PIOMETRA EM GATA

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A piometra é um acúmulo de secreção purulenta no interior do útero resultante da interação entre o estrógeno e a progesterona, complicada pela infecção bacteriana ascendente. Tendo em vista que as gatas necessitam do coito antes que ocorra o desenvolvimento do tecido lúteo e a subsequente secreção de progesterona, os contraceptivos a base de progestágenos, bem como medicações que tem como base esse grupo de hormônios são considerados os principais responsáveis pela alta incidência de piometra em gatas não fecundadas.

Sob influência estrogênica, a cérvix se abre, o que permite a entrada de bactérias da flora normal da vagina para dentro da luz uterina, além de um estímulo ao aumento do número de receptores de progesterona no endométrio. A progesterona, por sua vez, estimula a atividade secretória das glândulas endometriais, o que resulta no desenvolvimento de uma hiperplasia endometrial cística com consequente acúmulo de líquidos nas glândulas endometriais e na luz uterina. A interação das ações desses hormônios favorece a infecção bacteriana secundária do útero, onde as bactérias colonizam o útero anormal por via ascendente. Aliado a isso, a resposta inflamatória é reduzida e o produto da secreção das glândulas endometriais contém nutrientes e pH favoráveis ao crescimento bacteriano, o que facilita a instalação de um processo infeccioso resultando em piometra.

As manifestações clínicas tornam-se evidentes após a administração hormonal exógena. As gatas podem demonstrar discreta anorexia e depressão, até que a doença esteja bem avançada. Outros sinais menos comumente observados são descarga vaginal, letargia, apatia, depressão, inapetência ou anorexia, poliúria, polidipsia, diarreia e vômito. A temperatura corporal é variável, encontrando-se normal, mas podendo apresentar um aumento devido à infecção bacteriana. A severidade dos sinais clínicos é dependente da condição da cérvix, do tempo desde a observação dos sinais clínicos até o diagnóstico da enfermidade, da severidade das lesões uterinas e do comprometimento de outros órgãos. Quando a cérvix está aberta, há secreção vaginal, com quantidade variável dependendo do grau de abertura, podendo ser intensa, moderada ou ausente. A coloração dessa secreção também é distinta, variando desde amarela-acinzentada até amarronzada com odor fétido. Se a cérvix estiver totalmente ou parcialmente oclusa, ocorre um acúmulo mais acentuado de secreção no lúmen uterino, conduzindo a um quadro clínico geralmente mais grave, com depressão e toxemia. Os principais sinais decorrentes da endotoxemia incluem desorientação, taquicardia, preenchimento capilar prolongado, pulso femoral fraco; hipotermia e choque.

A piometra pode ser tratada clínica ou cirurgicamente. A escolha é feita com base na gravidade do quadro clínico do animal, da condição da cérvix (aberta ou fechada), do grau de distensão do útero e do interesse do proprietário no uso do animal na reprodução. Entretanto, o tratamento deve ser imediato e eficaz, pois o agravamento do quadro pode resultar em septicemia e endotoxemia, podendo levar o animal à morte. A ovariohisterectomia é considerada como tratamento de escolha, por ser potencialmente curativa, enquanto que o tratamento conservativo só deve ser considerado para animais com interesse reprodutivo e sem quadro clínico grave.

Quando não tratada, a piometra passa a ter uma evolução local crônica ocasionando o comprometimento progressivo do estado geral da paciente. O quadro pode evoluir para uma insuficiência renal, como consequência do desenvolvimento de glomerulonefrite de origem imunológica, por depósito de complexos imunes (antígeno-anticorpo) ou células endometriais modificadas pela inflamação, que não são reconhecidas pelo sistema imune. A doença é agravada ainda pela azotemia pré-renal devido à desidratação associada ao choque séptico. Quando tratada cirurgicamente, a paciente pode apresentar complicações, como peritonite (13% dos casos), infecção do trato urinário (5%), infecção da ferida (2%), uveíte (2%), arritmia cardíaca (1%), poliúria / polidipsia persistente (0,3%), doença hepática associada a ascite (0,3%) e mau funcionamento renal (0,3%) (36). Fatores como febre, hipotermia, depressão e palidez de mucosas e/ou hospitalização prolongada, podem agravar o risco de complicações da piometra, principalmente a ocorrência de peritonite.

O prognóstico é dado através do tempo decorrido entre o diagnóstico e o início do tratamento. Dependerá do estado geral do animal e, principalmente, do comprometimento da função renal. Em animais sem evidência de insuficiência renal e/ou endotoxemia, o prognóstico pode ser reservado a bom. Porém, o prognóstico é considerado desfavorável nos casos com acentuado comprometimento da função renal, presença de leucócitos degenerados e/ou outras afecções concomitantes.

No geral, a taxa de mortalidade varia entre 6 a 8%. Se houver ruptura uterina, a taxa de mortalidade se eleva, alcançando taxas entre 30 a 50%. Essa taxa relativamente alta pode estar relacionada ao fato de que as gatas com piometra geralmente demonstram sinais clínicos inespecíficos, dificultando o diagnóstico precoce da doença, o que pode acarretar em um prognóstico desfavorável. Após o tratamento médico, o prognóstico para a fertilidade futura e o risco de recidiva da piometra dependerá de alguns fatores, incluindo idade, número de partos e tempo de resposta ao tratamento e resolução da piometra. Fêmeas com idade superior a seis anos, nulíparas e que respondem à terapia lentamente, necessitando de tratamento prolongado (> 2 semanas), geralmente têm um mau prognóstico.

Concluindo, o ciclo reprodutivo das gatas tem suas peculiaridades e não deve ser assemelhado ao das cadelas. A ocorrência de piometra nesta espécie é incomum, e está associada principalmente à terapias hormonais. Uma anamnese e exame físico minucioso, aliado à exames laboratoriais e ultrassonografia, facilitam o diagnóstico desta infecção. O tratamento recomendado para esta enfermidade é a ovariohisterectomia (castração), por ser potencialmente curativa, já que o tratamento clínico apresenta controvérsias e risco elevado de recidivas.

* Fonte: Piometra em Gata − Revisão de Literatura, de Isabela Ribeiro de Carvalho Oliveira, Nazilton de Paula Reis Filho, Beatriz Perez Floriano, Fernanda Saules Ignácio, Guilherme Coutinho Vieira, Freddi Bardela de Souza e Sandra Lúcia Simão Bordolini.

* Foto: Petz.com.br.

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