Morador no entorno da Lagoa Grande, a rotina diária do aposentado Alfredinho é caminhar pelo passeio da orla. Extremamente maniado, ele só começa exatamente às sete da manhã, nem um segundo a mais ou a menos, e quando o relógio de pulso registra nove horas, ele encerra o exercício, nem um segundo a mais ou a menos. E nessas duas horas pode-se imaginar que ele dá muitas voltas. Ledo engano. Quando muito umas cinco e olhe lá senão menos, pois a todo o momento puxa papo com algum conhecido.
Certa vez lá ia ele no seu característico passinho trotante quando viu, sentado num banco, o Zé da Glenda, amigo que ele não via há muito tempo. Claro, não perdeu tempo para mais uma paradinha em busca de um bate-papo:
– Olha só, quem é vivo sempre aparece. Bão, Zé, e a Glenda? Uai, sô, que cara triste é essa?
– Oi, Alfredinho, bão te ver, assim alegra um pouco a minha vida.
O Zé então contou que na semana passada tinha comprado uma picape Toro novinha e que dois dias depois, antes de fazer o seguro, ela foi roubada na porta da casa e encontrada desmanchada lá em Uberlândia, causando-lhe um enorme prejuízo. O Alfredinho lamentou o ocorrido e perguntou pelo Marco Aurélio, seu único filho. O Zé, tristemente, contou:
– Pois é, amigo, a gente faz tudo pelo filho, dá educação e estudo, aí o disgramado sem consideração resolve entrar no mundo do tráfico de drogas. O danado foi preso há um mês e como a coisa é grande, sabe-se lá quando vai sair da cadeia.
Mais uma desconcertada para o Alfredinho, que começou a ter pena do amigo. Mudando de assunto, perguntou se ainda estava criando gado na fazendinha localizada perto de Pindaíbas.
– Nem te conto, aliás, vou contar. Há questão de dois meses, dei folga para o caseiro num final de semana e porque peguei uma gripe brava não pude ir lá e a fazenda ficou sem ninguém durante três dias. O que aconteceu é que roubaram todo o gado, meu trator e ainda levaram praticamente tudo da casa.
O Alfredinho se desconcertou mais ainda, lastimando a nuvem negra que havia pairado sobre a cabeça do amigo, e depois de mais duas passagens trágicas contadas pelo Zé, ele o interpelou:
– Pelamordedeus, Zé, não te vejo há muito tempo e agora que topo contigo você me conta esse mundaréu de tragédias na sua vida. Pô, cara, você não tem nada de positivo pra me contar?
O Zé da Glenda, com os olhos marejados, abaixou a cabeça, ficou pelo menos um minuto em silêncio e depois, com uma voz embargada, quase que murmurando, disse:
– Estive no médico ontem e os resultados dos exames para diagnóstico de câncer no intestino deu positivo!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.