Desde novinha a Lilita demonstrou certa dificuldade para entender as coisas mais triviais do dia-a-dia. Seu irmão mais velho sempre dizia à família que a irmã tinha poucos neurônios. Já adolescente, o que mais lhe intrigava eram as recomendações médicas. Já adulta, vive às voltas com as tais recomendações médicas, pois é hipocondríaca, figurinha carimbada no Posto de Saúde do Bairro Guanabara. E lá, invariavelmente ouve:
– Você não tem nada, Lilita, sua saúde está ótima.
Uma semana depois, lá estava a Lilita reclamando de uma dorzinha no lado esquerdo. Certa vez, teve uma amigdalite, sendo-lhe recomendado iniciar um tratamento com antibiótico em determinada hora. Na seguinte consulta ela confessou:
– Doutor, eu tomei duas horas antes pra pegar as bactérias desprevenidas.
Recentemente, esperando a sua vez, uma conhecida lhe disse que encontraram a caixa-preta do avião que havia caído no Irã. Do lado, alguém comentou:
– E não é que a caixa-preta é laranja!
Na bucha, a Lilita lascou:
– Uai, não são caixas?
De repente, ela invocou que estava gorda. E o doutor recomendou:
– Você está com uns quilinhos a mais, só isso. Faça refeições normais um dia e pula o outro e assim durante uma semana, um dia normal e pula o outro.
Na seguinte consulta, desta vez por causa de uma coceira no braço esquerdo, o doutor reparou que ela havia emagrecido:
– Muito bem, vejo que seguiu as minhas recomendações.
– À risca, doutor, mas penei demais da conta.
– Foi assim tão difícil diminuir a comida?
– Não, Doutor, quase morri de tanto pular.
Quinze dias depois, sentindo uma sonolência esquisita, lá estava a Lilita…
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na Década de 1920”.