ZÉ RIBEIRO E A FENAMILHO

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Comecei a participar da Festa do Milho no ano de 1961, como coadjuvante. Foi no final do reinado da Maria Olívia e início de Vera Nunes. Ney¹ e eu fomos os confeccionadores do carro para o desfile de despedida da Rainha Maria Olívia. Eu mais um ajudante, conduzindo o material solicitado para o acabamento do carro. Não passava disto. Minha participação ativa mesmo começou em 1967, após a ascensão de Otacílio Peluzo à presidência do Sindicato Rural. Foi fundada a Comissão Central da Festa Nacional do Milho e fui escolhido como presidente.

Era uma comissão interessante. Subdividida em subcomissões. Dentre elas devemos destacar a subcomissão social, sob a responsabilidade do casal Elvira Porto e Márcio Cordeiro, organizadores de bailes memoráveis e coroação da rainha nos salões da Casemg, na Rua Rui Barbosa. Este casal abraçou a causa e marcou época pelas suas realizações. A Comissão Central, durante todo meu tempo à sua frente, com a participação das subcomissões, sempre procurou movimentar o processo de eleição das candidatas, inovando de ano para ano, atendendo às reclamações dos pais e das próprias candidatas. Sempre procurei agradar a todos. O entusiasmo era grande. As candidatas trabalhavam com campanhas acirradas em meio à população. E a Comissão procurava demonstrar a maior lisura possível durante as campanhas e as apurações dos votos. Pedíamos colaboração dos Juízes de Direito da Comarca, que aceitavam participar destes momentos e nos davam muita força. A Subcomissão de Relações Públicas trabalhava exaustivamente junto às candidatas e também convidava para participarem das festividades personagens como Miss Minas Gerais, misses de diversas cidades do Estado, Embaixatrizes de Turismo do Brasil e dos estados, jornalistas responsáveis pelas colunas sociais de jornais como “Estado de Minas”, “O Diário”, “Jornal de Minas”, “Diário de Minas”. Todos da Capital, e ainda jornais de cidades maiores como Uberaba, Uberlândia, Juiz de Fora. Tivemos comissões julgadoras constituídas de Vice Governador do Estado, de prefeitos, de Secretários de Estado, de deputados federais e estaduais, de Comandante Geral da Polícia Militar de Minas Gerais. Tudo que podíamos fazer fazíamos, tendo em vista o maior brilhantismo da festa.

Houve um ano em que a eleição da Rainha foi complicada. A votação seria em urnas distribuídas pela URT, cujos votos eram através de ingressos adquiridos para a entrada. Um dos pais comprou muitos ingressos e os distribuiu aos participantes. E previu uma vitória tranquila para sua filha. Mas foi traído. A maioria votou na candidata adversária, apesar de terem recebido o ingresso. Diante da derrota o pai convocou uma reunião na sede do Sindicato, na época, na Rua General Osório. Inconformado, assegurou não deixar a filha participar do desfile final, no dia seguinte. No auge da discussão, percebendo que os votos ainda não tinham sido apurados, eu disse:
– Onde estão as urnas?
As urnas tinham ficado na URT, com todos os votos dentro. Voltamos lá e as buscamos para conferir. Sob seu testemunho, ao conferir voto por voto, foi confirmada a derrota de sua filha. Já mais calmo, ele concordou que ela participasse do desfile. Toda época de eleição, a gente sofria muito. Na realidade, ninguém queria perder. Passado todo esse período eleitoral, aproximávamo-nos e todas as divergências ficavam para trás e continuávamos amigos. Foi sempre um tempo difícil.

Depois de decorridas umas três festas, sentíamos a necessidade da confecção dos carros alegóricos para as candidatas e para a rainha. A participação e o entusiasmo popular exigiam dos organizadores a presença dos carros alegóricos com candidatas, rainha e princesas no encerramento do desfile, sempre aberto pelos atiradores do Tiro de Guerra. Precisávamos de uma pessoa dedicada exclusivamente a esse trabalho, e não de um grupo de voluntários. Descobrimos o senhor Vicente Nepomuceno e o trouxemos para dentro da festa para criar e elaborar os carros. Era muito bom na realização de seu trabalho. Uma pena faltar-lhe o planejamento necessário. Sofria-se muito, pois na última hora algum carro ainda não estava pronto. Era aquela angústia, que só Deus sabe. Houve um ano mais complicado, como disse minha comadre Elvira Porto. Ele estava com o carro pronto e não tinha como sair. Angustiado, eu disse para Siô Vicente:
– Siô Vicente, como o senhor me faz um negócio desse? E agora? Já na hora do desfile e não temos como tirar o carro do recinto e colocá-lo na rua.
Ele, com toda sua tranquilidade, retrucou:
– É só derrubar a parede.
Não tivemos outra opção, fomos correndo atrás de um pedreiro para que assim procedesse. O desfile não poderia atrasar. Eu era muito exigente quanto a horário. De tão exigente eu me tornava chato. Houve festas em que o carro saía sem ninguém, pois a candidata ou rainha não estava presente na hora marcada. A atrasada se via na contingência de subir no carro durante o desfile.

Podem acreditar, apesar das grandes preocupações, da trabalheira para que tudo desse certo, tive mais alegria do que tristeza nos meus 34 anos de presidente da Comissão Central, 12 de presidente do Sindicato, 9 de vice-presidente do Pedro Maciel e 3 do Silas Pacheco.

Durante todo esse tempo procuramos demonstrar lisuras e menos aborrecimentos para as candidatas e suas famílias. A nossa intenção, do Sindicato e organizadores, era realizar uma festa para o povo e sua inteira participação. Na certeza de não contentarmos a todos, todavia, tentamos outros meios de aceitação e menores aborrecimentos.

Além da eleição da rainha de cada festa, também procurávamos colocar múltiplos divertimentos para a população. Mesmo sem o Parque de Exposições, realizávamos exposição de gado nos terrenos da chácara de Otávio Magalhães, próximo ao Curral de Tábua. Os festejos, por sua vez, aconteciam nas instalações da URT com rodeios e apresentações de artistas de renome como Roberto Carlos, que foi meu hóspede. Sabem por quê? Para não ser molestado pelos fãs, pois minha residência ficava nas instalações das Sementes Agroceres, bem distante do centro da cidade. Aconteceu um caso interessante do Roberto Carlos com a Gláucia. Ela, muito criança, à beira da mesa, era hora do almoço, foi chegando e o Roberto Carlos admirou a sua figura como menino e ela retrucou:
– Não sou menino, sou menina.

Tivemos ainda as presenças e participações de Chico Buarque, Moacyr Franco e seu filho Guto, Jair Rodrigues, Ronie Von, Paulo Sérgio, Sérgio Reis, Lindomar Castilho, Luís Airão, Gilliard, Odair José, Roberto Leal, Sílvio Brito, Vanusa. Não posso me esquecer do cômico Ronald Golias (Bronco). E como não se lembrar de Raul Gil, dos Trapalhões, Carequinha e seu circo, Chacrinha e suas Chacretes?

A Comissão central buscava atrações variadas de ano para ano. Assim, a partir de 1963, contamos diversas vezes com acrobacias da Esquadrilha da Fumaça, da FAB; demonstração de cães adestrados das Polícias Militares de Minas Gerais e de Brasília. Rodas de Violeiros, espetáculos de queima de fogos pirotécnicos, exibições de paraquedismo, acrobacias automobilísticas e tantas outras, das quais não me recordo mais.

Apoiamos também o folclore. Uma noite, sob a coordenação de Oliveira Mello, houve uma apresentação do encontro de mutirão de fiandeiras com o mutirão de capina no Parque de Exposições. O Parque estava lotado. Eram mais ou menos 10:00 horas da noite. Quando o povo viu aquele encontro, abandonou tudo e foi assistir ao número. Foi o maior sucesso. Eu tive de pedir ao organizador para retirar o pessoal a fim de continuar o movimento interno do Parque.

E outros movimentos culturais aconteciam em várias partes da cidade. Exposições de artesanatos das escolas chamavam a atenção da imprensa. O “Estado de Minas”, de 22 de maio, comentando sobre a exposição do Colégio das Irmãs, à certa altura registrou: “… Tudo derivado do milho. Trabalhos dignos de serem expostos em outras cidades. Há miniaturas de fazendas, chapéus típicos, bonecos, porta-retratos, artigos de toucador, gaiolas e alçapões e também roupas confeccionadas com grãos de milho, palha, pendão e sabugo”. Quanto aos desfiles, eu me lembro bem, uma carro chamou atenção, no desfile de 24 de maio de 1975, em homenagem ao Presidente Ernesto Geisel. O próprio Presidente se encantou e comentou a respeito. Foi o carro proveniente de Pindaíbas, denominado “Homenagem aos Agricultores”. Simbolizava o trabalho e a diversão do nosso homem do campo, de uma forma rústica e original.

A Festa do Milho, com tamanho apoio dado pelo Sindicato Rural e pela Comissão Central, proporcionou maior incentivo em diversas áreas, como na cultura, incentivando criações artísticas, exposições com o título “Encontro com a Arte na Terra do Milho”, “Festival Intermunicipal da Canção”, “Roda de Violeiros”, que deram oportunidade a muitos amantes da música sertaneja de surgirem no cenário estadual e mesmo nacional; ocasionou também a apresentação da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, de corais, como o do Minas Tênis Clube, sob a regência do maestro Roberto de Castro; grupos de seresteiros de Ouro Preto, Montes Claros, vieram embalar as nossas noites de romantismo e poesia. Em 1968 o milho teve o seu hino, com letra de James Thompson e música de João Duarte Campos (Zico); os poetas da capital, como Lacyr Achettino, da Academia Mineira de Letras, escreve “Canção Verde” (para a Festa do Milho); a folclorista paulista Maria Amália Corrêa Giffoni cria a “Dança do Milho”²; Patos de Minas ganha a sua primeira escola superior, com a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; edição e lançamento de vários livros, como “Um Padre, um Ovo e um Cão”, de Dom José André Coimbra; “Patos de Minas: Capital do Milho”, “Minha Terra, Suas Lendas e seu Folclore” e “A Festa do Milho e Patos de Minas”, todos de Oliveira Mello; Domínios de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca; “Receitas Tradicionais”, coordenação da Presidente da Casa da Amizade, Arminda Gomes, e por esse mundo afora surgiram vários levantamentos sobre famílias patenses, num trabalho de Risoleta Maciel, Lincoln Santana e José Eduardo Barbosa; criação do festival de Pratos Típicos, de Lusmar Costa e do “Encontro da Mulher do Campo”, com a participação de centenas de mulheres de mais de 30 municípios do Estado e, em um desses encontros, teve a participação da 1.ª Dama do País, Sra. Marly Sarney. Não podemos deixar de registrar, além do grande entusiasmo do patense pelo teatro, a Festa do Milho muito contribuiu com a presença do Teatro Experimental de Belo Horizonte, sob a direção de Jota Dângelo, com representações de “A Casa de Bernarda Alba”, “Pelos Caminhos de Minas” e outros. Para os estudantes patenses criou-se a Gincana Cultural, com provas durante seis dias. Um mini vestibular abrangendo todas matérias estudadas pelos alunos nas escolas secundárias.

Desnecessário registrar como a Festa do Milho atraiu a atenção de Ministros de Estados, Governantes do Estado e do País, como já foi dito, fazendo com que a Festa do Milho de 1975 contasse com a presença de Ernesto Geisel, o primeiro presidente a pisar em solo patense. Também a igreja católica teve o seu representante máximo no Brasil, o Núncio Apostólico, D. Carmine Rocco, a Festa do Milho, em 1978, quando celebrou missa em ação de graças na Igreja Catedral pelo aniversário da cidade, com a presença de agricultores conduzindo, cada um, uma espiga de milho, que foram depositadas sobre o altar pelo prefeito Dácio Pereira da Fonseca.

Em 1983, por ocasião do 25.º aniversário da Festa do Milho, o Sindicato patrocinou a edição do livro “Festa do Milho, 25 anos”, de Oliveira Mello, que historia toda a origem da festa do milho, desde os seus antecedentes, realizados em Lagamar, com eleição de Rainha³.

Um dia, senti necessidade de afastar-me das organizações da Festa e deixar o lugar para outros, a fim de que pudesse trazer outras novidade e sangue novo para as festividades. E assim o fiz. E aí a festa continua, com mais de 50 anos, e com muitas modificações e inovações surgidas para alegria dos patenses e visitantes.

* 1: Ney Bittencourt de Araújo foi o responsável pela vinda de Zé Ribeiro para Patos de Minas. Leia “José Ribeiro de Carvalho”.

* 2: Leia “Dança do Milho”.

* 3: Lamentavelmente, o autor, sabe-se lá por qual motivo, resolveu apagar da História a participação do Padre Almir Neves de Medeiros na criação da Festa do Milho. Para tanto, leia “Festa do Milho − A Origem”, “Padre Almir: O Idealizador da Festa do Milho −1 a 3”.

* Fonte: Texto de José Ribeiro de Carvalho, de seu livro “Palmilhar o Tempo” (2016).

* Foto 1: Arquivo do Sindicato Rural de Patos de Minas.

* Foto 2: Do livro da fonte.

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