DR. LUIZ ALEXANDRE & PEDRO ALMEIDA: UM CASO DE DUPLA IDENTIDADE EM PATOS DE MINAS

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Dr. Luiz Alexandre, deu-nos esta histórica entrevista. Para você, leitor, sentir, viver, rir, e analisar esta figura que, em qualquer conversa da cidade, ele é citado como uma lenda, uma inteligência privilegiada, ou quiçá um gênio. O nosso bate papo gravado, durou umas três horas. Graças a boa vontade, a educação, bom papo, do Cel. Ernani, conseguimos o que pouca gente conhece do Dr. Luiz Alexandre.

Luiz Alexandre, você poderia resumir a sua biografia para nossos leitores?

Cheguei a Patos de Minas, no ano de 1971, no Natal. Sou bahiano, da cidade de Belmonte, meu nome verdadeiro é Pedro Almeida Campos. Aqui fiz bons contatos e resolvi abrir um escritório de Decorações. A coisa foi boa, desenvolveu bastante, compreendeu? E terminou entrando no ramo de construção. Transformamos a firmar “Acodia-Projetos e Decorações Interiores para “Acodia-Projetos, Decorações Interiores, Arquitetura e Construções.  E fizemos vários contratos, a influência foi boa até que em abril de 1972, as pressões do CREA, o lastro econômico e outras coisas, então, o resultado é que eu tinha que partir em busca de outras coisas, porque aqui a situação estava um pouco pesada. Saí, fui para Espírito Santo, voltei ao Estado de Minas, fui até Belém do Pará, voltei até o Espírito Santo, lá tentei vender o carro e não consegui. Então parti para o Piauí, porque a situação lá estava boa, o Estado prosperando. Lá chegando, marquei uma entrevista com o governador e ele me ofereceu um emprego de arquiteto, através do Dr. Murilo Rezende, secretário de Obras Públicas daquele Estado. E lá me coloquei na Secretaria. Consegui ser chefe de “Estudos e Projetos”. Estava indo muito bem, até que resolvi ir a Fortaleza, no carro de minha propriedade que havia levado daqui. Prá azar, existia uma barreira na Serra de Tianguá, na Chapada Guararipe, não sabia que estava interditada a pista e passei a barreira. E o carro num deslize qualquer, se precipitou na serra. Por muita sorte, no terceiro tombo, consegui me livrar e fiquei pendurado, quase caindo no precipício. Fui recolhido e hospitalizado pela Polícia Federal. Depois disto fui levado para o hotel. Quando voltei a mim, achei que a situação ali não estava boa e eu possuindo identidade dupla, resolvi dar no pé. Resolvi a fugir para a cidade de Parnaíba, no Piauí. Cheguei baqueado, com costela fraturada e hospedei num hotel central. Hospedei e dormi. E cerca de quatro horas da tarde, foi efetuada minha prisão. Ali fui preso pela Polícia Federal e pela Polícia do Piauí. Reconduzido para Teresina, onde fui interrogado pela Polícia, pelo DOPS e depois pela Polícia Federal. Suspeito de terrorista, fui conduzido para Fortaleza, onde fui interrogado pela Polícia Federal. Lá, conseguiram fazer um relato da minha vida e viram que eu tinha algo aqui em Patos e que deveria pagar. E assim sendo, fui recambiado para Patos e cheguei aqui em 25 de janeiro de 1973. E aqui estou, aguardando. Já estive com o Juiz; já prestei depoimento. Me encontro recolhido na cadeia Pública, esperando o que vai acontecer.

Ficamos sabendo que você é entendido em decoração, por algum estudo que fez e pelo seu bom gosto. Por que não tirou um diploma?

O problema é o seguinte: realmente eu tinha uma boa queda. Fiz um curso vago de desenho arquitetônico. O problema foi que, com a morte de meu pai, descontrolou um pouco a minha vida. E daí para cá, começou a suceder uma série de coisas, compreendeu? Mesmo que quisesse parar, não conseguiria. Já rodei, conheço o Brasil todo, estive no Acre, trabalhei para o governo de lá. Trabalhei na Secretaria de Finanças, fui Adido do Secretário, Suplente de Secretário; lá a situação ia muito bem, até que resolvi abandonar. Parece que quando as coisas vão boas, surge alguma coisa que tenho que parar ou bater em retirada.

Aqui em Patos, você chegou a dar aulas na Faculdade?

Não cheguei a dar aulas. Fui solicitado pelo Reitor, para dar cálculo. Não cheguei a atender porque o tempo não era suficiente. Mas cheguei a lecionar onde funciona a Faculdade.

De cálculo você entende?

Entendo de cálculo através de leitura e outras coisas. Fiz bastante consulta quando estava em Rio Branco, no Acre; fiz curso de teste COM, cálculo integral do 1.º e 2.º grau. Assim, entrei na era de construções sem querer, jogado. E aqui em Patos, resolvi a recorrer os conhecimentos que eu tinha anterior e não me saí mal.

Você poderia dizer como foi sua viagem ao exterior?

Estive na cidade de Santa Cruz de la Sierra, em junho de 1971. Lá fiz boas amizades e conheci Heldim Gaspar, Chefe de Gabinete do Prefeito da cidade. Fui bem relacionado, fiz relações educativas e consegui bastante amizade. Estive também na cidade de Riberalta, representando o governo do Acre, onde fiz diversos debates.

Como foi aquele acontecimento, em Fortaleza, onde você fez uma pesquisa sôbre a borracha?

Há um pequeno equívoco. Não foi em Fortaleza, foi em Rio Branco do Acre. Quando estava na Secretaria da Fazenda, havia uma crise sôbre o antigo Imposto de Consumo, ou seja, uma verba retirada em favor do Estado do Acre. Então resolvemos cobrar. Dívida esta que originou um estudo também com a Bolívia e o Peru. Tivemos que fazer um estudo bem elaborado, bem encrementado, para solucionar junto ao governo da República Federativa da Bolívia.

Você possui algum título no estrangeiro?

Fui agraciado com o “Título de Cidadão do Governo Boliviano”. Se é que pode ser considerado alguma coisa.

Porque motivo?

Justamente devido esta defensiva do estudo da borracha. Depois de ter feito o estudo para o Brasil, resolvi a colaborar com o governo da República Boliviana. Auxiliei, então, os Adidos bolivianos resolver o seu problema.

Você disse que trabalhou no governo do Piauí, do Acre. E como foi sua penetração?

No governo do Piauí, quando sai daqui, possuía a documentação de arquiteto. Lá me apresentei como arquiteto e fui recebido. No governo do Estado do Acre, eu sou formado em Contabilidade, pela Bahia, e tenho bastante conhecimento em Administração de Empresa. Lá, eu prestei um concurso que existia, para assessor de Finanças e Contabilidade do Estado. Aliás, entendo de máquinas “National CR-31”. E como a coisa calhou, fui admitido. Não que o acreano possui uma cultura baixa, mas também não é um nível cultural bem elevado. Não existiu dificuldade na minha penetração, com a cobertura do Secretário da Fazenda, me consegui projetar ao Estado. Lá, consegui dar aulas de Contabilidade, Administração e para a Faculdade também.

Tudo então se resume em documentação. Como que você consegue esses títulos?

Isto não é difícil. Eu tinha de um amigo documentos que estavam guardados comigo. Então, é simples fazer uma troca de nome. Quanto ao problema do diploma, a gente manda imprimir em qualquer tipografia.

Luiz, como você explicaria essa força interior que o levou a aceitar duas identidades?

Meu nome é Pedro Almeida Pontes; como dispunha de documentos de um grande amigo meu que era o Luiz Alexandre Magalhães, resolvi, aqui na cidade de Patos, usar o nome dele. E assim fiz uso da documentação dupla. E posso garantir que era uma verdadeira confusão. Não sabia se atendia por Luiz ou por Pedro. E o problema é que o Luiz Alexandre é arquiteto registrado e como aqui eu me fiz passar por ele, resolvi aceitar esse nome. Porque assim eu teria uma estabilização e usufruir de melhor conceito.

Como sentia no momento em que uma pessoa o chamava por Luiz Alexandre?

Isso aconteceu diversas vêzes. Aqui, por exemplo, tinha bastantes amigos e me chamavam de Luiz. Deu para passar despercebido. Às vêzes, eu atendia, às vêzes não. No Piauí muitas vêzes fui chamado de Luiz Alexandre e ficava parado. Até que chegavam perto de mim e diziam “estou lhe chamando”. Aí que voltava a mim e respondia, muitas vêzes sentia bastante confusão.

Esta dupla identidade influiu na sua personalidade?

Não! A dupla identidade não influiu ana minha personalidade. Os conhecimentos eu já tinha. Foi somente a usar o nome suposto. Mas não chegou a influir.

Como Pedro, você é casado. E como Luiz Alexandre você se julgava no direito de iniciar uma outra vida como solteiro?

Realmente, usando o nome de Luiz Alexandre, eu pretendia seguir uma vida digna e honesta. Gostei de uma menina aqui, de boa família, que prefiro omitir o nome e namoramos, chegamos até a ficar noivos. Pelo problema moral, dia sim, dia não, abalava. Tanto é que não sei qual foi a pressão maior da minha saída de Patos, se foi o problema moral ou se foi o financeiro. Fiquei na dúvida. O fato é que esta família, se puder, peço desculpas, mas sei que não vai poder redimir, este problema moral.

Bem, Luiz, brevemente você estará na rua. Você pretende seguir qual personalidade?

Assim que conseguir me livrar desse problema de Patos, ganhar minha liberdade, prometi a mim mesmo de seguir uma vida honesta e decente. Vou fazer realmente o curso de arquitetura. São meus pensamentos firmes. Se eu encontrar uma ajuda qualquer, realizarei este projeto e usarei o meu nome certo.

No problema financeiro aqui em Patos, o que você deixou dá para cobrir o prejuízo?

Olha, de Patos eu não retirei dinheiro. Nesta firma tive muitas despesas. Recebi dinheiro, se bem que o numerário fosse pouco. Recebi mais foram notas promissórias, que foram cambiadas. Tem clientes, como sempre, que levaram prejuízos. Tem clientes que saíram ganhando. No rateio, uns ganharão e outros levarão prejuízos.

Aqui, na cadeia, como você é tratado?

Desde que cheguei, em janeiro, fui bem recebido, o senhor coronel me tratou bastante bem. Me arranjaram acomodações: cama, colchão. Os colegas apesar, se a gente vive num ambiente deste, a gente tem que retrair um pouco. Me limitei a seguir aquele ritmo pacato que sou. Às vezes, colaboro o possível. Atualmente, na cela encontramos com três analfabetos e estou tentando alfabetizá-los. E um deles já se encontra assinando o nome.

É a primeira vez que você foi prêso?

É a primeira vez que me encontro prêso de justiça é esta. Já estive detido mas foi por questão passageira.

Como se sente cumprindo esta pena?

Não posso dizer se me resignei ou se aceito a prisão. Mas nas horas de meditação eu sei que errei e que tenho um erro a pagar. Então, não adianta aceitar ou não. A justiça é quem vai decidir e estou disposto a colaborar com ela.

O fato de você estar aqui não implica em nada do que você pretende realizar futuramente não é?

Não, não. Absolutamente. Esta prisão pretendo apagá-la. Se o homem não conseguir reabilitar, ele não merece viver.

Você já fez uso de tóxico? E qual é a sua opinião a respeito?

Olha, nunca fiz uso de tóxico. Uma vez, experimentei cocaína, mas a coisa amargou e não gostei. Minha opinião a respeito, pelo que tenho lido ou que já presenciei, o tóxico realmente acaba com a pessoa. Mas em compensação deve produzir uma sensação maravilhosa, pra que esse pessoal continue cegamente no uso dele.

Luiz, que é o seu ponto de vista religioso?

Meu ponto de vista religioso é uma coisa interessante. Primeiro, acredito que existe um ser superior a todo homem, que rege este infinito, essa natureza. Esse ser, muitos chamam de Deus. Não posso afirmar, realmente, se Deus existe, porque a ciência, como está bem avançada, está tentando chocar a religião contra o homem. Então eu faria uma pergunta: “Deus inventou o homem ou o homem inventou Deus?”.

Luiz, fale para nós, tudo que você lembra da sua infância, da vida com sua família, tudo que você se recorda ou que acha importante, ou que teve uma influência positiva ou negativa em tudo que você é hoje.

Com respeito a minha infância, passei na cidade de Linhares, no Espírito Santo. Lá minha família era projetada, meu pai mexia com fazendas, situação financeira boa. Tive uma infância brilhante. Fiz o primário no Seminário de São Francisco de Assis, na cidade Santa Tereza, no Espírito Santo. Fiz o primeiro ano de Ginásio na Escola Técnica Federal de Vitória. Daí retornei a Linhares e no Colégio Afrânio Peixoto, terminei os meus estudos de Ginásio.  Fui duas vezes presidente do Grêmio. Representei a cidade de Linhares no congresso da UBE, em Vitória. Ganhei duas maratonas na cidade de Bom Jesus, representando o Ginásio Afrânio Peixoto. De lá fui para a Escola Técnica Capixaba onde comecei a cursar o 1.º ano de Contabilidade. O segundo e terceiro ano, já vim terminar na cidade de Salvador, na Bahia. Em Linhares mexi com bastante coisas. Trabalhei no comércio, meu pai abriu loja para mim, estudei, passei uma infância propriamente feliz. Até que meu pai veio a falecer e eu mudei para Salvador e lá conclui meus estudos. Tentei vestibular para Administração de Empresas e lá consegui aprovação. Não sei explicar como, resolvi professar minha profissão. Sai pelo interior Bahiano, fui para Espírito Santo, em Guarapari montei um escritório de contabilidade e consegui uma menina e que casei com ela. Devido a descontentamento, então, não sei em que situação estavam meus sentimentos, mas o fato é que resolvi partir. E saí para cá, minha vida tem sido atribulada e cheia de confusões. Estive no Rio, São Paulo, Sul, Norte do País, no exterior: e sempre realizando alguma coisa. Mas, sempre com aquele pensamento que não me deixa realizar aquilo que eu penso. Hoje, faço pergunta a mim mesmo: “qual seria meu ideal, qual seria meu pensamento? Será que vale a pena eu viver?”.

Luiz, sua esposa ainda vive? Onde? E qual é seu pensamento sobre o sexo feminino?

Provavelmente minha esposa ainda vive. Deve estar, agora, com 23 anos. Se ela vive, deve ser em Almenara, onde tem seus pais. Quanto ao problema do sexo, acho ele maravilhoso. Acho o sexo a base do homem. No meu ponto de ver, só o amor constrói. E talvez por não ter esse amor, não dedicar esse amor, não tenho construído alguma coisa.

Mas quando sair da cadeia, o que você pretende?

Olha, prometi a mim mesmo, mudar de vida. Ver se crio amor próprio. Isso eu farei, nem que seja a última coisa. Mas não sei o que tenho. Talvez seja um problema psíquico. Mas vou procurar vencer esta barreira.

Aí dentro da cadeia, além de você estar alfabetizando seus colegas, que mais faz?

Além desta alfabetização, estou realizando um pouco daquilo que sei fazer. Comecei a escrever a minha auto-biografia, embora seja motivo de riso, mas talvez seja algum desabafo. Atualmente, também, estou realizando uma maquete em isopor de uma planta de minha imaginação.

Nesta auto-biografia, o que você já escreveu de mais interessante?

Comecei, mas me encontro na parte de infância e creio que ainda não tem passagem interessante, além do que já relatei aqui. Quer dizer que neste caso fica para outra oportunidade.

Luiz, este jornal, possivelmente, será lido mais pela classe estudantil. Então, finalizando a entrevista, o que você tem de bom para dizer aos estudantes?

Olha, pelo meu tempo, pelo conhecimento que tenho do mundo, tenho a alegar o seguinte: que o homem sem estudo não é nada. Tanto é que, o estudo mesmo com sacrifício vale a pena. Vale porque o pagamento vem dobrado.

* Fonte e fotos: Texto publicado com o título “… Diploma, a gente manda imprimir em qualquer tipografia” na edição de 24 de maio de 1973 da Revista Jornal dos Municípios, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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