Um bem sucedido empresário do ramo da construção civil, com um faro infalível para os negócios e com uma série de problemas que lhe atormentavam a vida, resolveu se consultar com um Psicólogo. Chegando à clínica na hora marcada, é obrigado a esperar na recepção por longos 35 minutos. A irritação já o dominava quando a secretária o conduziu ao consultório.
– Boa tarde, Sr. Pedro, queira fazer o favor de sentar-se. Desculpe a longa espera.
– Tem nada não, doutor, afinal de contas eu não faço nada na vida mesmo, aliás, minha vida é ficar vagando pelo Parque do Mocambo e por isso posso esperar à vontade. Além do que, a gente já sabe, marcar hora em consultório é mesmo pura balela. Imagine se eu chegasse atrasado!
– O que o trouxe ao meu consultório?
– Um táxi.
– Certo, mas estou me referindo ao problema que certamente o está incomodando.
– Para falar a verdade, tenho tantas coisas a dizer que nem sei por onde começar.
– Inicialmente, concentre-se no que considera o real foco do seu problema, ou quem sabe, problemas. A partir daí vamos destrinchar este problema ou problemas.
– Mas aí está o problema: é muito problema.
– Não precisa se preocupar, neste momento, com a problemática de seus problemas. O que você tem a fazer é organizá-los dentro de uma lógica que facilite minha compreensão.
– Facilitar sua compreensão, hêim. E eu? Você é que tem a obrigação de facilitar a minha compreensão.
– Claro, concordo plenamente, só que você não me entendeu. O que eu preciso é que você apenas inicie uma narrativa de seu ou seus problemas para que eu possa, junto contigo, tentar decifrá-los. Ok?
– Explique de uma maneira mais assimilável.
– A coisa é simples. Você tem um ou vários problemas. Estes problemas seriam orgânicos, estruturais ou psicológicos?
– Bem, doutor, orgânicos e psicológicos eu tenho certeza que os tenho. Mas o que seriam problemas estruturais?
– Nada difícil. Orgânicos, como você bem sabe, são as alterações negativas no metabolismo de seu corpo. Psicológicos envolvem o comportamento de sua mente. E estruturais compreendem o seu comportamento dentro de sua vida familiar e profissional.
– Entendi. Mas, e aí?
– Aí é que está a questão. Qual destes problemas o tem incomodado a ponto de procurar a minha ajuda?
– Sinceramente, digo que os três vêm causando-me transtornos.
– Você acredita que, pelo motivo dos três problemas o incomodarem de uma só vez, está se condenando por sua atitude estressada?
– Peraí, não vamos exagerar, não estou estressado.
– Mas é claro que não. Aproveitando a oportunidade, poderia me responder o motivo que está levando-o a rasgar com as unhas o meu divã?
– Desculpe-me doutor, é que, de repente, me deu uma coceira tremenda na unha que acabei fazendo isso.
– Claro, é muito normal uma coceira na unha provocar um gesto como o seu. Concorda?
– Sei lá. Posso tomar uma água?
– Vamos conversar alguns minutos e…
– Qualé, doutor, eu só quero beber um pouco de água. Você está pensando o quê? Só porque estou no seu consultório e pagando a consulta sou obrigado a fazer o que você quer?
– De modo algum. Vá lá e tome a sua água.
– Muito obrigado, mas agora eu não quero mais.
– Tudo bem.
– E ai, doutor?
– E ai o quê?
– Já está pensando besteira a meu respeito?
– De maneira alguma. Eu só preciso que você comece a me dizer o que o tem atormentado no momento. Aliás, antes dos problemas, como vai indo os negócios?
– Bem, o doutor sabe muito bem que labuto na construção civil e já entreguei muitas obras aqui em Patos de Minas e até em municípios vizinhos.
– O senhor é Engenheiro ou Arquiteto?
– Em primeiro lugar, o Senhor está no céu, por isso me chame apenas de Pedro. Segundamente, não sou Engenheiro Civil, sou dono da firma e tenho meus Engenheiros para construírem minhas obras. Não sou Engenheiro, mas não sou burro não, viu!
– Ok! Vamos aos seus problemas. Qual deles está lhe incomodando mais?
– Eu começo por qual dos três problemas?
– Isso é contigo.
– Muito bem, posso dizer que, organicamente, ando com desarranjo intestinal.
– Como assim?
– Ô doutor, vai me dizer que o senhor não sabe o que é desarranjo intestinal?
– Sei perfeitamente, preciso apenas que você explique melhor como é o seu desarranjo intestinal.
– Eu tô é com caganeira mesmo, doutor, caganeira das bravas, é o dia todo sentado no vaso, já não consigo nem trabalhar direito.
– Quantas vezes por dia este desarranjo intestinal está obrigando-o a ir ao banheiro?
– Só hoje de manhã eu fui três vezes. Isso não está certo. Além do incômodo, já imaginou o consumo de papel higiênico? E a ardência no… no… bem, o doutor sabe o que quero dizer.
– Quando foi que começou esse desarranjo?
– Não tenho muita certeza, mas acho que foi depois da Candinha.
– Candinha?
– É, Candinha, andei fazendo umas besteiras.
– Faça uma explanação sobre estas besteiras. Lembre-se de que é muito importante você não me ocultar nenhum acontecimento.
– Doutor, eu tenho mesmo que falar da Candinha agora? Vamos deixar este assunto para depois.
– De maneira alguma, Pedro. Bem, parece-me que a Candinha é uma mulher, não é? Seria sua esposa?
– Tá doido doutor, a Candinha é uma das minhas amantes.
– Uma de suas amantes?
– Minha nossa, esse troço vai dar confusão.
– Confusão que nada, Pedro. Ponha na sua cabeça que é muito importante você não deixar nenhum acontecimento de sua vida de lado. Busque lá no fundo de sua mente seus envolvimentos para que eu possa ajudá-lo. Cada palavra pronunciada por você é importante.
– Falou bonito, doutor.
E aí Pedro, quem é essa Candinha?
– Como eu disse, a Candinha é uma de minhas amantes. Ela é minha secretária lá no escritório da construtora. O negócio é complicado porque ela é casada com um dos Engenheiros. Sabe como é, né. O sujeito esteve na firma com a Candinha à procura de uma colocação. Doutor, quando eu vi aquele mulherão, com aquela carinha de safada, pensei logo: o cara tá empregado.
– Mas Pedro, você empregou o Engenheiro só por causa da esposa dele?
– Sim, para tê-la como secretária.
– Como assim?
– Doutor, uma das coisas que mais gosto na vida é de mulher, e quando aquele avião apareceu na minha frente, gamei na hora.
– Na época você estava casado há quanto tempo?
– Sou casado com a Daura há doze anos.
– E quando foi que o casal esteve no seu escritório?
– Foi no ano passado.
– Quer dizer então que você estava já casado pelo menos há uns onze anos quando se apaixonou pela… como é mesmo o nome?
– Candinha, doutor. O senhor não está fazendo os apontamentos neste seu caderninho aí?
– Sim, claro, perguntei apenas para confirmar.
– Tá bom! Mas como eu estava dizendo, sou louco por um rabo de saia. A grande verdade é que não consigo mesmo… vamos dizer assim… não consigo ficar só com uma mulher. Enjoa, né doutor. Mas trato a minha esposa com todo o carinho que ela merece e não falta nada aos meus filhos.
– Quantos?
– Quantos o quê?
– Quantos filhos você tem, Pedro?
– Dois, a Marlene e o Cláudio.
– Você disse que a Candinha é uma de suas amantes. Quantas mais?
– Bem, corrigindo, eu não diria amantes, mas… vejamos… eu diria que são casos.
– Para você há diferença entre casos e amantes quando se é casado?
– Claro que há, doutor.
– Explique, por favor.
– No caso da Candinha, ela é amante porque nos encontramos regularmente. Até aluguei um apartamento mobiliado para os encontros. Com relação às outras, são casos porque nos encontramos esporadicamente, por isso deixo por enquanto a Candinha como única amante. Já a Soraia, a Marta, a Janaína, a … bem, estas e as outras são casos, apesar de que tenho me encontrado muito com a Janaína. Doutor, que morena, o senhor precisa…
– Pedro, Pedro, não precisa entrar nos detalhes. Vamos voltar ao que interessa. Por um acaso a sua esposa tem um mínimo de ideia sobre suas escapulidas.
– Aí é que está, doutor, a coisa está ficando meio complicada, pois o problema não se resume apenas ao Jorge.
– Jorge?
– Sim, ele é o tal Engenheiro marido da Candinha. Acho que ele já está meio desconfiado.
– Um aparte, Pedro. Antes quero saber se sua esposa também desconfia de alguma coisa.
– A Daura? Nada de nadica, a Daura, tadinha, é uma santa, é uma esposa exemplar e nunca passa pela sua cabeça a ideia de traição minha. Ela acredita que sou o homem mais fiel do mundo. O negócio é entre o Jorge, a Candinha e a Janaína.
– Bem, o Jorge, que é o marido da Candinha, já está um pouco desconfiado. Mas o que a Janaína tem a ver com o caso?
– Doutor, vou ser muito sincero agora. Estou praticamente firmando um relacionamento mais forte com a Janaína. É um tremendo mulherão que me deixa emocionado só de pensar nela. Para falar a verdade, acho que estou gamadinho nela.
– Pedro, vamos por partes. A sua esposa não desconfia de nada. Então, ela não é problema. O Jorge, o marido traído, já está desconfiado. Aqui há um grande problema. Faça uma explanação sobre este fato. Depois falamos da Janaína.
– O negócio é que ele não está gostando muito das reuniões que eu faço com a Candinha depois do expediente.
– Mas se ela é sua secretária, é de se considerar parte do trabalho sua permanência nas reuniões.
– Que reuniões, doutor?
– Você acabou de me dizer que faz reuniões após o expediente e que a Candinha participa delas.
– Reunião coisa nenhuma, doutor. Eu e a Candinha saímos da empresa por volta das sete da noite e vamos para aquele apartamento alugado. E a gente fica nos carinhos até lá pela meia-noite. O Jorge está desconfiado porque ele liga para o celular da Candinha e escuta aquela voz dizendo que o telefone está fora de área ou desligado. Aí ele liga para a empresa e recebe o recado do vigia noturno que ela está numa reunião com o chefe e não pode ser interrompida. Aí então, o vigia, que é meu chapa, pois ele sabe muito bem que se falar alguma coisa está na rua, liga para o apartamento avisando. Aí a Candinha, depois de algumas… sabe como é, já tarde da noite, liga de seu celular para o marido dizendo que a reunião está acabando e que já está chegando em casa.
– Isso acontece regularmente?
– Duas vezes por semana. O complicado é quando tenho vontade de encontrar com ela num final de semana. E tome reunião, sacou?
– Parece muito fácil, não?
– Era fácil, doutor, até o Jorge começar a desconfiar e a Candinha começar a me encher a paciência.
– Por quê?
– Por que o quê?
– Pedro, qual o motivo da insatisfação da Candinha?
– Puro ciúme.
– Por um acaso ela não está satisfeita com a condição de amante e por este motivo está tendo ciúmes de sua esposa?
– Que nada, doutor, ela não está nem aí para a Daura, é por causa da Janaína.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Wdrfree.com, meramente ilustrativa.