Com extraordinaria rapidez continúa a progredir e espalhar-se por todos os recantos do mundo civilisado o Cinematographo, esta curiosissima applicação da arte inventada em 1824, por Nicephore Niepce e Daguerrea, a photographia.
Portentosa invenção!
Existissem hoje esses buscadores de sciencia e elles mesmos ficariam pasmos em face do progresso maravilhoso do seu invento.
Procuraram elles, apenas, representar sobre o papel as imagens das pessoas e cousas.
Attingiram o seu ideal, pararam ahi.
Com o perpassar dos annos, porem, os seus successores foram muito além. Baseados em que a persistencia das impressões luminosas sobre a retina dura mais ou menos um decimo de segundo, conseguiram, usando, da photographia instantanea que permitte tomar provas successivas num intervallo de cerca d’um quinquagesimo de segundo, d’um forte apparelho de projecção, d’uma longa fita transparente sobre a qual essas provas se succedem rapidamente e d’um grande anteparo, obter com nitidez a illusão de uma imagem em movimento. Aquelles, talvez, ficassem contentes em achar o meio de se obter rapidamente um retrato fiel, em quanto que estes, os seus successores, tentaram em dar ás imagens retratadas o cunho da naturalidade, fazendo-as moverem-se. Trabalharam.
Experiencias foram feitas, afinal tocaram no ponto collimado e hoje ellas movem-se.
Vemos illusoriamente sobre a tela reproduzidos com maxima perfeição todos os movimentos, desde os grosseiros aos mais polidos, desde o balouçar d’uma flôr pela mais suave viração, aos gestos os mais delicados d’uma consagrada atriz.
Que maravilha! Que progresso scientifico!
Mas, o nosso objectivo não é virmos perante os nossos leitores admirar e decantar as glorias da sciencia da geração presente! Passamos, portanto, adeante e accrescentamos – Que verdadeiro divertimento alcançou o homem com essa curiosa applicação da photographia!
É que elle na ambição de attingir o absolutamente perfeito e no desejo ardente de approximar-se de igual felicidade, procurou, aproveitando da sua victoria, imprimir ao Cinematographo esse caracter, a fim de instruindo-se e distrahindo-se, distrahir e instruir igualmente a humanidade.
Venceu os obstaculos, triunphou. E hoje esse instructivo divertimento, está na moda em todas ás metropoles, cidades, villas e mesmo arraiaes.
O signal mais sincero do verdadeiro deste meu dizer, é que em breve será inaugurado aqui um Cinema; nesta Cidade tão avessa a tudo quanto se relaciona com seu progresso, nesta Cidade, onde todos os emprehendimentos, os de mais faceis execuções, morrem ao nascer. Comtudo, este, felizmente, segundo temos ouvido de testemunhas authenticas, será um facto positivo, traz provisão sufficiente, é um emprehendimento por demais razoavel e cuja existencia será um visível melhoramento. Porem, é de iniciativa particular; e podiamos acrescentar – um divertimento, si fosse pelo contrario, isto é, se dependesse do auxilio publico, não admirem, pois, os leitores que a sua acquisição seja real e perpetua a sua existencia. Nós, pelo menos, apezar de não sermos pessimistas, diriamos antecipadamente – é um mero desenrolar de fita, não passa de castello no ar. E, de facto, teriamos que ver a ideia nascer, propagar-se, agitar todo esse povo pacato e morrer calma e morosamente, deixando como espollio ao baixar ao tumulo do desengano, a fatal esperança nos corações dos ingenuos.
É o que até o momento presente temos visto e continuamos a ver. Os factos passados e actuaes vêm de sobra corroborar o que ora affirmamos. Que Deus de hora em deante nos dê melhor sorte! Que logo subsequente ao Cinema, venham outros melhoramentos uteis!
Depondo essas entristecedoras considerações, continuamos.
Vamos ter, fazendo companhia às demais cidades, um Cinema, uma bôa casa de diversão, diversão que attrae irresistivelmente a todos. Assim dizemos, porque nas cidades por onde já passamos e que ha taes casas de entretenimento, notamos sempre que não ha rico luxuoso ou modesto; pobre por mais pobre que seja; velhos os mais impertinentes; moças e velhas, feias ou bonitas, virtuosas ou não; crianças bem ou malcreadas e mesmo os terriveis indifferentes a tudo quanto se refere a progressos da ephoca, que não lutem contra as diversissimas difficuldades da vida para irem todas às noites, depositando no cofre dos emprezarios parte do seu lucro pecuniario, passar alguns minutos em completa distracção.
Mas, si toda essa multidão marcha todas às noites em demanda das representações cinematographicas, é porque evidentemente ha nellas algum quê de bom, alguma coisa de útil.
Sim, repito, o cinematographo nos distrae e instrue. Infelizmente, porem, nem sempre encerra elle em si estes dois predicados. Ora elle nos distrae, conduzindo-nos ao caminho do bem, ora nos distrae atirando-nos ao abysmo da desgraça.
Isto, porque, o homem, mesmo em busca da felicidade, é arrastado para o mal. O seu cruel inimigo, Satanaz, não dorme. Os emprezarios de cinemas, pouco escrupulosos, ao em vez de examinarem as fitas e registrarem aquellas que ofendem à moral, procuram até à hora da sua exibição, esconder o veneno que ellas encerram, dando-lhes titulos muitas vezes bonitos e attrahentes.
De modo que a pobre humanidade além do seu final desembolso, de lá volta escandalisada e trazendo enxerido no coração o germen da corrupção, cujo desenvolvimento não deixará jamais de produzir funestos effeitos.
Contra taes emprezarios devemos erguer francamente a nossa voz em protestação certos de que praticaremos um acto digno de applausos, um acto de caridade, de um modo particular à mocidade que incauta e inexperiente cahe nos laços que lhe arma o mal. Exemplos ha que nos convidam a assim proceder.
Em uma cidade do Triangulo, cujo desenvolvimento intellectual, moral e physico é por demais patente, um brioso militar nella residente, estando com sua distincta Senhora, num cinema o mais frequentado d’ali, o empresário desse, talvez por descuido, permitiu que se exhibiasse uma fita immoral, e, elle ao começar da representação levantou-se com energia e com firme voz protestou, em nome das familias presentes, contra aquella offensa à moral publica. Foi attendido, retirou-se logo a fita e ella por outra foi substituida.
Em uma illustrada Revista, um criterioso escriptor, disse: “Todo o homem catholico, sim todo o homem de bom senso, quer seja catholico, quer protestante, quer judeu deve voltar-se indignado 1.º contra o procedimento indigno dos empresarios de representações cinematogrraphicas escandalosas, por terem elles uma ideia muito baixa da moralidade dos espectadores, suppondo que estes gostem daquelles bucados immoraes, convictos de que o recinto dos espectadores seja composto de gente corrupta, a qual, com vantagem se possa offerecer o que ha de mais immoral e immundo; 2.º contra as fitas cinematographicas immorais mesmas por serem armas verdadeiramente poderosas na lucta vergonhosa contra o bem estar do sociedade, da familia e da salvação das almas.; 3.º contra os proprios espectadores e frequentadores de cinemas immoraes quando, calados deixam que se pratiquem taes abusos”.
Mais um exemplo nobre e não menos digno de ser notado é o seguinte: “O Conselho Administrativo da Instrucção Publica do Tirol, ha pouco, prohibiu a todos os meninos e meninas que frequentam ainda a escola a assistencia às representações cinematographicas, mesmo em companhia dos paes. Ficam isentas desta prohibição todas representações especialmente dedicadas à mocidade. O programma, porem, destas sessões deve ser approvado, previamente, pela directoria local do ensino”.
Dando esta noticia o seu transcriptor acrescentou: Quando será que os formadores de nossa infancia se lembrarão de imitar tão sabia e sensata disposição da lei?
Que ao menos os pais de familia, que são os mais directamente interessados e responsaveis pela educação de seus filhos, vejam o triste futuro que lhes preparam com a frequencia aos cinemas, que são infelizmente, na sua quasi totalidade, verdadeiras escolas de vicios, de crimes, de dissolução.
Pelo exposto vemos claramente que as representações cinematographicas, de historicas, moraes e instructivas que deviam sempre ser, cahirem e serem equiparadas com os falsos, ou antes com os mais torpes divertimentos, com as mais impuras fontes de immoralidade, vicios e crimes.
Falamos d’um modo geral, não nos referimos neste ponto ao cinema que vamos possuir, ao cinema de Patos, não! Temos até prazer immenso em declarar aos nossos leitores de fóra, que o daqui está muitissimo longe de merecer tão tristes referenciais, pois que, é elle felizmente de iniciativa d’um chefe de familia mui distincto, vae ser instalado em commodos de sua propria residencia, vae ser essencialmente um Cinema Familiar. Neste e noutros como tal os paes que velam pela bôa educação de seus filhos e pela honestidade e innocencia de suas filhas, podem, quanto às fitas, frequental-os, certos de que essas serão plenas de bons exemplos, historicas e instructivas.
Quanto às fitas dizemos nós, porque, o mal nos cinemas, muitas vezes, não vem somente dellas, não vem das suas interpretações que ficam à vontade e à perspicacia de cada um, males outros elles accarretam.
Pois, como sabemos, as representações cinematographicas realizam-se à noite, em lugar escuro, “onde não se vê o que o povinho novo faz” como disse alguem, onde uns estragam muito cedo a vista, outros apanham, ao sahirem, fortes resfriamentos e a final em logares pouco ventilados, onde se respira um ar completamente viciado.
Tudo isto, porem, é facil de se evitar e o mal maior, o que mais devemos temer é si a interpretação natural das fitas pelas familias e pela mocidade em geral pode lhes resultar ou não a maculação de suas almas ilibadas.
* Fonte: Texto publicado na edições de 09 (1.ª parte) e 16 de março de 1913 (2.º parte) do jornal O Commercio, do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto 1: Manhuagito.com.br.
* Foto 2: Do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 07/02/2013 com o título “Cine Magalhães”.