CINEMA EM 1911

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TEXTO: JORNAL O COMMÉRCIO (1911)

Entre nós, não apparece, sinão uma vez por outra, algum cinema, e mesmo assim, as fitas exebidas não são lá muito dignas de louvores. Ha continuo escapamento de gaz no apparelho, ao começaram-se as sessões, e tripidações fortes, de toda especie, que deixam os assistentes indecizos, sem saberem, ao certo, si fecham os olhos, ou se fitam o panno, onde pequenos pontos avermelhados dançam sempre, a guiza de phantasmas.

Outras vezes, devido, talvez, á pericia do mechanico e á habilidade na organização de films, ha aberrações incriveis, transforma-se um homem em urso, Satanaz esquece lá embaixo os chifres e o rabo, provavelmente, com pressa de percorrer as elegantes avenidas do mundo moderno, e Pathé Frères¹, em suas fitas, consegue também fazer a vista do espectador penetrar atè ás profundidades do mar, onde, com as ondas revoltadas, debate-se o corpo de um homem.

Realmente que nos achamos no seculo das maravilhas, e que á Pathè, para concluir os seus maravilhosos quadros, só necessita a descoberta do motu-continuo.

Porque, coisas tão absurdas, quanto difficeis, como, por exemplo, o subir um individuo ás paredes lizas de uma caza, já consiguio elle e não se esforçando muito, segundo parece. Mas deixemos Pathé e voltemos sobre os cinemas, que chegam até cà, por um acaso talvez, ou por terem seus proprietarios errado o caminho de Matto-Grosso, ou de Goyaz.

Não ha duvida, que é o cinematographo um esplendido systhema de diversão, que agrada a todo o mundo. Mesmo os burgueses, honestos, sisudos, que vivem a sonhar com o ouro, e a pensar em cousas grandes, mesmo esses, fecham alegremente as suas vendas e vão estoirar de rizo, á custa das engraçadas fitas comicas de Pathè. Mas, quando trepida muito, como os que aqui temos visto, trazendo aos olhos dos assistentes cataratas de mil côres, então, deixa de ser um entretimento agradavel, para tornar-se um suplicio detestavel. Em parte, têm razão as emprezas, que por mais que façam, não podem mesmo agradar o publico.

Das estações para aqui, não dispõem elas, como não dispomos nós, sinão do meio de transporte empregado no sertão, a exemplo do Turkestan e dos confins do Hindostão, que é o carro puxado a bois, com toda sua morosidade de fazer trez leguas por dia. E quando assim acontece, já é caso do carreiro distribuir um góle de pinga aos companheiros, celebrando a força dos bois! Pois é brinquedo, trez leguas ao dia! Não tem duvida, que já em velocidade, só lhes excederão os aeroplanos rapidos de hoje, como os de Bleriot². E mesmo assim, é preciso jogarem duro, sinão forçosamente passam vergonha os aviadores…

Mas, como diziamos, as emprezas cinematographicas não conseguem com os abálos dos carros trazer as peças e apparelhos em perfeito estado de conservação, resultando d’isso o máo funccionamento nos cinemas, que em vez de agradarem, entristecem os burgueses e afugentam o publico…

D’este modo, só poderemos ter bons cinemas, ou quando alguém d’entre nós adquiril-os particularmente³, ou quando dispozermos de outro meio de conducção, que não, o de puxado a bois.

Todavia, segundo se diz, ainda cá teremos a Goyaz4, e apezar mesmo, de se achar ella, em Perdição, será preciso que não se percam as esperanças.

ABDUL-HAMID.

* 1: Pathé ou Pathé Frères é o nome de uma série de empresas francesas que foram fundadas e originalmente estiveram sob o controle dos irmãos Pathé, na França, em 1896. No início dos anos 1900, a Pathé se tornou uma grande companhia cinematográfica, assim como a maior produtora fonográfica mundial. Em 1908, a Pathé inovou com a apresentação do “noticiário” ou “documentário”, o qual era apresentado antes de um filme longa-metragem.

* 2: Louis Charles Joseph Blériot (Cambrai, 1 de julho de 1872 — Paris, 1 de agosto de 1936) foi um aviador, engenheiro e inventor francês. Ele desenvolveu o primeiro farol de automóvel de uso prático e estabeleceu um negócio rentável fabricando-os, usou boa parte do dinheiro para financiar suas tentativas de construir um avião. Em 1909 ele adquiriu fama mundial fazendo a primeira travessia em aeronave mais pesada que o ar do Canal da Mancha. Blériot foi também o primeiro a construir um monoplano de uso prático (autônomo, motorizado e controlável) e fundador de uma bem sucedida empresa de fabricação de aviões.

* 3: Leia”Primeira Notícia Sobre o Cine Magalhães”, “Testadas as Máquinas do Cine Magalhães Antes da Inauguração”, “Cine Magalhães” “Primeiras Sessões de Cinema” e “Os Cinemas”.

* 4: Leia “Sonhando Com a Estrada de Ferro Goyaz” e “A Questão da Estrada de Ferro”.

* Fonte: Texto publicado com o título “Factos e Coisas” na edição de 19 de março de 1911 do jornal O Commecio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Primeiro parágrafo do texto original.

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