, endócrinas e dermatológicas. Assim, Buffington (2011), após estudar esses felinos, sugeriu que fosse utilizado o termo Síndrome de Pandora para caracterizar essas alterações, pois não identifica nenhuma causa ou órgão específico.

Os sinais clínicos observados são inespecíficos, já que se manifestam em todas as desordens do sistema urinário, dificultando assim o diagnóstico. Sinais como polaciúria, disúria, estrangúria, periúria, hematúria e vocalização durante o ato miccional, podendo ou não apresentar um quadro de obstrução, são os mais comumente encontrados, especialmente em gatos acometidos por DTUIFs. Evidências indicam que animais acometidos pela Síndrome não lidam bem com o estresse, somando-se as alterações comportamentais e os fatores já citados que culminam no agravamento do quadro clínico.

Outros sintomas relatados são mudança de humor, vômitos, anorexia, diminuição da ingestão de água, diminuição de interações sociais, bem como alopecia ventral abdominal e inguinal bilateral pelo excesso de autolimpeza crônica pela dor abdominal. O estilo de vida confinado, ao mesmo tempo que previne riscos como predação, traumatismos e contágio de doenças infecciosas, pode inibir alguns comportamentos naturais dos felinos e causar estresse. A resposta de estresse comportamental vem acompanhada por alterações imunológicas, neurológicas, endócrinas e vasculares. Acredita-se que alguns gatos, pela associação entre genética e ambiente, possuem um sistema nervoso simpático mais sensível e hiperativo, e é considerado que esteja associado com as variações nos sistemas orgânicos do animal. Essas comorbidades podem ocorrer em qualquer combinação, e algumas delas podem preceder o desenvolvimento das doenças do trato urinário inferior.

O médico veterinário deve reconhecer que a coleção de sinais clínicos de DTUIF não serve como um diagnóstico definitivo. Para um diagnóstico preliminar da síndrome, o clínico deve basear-se, principalmente, na análise minuciosa da história clínica e nos achados de exame físico. Na busca por formas de diagnósticos mais precisos, os pesquisadores dedicam-se à compreensão da doença. Buffington et al. (2014) realizaram um levantamento e desenvolveram alguns critérios provisórios que podem ser avaliados para o diagnóstico da síndrome. O tratamento direciona-se para a redução da frequência e da gravidade em que ocorrem os quadros clínicos. Os três principais pilares do tratamento consistem na redução do estresse, na terapêutica medicamentosa e na alteração da dieta do felino, que passa a ser de alimentos mais úmidos e pastosos, com o objetivo de aumentar a ingestão hídrica que resulta na redução da densidade urinária, diminuindo, consequentemente, a concentração de propriedades nocivas da urina que irritam o urotélio fragilizado.

A Síndrome de Pandora possui impacto ético-social, devido aos sintomas de periúria e recidivas constantes, levando o proprietário a considerar o abandono e até mesmo a eutanásia do animal. A observação repetida de que muitos desses problemas e comportamentos são resolvidos após a exposição a um ambiente enriquecido, fornece evidências adicionais de um distúrbio do sistema nervoso central resultante em uma doença multissistêmica crônica, afetando de forma variável a bexiga e outros órgãos.

Finalizando, a Síndrome de Pandora apresenta uma fisiopatologia complexa e pouco esclarecida. Acomete o trato urinário inferior desenvolvendo uma sintomatologia inespecífica que é refletida em diversos órgãos, sendo uma característica marcante a obstrução urinária frequente. O principal fator que contribui para o seu surgimento é o estresse em que o felino é exposto estando estreitamente interligado com o seu prognóstico. Seu diagnóstico é complexo e eliminatório, devendo sempre excluir outras causas bases (outras doenças urinárias) para sua confirmação, assim, torna sua identificação mais difícil. Tendo em vista a não existência de cura para essa enfermidade, às modalidades terapêuticas utilizadas têm um carácter paliativo, a fim de aliviar válvulas de estresse e controle de dor. Além do enriquecimento ambiental, uma peça-chave de prevenção e tratamento dessa patologia.

* Fonte: Síndrome de Pandora: Fisiopatogenia e Terapêutica, de Anna Flávia Barbosa Sousa, Francisco Douglas Lima Anastácio, Glenda Roberta Freire Lima, Laís Dantas Ferreira, Letícia Moura Alcântara, Nathália Ferreira Carneiro, Victor Hugo Vieira Rodrigues e Vitória Maria Jorge de Araújo.

* Foto: youtube.com (Carol Cats).

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