AUTOR: LINCOLN JOSÉ DE SANTANA (1969)
Antigamente funcionavam em nossa terra dois estabelecimentos cinematográficos: o Cine-Magalhães, fundado pelo coronel Artur Tomás de Magalhães e o Cine-Teatro, construído pelo Cap. Juca Santana. O Cine Magalhães apareceu primeiro, mas logo em seguida, em 1921, veio o segundo. O prédio do Cine-Teatro foi construído para tal fim e funcionava à rua General Osório, hoje número 168, onde está localizada a exposição dos “Móveis Carvalho”. O edifício, com pequenas modificações, é o mesmo do tempo do Cine-Teatro. O nome primitivo era apenas esse. Mais tarde, depois de 1930, o Cap. Juca Santana mudou-o para “Cine-Teatro Glória”, em homenagem ao proprietário do Cine-Glória de Belo Horizonte, de quem tornou-se amigo.
Era no tempo do cinema mudo. As partes do filme eram passadas de uma a uma. A projeção não era ainda contínua. Entre uma parte e outra havia um intervalo, no qual se acendiam as luzes, enquanto o operador colocava no projetor nova parte. Os rapazes e moças aproveitavam o tempo para o namoro, que naquela saudosa época era de longe. Nada de sentar-se com a namorada e muito menos agarrar nas mãos. Os pais e irmãos, e também a crítica da sociedade, não permitiam. Quanto mais longo era o intervalo, mais satisfeita ficava a platéia. Os anúncios dos filmes, geralmente contavam o número de partes: oito, nove ou dez.
O filme não sendo falado, para quebrar a monotonia, uma orquestra era contratada para tocar durante a projeção. No intervalo os músicos descansavam. Havia músicos que ficavam tão absortos na sequência da fita que muitas vezes se esqueciam de soprar no instrumento. Em filmes de “cowboy”, na hora do tiroteio duro, o pistonista dava uns agudos fora de hora. A orquestra, comandada pelo saudoso Olímpio Rocha, foi uma das que tocaram no Cine-Teatro.
Não havia horário certo para o início da sessão. Isso dependia da afluência da assistência, que era muito escassa naquela época. O povo dava preferência ao circo-de-cavalinhos. O aparecimento de um desses na cidade, era o terror dos dois proprietários.
Antes de começar cada sessão, o Cine-Teatro avisava ao povo que as portas estavam abertas, através de dois foguetes, fabricados pelo Sr. Armênio Cruz. O clarão e depois os estampidos dos artefatos pirotécnicos, anunciavam aos patenses que naquela noite haveria espetáculo. Não comparecia muita gente, mas sempre a película era passada, com prejuízo, é claro, para o empresário, que para cobrir as despesas tirava dinheiro do seu bolso. Não era raro que devolvesse o dinheiro aos poucos assistentes presentes. A passagem do filme não compensaria e além disso as despesas seriam grandes com os pagamentos da orquestra e do operador, porque ganhavam, não por mês, mas por sessão. As cadeiras eram de palhinha trançadas e não tinham braços. Não havia a inclinação do assoalho do prédio, de maneira que a visibilidade era às vezes prejudicada. Uma vez ou outra aparecia por Patos uma “troupe” teatral. Então a freqüência melhorava. Todavia o lucro tinha que ser repartido entre a companhia e o Cap. Juca. Certa ocasião a sala foi cedida para que se realizasse, pela primeira vez, uma luta de boxe em Patos. O combate travou-se entre o então conhecidíssimo Negro do Cornélio e o possante “colored” apelidado de Ômega. Negro do Cornélio era muito mais franzino que o Ômega. Logo no primeiro embate o Negro foi posto fora de combate e ele mesmo dissera: “Considero-me vencido”. Em menos de dez minutos a luta foi decidida. O Negro do Cornélio já faleceu há bastante tempo. Ômega vive em nossa cidade, residente no Bairro do Brasil.
Podemos ver, que financeiramente falando, cinema nas décadas de 20 e 30, era péssimo negócio em nossa terra. Os dois empresários mantinham seus estabelecimentos mais por idealismo do que visando lucros. Um queria fazer concorrência ao outro porque havia os fãs de um e de outro. E assim tocavam seus negócios cinematográficos um pouco também por teimosia.
As fitas mais queridas eram, como até hoje, as de “cowboy”, que chamávamos de filmes de “mocinho”. Eram, em sua maioria, de procedência norte-americana. Não havia quase filmes europeus. Os “astros” mais cotados eram: Arty Accorde, William Farnum, William Désmont, Max Linder, Tom Mix, Buck Jones, Otton Gibson, Cesar Romero, George O’Brien, Rodolfo Valentino, Charles Farrel, Victor Mac Laglen, e muitos outros. Entre as “estrelas” sobressaiam: Greta Garbo, Thedda Bara, Pearl White, Pola Negri, Mary Pickford, Dolores Del Rio, Janette Gaynor, Doroty Lamour, a moça do “sarong”, Betty Davis e Janet Mac Donald. No boxe atuava o famoso Jack Dempsey e depois Primo Carnera. Na comédia era rei absoluto o impagável Charles Chaplin, o “Carlitos”. Em cena muda era Carlitos inimitável. Quando apareceu o cinema falado, Carlitos não quis, a princípio, aceitá-lo. Muita gente achava que o cinema mudo era mais expressivo, pois que a cena falada tira, até certo ponto, o raciocínio do expectador, pois esse terá que prestar atenção também na palavra, ficando reduzido o poder de compreensão da fotografia e da ação. Mais tarde Charles Chaplin aderiu, como não poderia deixar de acontecer, ao cinema sonoro, trabalhando em grandes filmes, como “Tempos Modernos” e o “Grande Ditador” que foi grande sátira às palhaçadas de Hitler.
O Cap. José de Santana, acompanhando a época, montou, também, seu aparelho sonoro. No começo as fitas faladas não tinham o som gravado no próprio filme. Vinha uma coleção de discos fonográficos acompanhando a película. Os discos eram sincronizados com as cenas que se desenrolavam na tela. Contudo, de vez em quando havia certa desarmonia, e os atores falavam e cantavam, e o disco estava girando em outro trecho. O “cowboy” dava um tiro e víamos sair primeiro a fumaça e só alguns segundos depois ouvíamos o estampido do revólver. Esse foi o primeiro sistema adotado pelo Cine-Teatro. Era o chamado sistema “Vitafone”, introduzido no mundo pela Warner Brothers em 1926. Pouco tempo depois estava sendo usado nos sertões de Patos. O sistema não deu certo e foi substituído pelo “Movietone” com o registro sonoro na própria película, corrigindo assim os defeitos citados acima.
O Coronel Arthur Thomas de Magalhães de tempos em tempos fechava a sua casa de espetáculos. O Cine-Teatro teve funcionamento mais regular e foi até 1940, ano em que o Sr. Bermudês de Castro fundou o Cine Tupã, já com característica de cinema moderno, colocando, assim, fora de competição os outros dois.
Como curiosidade darei os programas do Cine-Teatro e do Cine-Magalhães no dia 26 de novembro de 1932:
“Amanhã o Cine-Teatro oferecerá, aos seus queridos freqüentadores, o emocionante e colossal filme de guerra, da Fox intitulado AMAR, VIVER E SOFRER! Com Jorge Jessel, David Rollins e Lilla Lee. É um filme máximo de emoções! Quem não assistir este filme se arrependerá! Todos ao cinema Teatro! Todos!”
“Hoje e amanhã, na tela do Cine-Magalhães, a colossal super-alta comédia dramática da Metro Goldwyn Mayer, com o significativo título: GAROTAS MODERNAS, com Joan Crawford, Anita Page, Doroth Sebastian, John Mac Brow e Nils Áster. Um filme chique e cheio de grandiosidade! Garotas Modernas, é um filme de danças, de farras e de mulheres bonitas. Em NOVE atos. Todos ao Cine-Magalhães! Todos!”
No qüinqüênio de 1935 a 1940 o cine Teatro Glória foi arrendado ao Sr. Joaquim de Castro, dentista que veio de Formiga. Depois o Sr. Joaquim passou o contrato para seu filho Jacy de Castro. Como já disse, com a fundação do Cine Tupã, mais bem equipado e com as exigências da técnica moderna, essas primitivas casas de espetáculo deixaram de existir. Depois o Sr. Amadeu Dias Maciel construiu o “Cine Olinta”, onde funciona hoje a Rádio Clube de Patos.
Mais tarde, em outubro de 1961, o Sr. Mário Garcia, inaugura o conjunto de que fazem parte o Cine Garza, o Roza Hotel, como podemos ver na placa comemorativa: “Planta do prédio: Dr. Luiz Alves de Oliveira; Proprietário: Mário Garcia Roza; Administrador da obra: Sr. Aristides Rodrigues B. S. Jesus”. E eis a dedicatória do Sr. Mário Garcia: “À nossa Patos de Minas entregamos nesta data, os frutos de nossa vida de trabalho em prol de seu maior progresso”. Aliás tanto Mário Garcia como seu irmão Genésio, ex-prefeito de Patos, foram sempre patenses progressistas e idealistas. Mesmo ausentes de sua terra sempre se interessam por ela. Mário Garcia pretende, como disse a este cronista, doar uma biblioteca à nossa cidade, no que nos fará imenso benefício.
Finalmente os Srs. Virmondes de Castro e Sílvio Pessoa edificaram o melhor cinema da região, o Cine Riviera, dotado de todo conforto moderno, menos o de cadeiras estofadas. Infelizmente Patos não possui, ainda, uma casa de espetáculos que tenha cadeiras estofadas. O referido cine foi inaugurado em 1962. Agora ambos os cinemas em funcionamento pertencem apenas ao Sr. Mário Garcia Roza, devido à transação feita no fim do ano passado. Eles giram com o nome de “Cine Patos Ltda.”
Os pioneiros, pois, em cinematografia foram o Cel. Arthur Magalhães e o Cap. José de Santana. O primeiro, adotado de inteligência espirituosa, quando inaugurou seu cinema falado, mandou escrever em frente do prédio: “Cine Falado”. Mais tarde o aparelho sonoro não funcionava direito. O Cel. Arthur, amolado com os enguiços de seu “Vitafone”, vendeu e voltou com a cena muda. Mas aproveitou o letreiro de frente, trocando apenas uma letra: “Cinema Calado”.
Colocando ponto final nesta longa história, darei os preços dos ingressos naquela época, que era em qualquer cinema de um mil réis. Uma entrada de nossos cinemas atuais, cerca de NCr$ 1,50, corresponde a mil e quinhentas em 1928, ou quatro lotações de um dos cinemas antigos.
* Fonte: Texto publicado na edição de 24 de maio de 1969 do Jornal dos Municípios.
* Foto 1: Cinemasp.com.
* Foto 2: Blogdaprofessoraisis.blogspot.