VIDA DOS PIONEIROS, A

Postado por e arquivado em HISTÓRIA.

A vida dos pioneiros se caracterizava pela simplicidade e rusticidade. Os locais escolhidos eram sempre junto de algum pequeno curso d’água, que pudesse ser facilmente transposto por estivas ou pinguelas. Raramente escolhia-se a margem de rios caudalosos, de difícil transposição e sujeito a febres malsãs. O rego e a bica d’água traziam vida às casas e tornava possível o beneficiamento dos grãos através do uso dos monjolos e moinhos de água.

Todas as benfeitorias, como o curral, o paiol, o monjolo e mesmo o quintal estavam localizadas próximas às casas. O curral geralmente era feito de aroeira. Alguns eram feitos com pedras empilhadas, formando um muro alto. Outros, cujos proprietários eram mais pobres, eram construídos com bambus amarrados com embiras (entrecascas de árvores muito resistentes). O paiol era o depósito dos grãos, principalmente o milho seco em espigas, que ficava armazenado para alimento dos animais, especialmente porcos e galinhas. No quintal, sempre podia ser encontrado um pomar. Em diversas casas, plantavam-se cafeeiros para o próprio consumo. Para a proteção contra a invasão do gado e dos animais selvagens, todas as instalações eram cercadas por aroeiras, valos ou muros de pedra. A pobreza, a rusticidade e a simplicidade eram marcas comuns das casas dos pioneiros, pequenas e escuras, baixas, feitas de barro, paredes esburacadas e com a porta obstruída por varas para impedir a entrada dos porcos.

O que prevaleceu foi a combinação das técnicas portuguesas com os costumes nativos de cobertura de habitações, como a taipa de pilão, pau-a-pique, adobe, alvenaria de tijolo, pedra e cal. Primordialmente, dependendo das condições ambientais e do material disponível, era utilizada uma ou outra técnica, quase sempre combinada com a técnica nativa de cobertura com palha de buriti ou sapé para a confecção de ranchos e miseráveis choupanas.

Na medida em que as famílias iam se estabilizando, as moradias iam ganhando melhoramentos. A cobertura com folhas de buriti ou sapé cediam lugar às telhas de barro curvas¹, feitas nas olarias rústicas da região; as paredes de pau-a-pique eram substituídas por paredes de adobe, às vezes com reboco e caiação. Com o surgimento de povoações, vilas e cidades, técnicas de engenharia foram incorporadas, deixando para trás o primitivismo.

Mas tamanho foi o uso e a difusão destas técnicas de construção que, ainda no início do século 21, se conservam e se habitam este tipo de construções, ainda que raramente, com base feita em madeira (esteio e baldrames), paredes feitas em pau-a-pique (taipa de mão) ou em adobes, piso em assoalho de tábuas corridas e a cobertura em folhas de buriti ou sapé.

Com relação a escravos, eles moravam tão rusticamente quanto seus senhores e constituíam uma complementação do trabalho familiar, isto é, eles não substituíam, mas complementavam o trabalho da família. Normalmente, os membros da família passavam a maior parte do tempo cultivando o campo ou cuidando dos animais. Mesmo os filhos dos fazendeiros dedicavam-se ao trabalho. Até os donos das propriedades trabalhavam lado a lado com os escravos. Praticamente não existiam senzalas. As moradias eram individuais ou familiares, não possuíam janelas e eram cobertas de folhas de buriti. É claro que, apesar dessa distinção, de forma alguma a escravidão deixava de ser escravidão. Talvez não fosse brutal quanto nas fazendas de açúcar ou na mineração. No entanto, de acordo com estudos, quase 70% das propriedades não possuíam sequer um escravo, não aparecendo a figura do grande senhor de escravos. Os grandes proprietários constituíam de 3% a 7% dos proprietários e detinham 25% do total de escravos.

A pecuária era parte integrante da vida de todos os níveis sociais. Mesmo os agregados² e até os moradores dos arraiais possuíam pequenos rebanhos, constituídos de bois de carro e de vacas leiteiras, em média de 10 a 14 cabeças; já os grandes proprietários possuíam mais de 300 cabeças, em média.

Com o passar do tempo, e a chegada de mais gente à região (muitos agregados que não conseguiram um pedaço de terra), foram surgindo, pouco a pouco, pequenos núcleos.  Tudo começava com um rústico “rancho” onde um bandeirante ou tropeiro havia pernoitado. Ao redor desses lugares construíam-se pequenas vendas. O núcleo crescia e um religioso, padre ou missionário era chamado para fixar um cruzeiro e rezar as missas. Quando um fazendeiro doava uma pequena extensão de terras ao patrimônio de um santo, um mutirão era formado para a construção da capela. Após a bênção da capela, a localidade se transformava num arraial. Quem administrava o patrimônio era o capelão ou o Vigário. À medida que as pessoas iam chegando, o religioso ia cedendo pequenos lotes de terra, o chamado “aforamento” (o foreiro se comprometia a pagar à capela ou à matriz uma determinada quantia fixa anual).

Com o surgimento do arraial, os pioneiros que moravam isolados no mato passavam a se interagir com o povoado. Formavam-se laços de amizade e parentesco, e a troca de produtos necessários tornavam menos árida a vida dos sertanejos.  Uma observação interessante é que a maioria das casas do povoado pertencentes a fazendeiros ficava fechada. Seus donos só lá apareciam aos domingos, para assistirem missa, passando o resto do tempo em suas fazendas. Devido às distâncias e às dificuldades de transporte, normalmente eram os homens que iam até os povoados nos domingos. Somente nas grandes festas, Natal e Páscoa é que famílias inteiras, juntamente com seus dependentes, deslocavam-se até os povoados e ali permaneciam por vários dias, vindas em várias carroças atreladas a três ou quatro pares de bois. Terminada a festa, voltavam para a fazenda.

Os momentos de visita ao povoado eram aproveitados pelos homens da roça para rezar e se abastecer nas vendas do que necessitavam e que suas propriedades não produziam, como sal, ferragens e tecidos finos. Formavam-se verdadeiras feiras nas praças públicas onde trocas de produtos se realizavam. Além das vendas, que no início eram muito simples e nem funcionavam todos os dias e que com o crescimento do povoado se estabilizavam, existiam os vendedores ambulantes, naqueles tempos chamados de “cometas”, “mascates” ou “caixeiros”. Eles passavam de arraial em arraial e até de fazenda em fazenda para vender suas mercadorias.

* 1: No tempo da escravidão, as telhas de barro eram curvadas nas coxas dos escravos. Como cada um tinha uma coxa diferente, as telhas raramente eram uniformes. Daí nasceu a expressão popular “feito nas coxas” para caracterizar uma ação “mal feita”.

* 2: Trabalhadores rurais a quem o proprietário cedia em troca de pequenos serviços o direito de se estabelecer e explorar uma parte da terra.

* Fontes: A História da Diocese de Patos de Minas, de Nilson André Fernandes; Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca; Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.

* Foto (Unicamp.br): Tirada por Monteiro Lobato em 1913, no interior de São Paulo, é bastante sugestiva, também, do estilo de vida dos pioneiros na zona rural patense. A casa de pau-a-pique, a pequena roça e a exiguidade de pertences parecem representar, com poucas variações regionais, as condições de sobrevivência do patense pobre das últimas décadas do século 19 e primeiras décadas do século 20.

Compartilhe

You must be logged in to post a comment. Log in