DOIS ANOS DE “O TRABALHO”

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TEXTO: JORNAL O TRABALHO (1907)

Com o numero de hoje, esta folha completa dois annos de existencia; para outros já pode ser uma curiosidade, a regularidade com que por todo esse espaço de tempo tem ella correspondido aos intuitos que expendeu ao sahir a lume; mas para nós outros que aqui temos trabalhado por esse resultado, a modesta ephemeride de hoje tem uma significação que só podem apprehender inteiramente os que já uma vez se empenharam em trabalhos da ordem dos que fazemos aqui.

Effectivamente, essa data anniversaria, é como todas as outras um momento em que se nos entrançam no intimo as recordações e as esperanças.

Os insuccessos, as lutas, as difficuldades com que se resgatam nesses dias em que recapitulamos o passado, e nos compensam das agruras supportadas, com a consciencia da força e da capacidade para lutar e vencer. D’outro lado, essa mesma consciencia autoriza-nos a assentar sobre a experiencia adquirida esperanças novas, que nos venham sustentar na marcha forçada para o futuro.

E’ por isso que nos sentimos cheios de satisfação e voltamos mais essa pagina do grande livro da vida, excitados de accrescido ardor.

Levamos na consciencia a certeza de haver cumprido os deveres que a nossa missão nos impunha: fomos assiduos e sollicitos em levar ao publico o contingente de informações e de idéas que em nosso meio era dado colhermos; sempre nos esforçamos para avivar a consciencia dos interesses communs e os defendemos como foi possivel; entendemos que um dos nossos escopos devia ser o conciliarmos energias e afastarmos quanto pudesse enfraquecer os laços de solidariedade humana em nosso meio social.

O futuro nos reserva sempre surprezas que nunca suppuzemos, e apraz-se em não raro nos frustrar as previsões e esperanças; mas temos a ousadia de acreditar que a serie de factos que hão de vir, não nos demoverá dessa linha de conducta até agora seguida. Fomos os primeiros a intentar conseguir para esta bella cidade os fructos do jornalismo; desvanecemo-nos dessa primazia, mas não queremos desacreditar a instituição, adoptando outros methodos nem desejando outros resultados que não os que a prudencia nos aconselha. Tal o intuito do nosso fundador e o relembrarmos, neste dia em que a sua querida memoria não poderia ficar esquecida, como a homenagem mais eloquente que lhe podemos prestar.

Apezar de sob a detonação assassina de uma arma, haver para sempre calado a sua voz, o seu espirito permanece na nossa lembrança e nas muitas paginas que deixou aqui escriptas. Devemos essa declaração á memoria do Dr. Antonio Nogueira de Almeida Coelho, e a expontanea evocação que delle fazemos neste dia aviva as saudades e provoca os protestos da nossa fidelidade ao programma que elle traçou e seguiu. Assim, si das difficuldades passadas não levamos resentimentos, e só mais coragem nos deram, do golpe fatal que nos roubou o amigo de todo instante, não nos podemos recordar sem profunda magoa; e entre as louçanias das nossas esperanças, é impossivel apagar a larga mancha roxa da saudade que nos deixou o primeiro homem que levou a effeito nessa terra uma empreza jornalistica.

Assignalamol-o não já para justificarmos o que ahi vem dito, mas para lembrarmos a todos que estamos em divida para com elle.

Hoje, satisfeitos de haver chegado até aqui, rendendo a memoria do fundador desta folha o preito da nossa mais sentida saudade, promptos para encetar um novo anno de trabalhos, exultamos, e desejamos que a população, a quem agradecemos a symphatia que nos dispensa, nos auxilie; nos havemos de prosseguir.

* Fonte: Texto publicado com o título “O Trabalho”, tudo indicando do proprietário Fortunato Pinto da Cunha, na edição de 15 de agosto de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Trechos do artigo original.

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