REALIDADE

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Periquitinho Verde é uma cidade como outra qualquer. Lá você encontra muita coisa boa, é verdade, mas certamente vai dar de cara com as mesmas mazelas que hoje se tornaram prática comum nesse nosso Brasil brasileiro, como dizia a letra de uma música antiga que fez bastante sucesso em sua época.

Por isso não é novidade nenhuma dizer que os vereadores de Periquitinho Verde também recebem em seus gabinetes, ou fora deles, todos os dias úteis e inúteis, um grande número de pessoas precisando de alguma coisa, algo assim como um emprego, por exemplo, ou então dois sacos de cimento para remendar o passeio da casa, cem telhas para acabar com as goteiras, remédios para isso e aquilo, uma consulta médica com especialista lá da capital, vaga na escola perto da casinha onde o cidadão pedinte mora, além de muitas outras reivindicações que são atendidas, na medida do possível, pelos ilustres representantes do povo periquitinhoverdense.

Afinal de contas, para o legislador é bem mais prático cuidar desses pequenos assuntos, sem ter que meter a mão no bolso, do que tratar de coisas mais sérias e benéficas para a comunidade como um todo, pois é fato sabido que essas atividades não rendem os votos que possam garantir ao titular da vereança, na próxima eleição, a continuidade no posto que recompensa seu ocupante com alguns milhares de reais por mês, fora as mordomias.

Pois foi mais ou menos esse o enredo do que aconteceu com o Gualter Serafim, mais conhecido como Dedão, veterano de um sempre lembrado e aplaudido time de futebol do Meteopé, agremiação que divide com o Cevaitê a apaixonada preferência do torcedor periquitinhoverdense. Certo dia, premido pelas circunstâncias do dia-a-dia cada vez mais difícil que todos enfrentamos, ele procurou o amigo e vereador Ambrósio Virgulino, do PSPC – Partido Só Pra Contrariar, a fim de lhe expor as dificuldades que teimosamente a vida jogava à sua frente, e solicitar, ao mesmo tempo, uma “mãozinha” do legislador no sentido de que lhe fosse arrumada uma colocação “mais manera”, segundo a própria definição, que permitisse a ele garantir o pão-nosso-de-cada-dia sem necessidade de muito esforço.

E explicava com cara de cristão na hora de entrar na arena do Coliseu Romano já cheia de leões famintos: ”- O problema, Ambrósio, é que minha idade já está com peso maior que minha capacidade de carregá-lo. E para piorar ainda mais as coisas, o dinheiro em Periquitinho Verde está muito quieto, muito parado. E assim não dá, não é mesmo?”.

Ambrósio Virgulino, que talvez por ser cirurgião-dentista tornou-se conhecido em Periquitinho Verde e redondezas como o Rei das Bocas, é também presidente da Edape – Entidade Defensora dos Animais à Perigo, organização filiada à instituição internacional conhecida como Bicho Também é Gente, e por isso entende como ninguém da arte de arrecadação de fundos que, nesse caso específico, garantam a continuidade das atividades dispendiosas que o grupo por ele dirigido promove em favor dos desprotegidos seres irracionais da região.

Sendo assim, foi certamente estribado nessa sabedoria que depois de ouvir a solicitação feita pelo companheiro, ele lhe sugeriu:

– Se eu fosse você, Dedão, tratava de ir para São Paulo sem pestanejar, porque é lá, meu amigo, que o dinheiro corre solto.

Ouvindo isso, o Gualter retrucou contrariado:

– Você está ficando doido, cara? Se aqui eu não consigo pegar o dinheiro parado, imagine com ele correndo!…

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