DESASTRADO AZARADO, O − 3/4

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Que informação coisa nenhuma. Quando Ambrósio parou seu Chevette 82 a polícia imediatamente identificou aquele carro com quatro ocupantes como sendo o dos bandidos foragidos. Imediatamente, treze policiais fortemente armados rodearam o carro e exigiram que seus ocupantes saíssem com as mãos para cima. Foi uma sensação altamente desagradável para Ambrósio e seus caronas. Tudo porque, com as armas apontadas para eles, os policiais, aos berros, pediam que saíssem imediatamente.

– Minha Nossa Senhora da Abadia, o que é isso? − perguntou assustado o Ambrósio. Peraí, vocês três são quem? Por um acaso a polícia está procurando vocês?

– Que é isso, Ambrósio, não somos bandidos não.

– Mas então por que estes caras estão aqui com estas armas apontadas pra nós?

– Moço, pelo amor de Deus, não temos nada com isso, somos pobres, mas de família direita. Por um acaso eles não estão atrás de você?

– Olha aqui vocês três, com quem pensam que estão falando?

– Sei lá, moço, vamos deixar de conversa e sair logo de dentro desse carro porque os meganhas vão atirar na gente.

As duas portas do carro se abriram lentamente. Ambrósio e os três caronas saíram sem pressa, com as mãos para cima, tremendo que nem vara verde. Olharam ao redor e, apesar da escuridão, puderam perceber que aqueles policiais não estavam ali para brincadeiras.

– Todos os quatro de costas, encostados no carro, mãos para cima e pernas bem afastadas. Agora, porque não estamos com paciência e prestem atenção vocês quatro: vamos nos aproximar e revistá-los, qualquer movimento em falso é chumbo na certa.

Os quatro foram devidamente revistados, confiscados os documentos e por lá mesmo onde estavam ficaram esperando as decisões policiais. Estes, via rádio, enviaram os nomes à central de Patrocínio para checagem. Em outras operações, pelas redondezas rurais, tadinho de quem tinha um chevetinho: era imediatamente parado para os procedimentos tradicionais, que demandava contatos e mais contatos via rádio para envio dos nomes e espera de confirmações ou não. E isso congestionou a tecnologia da época, e essa espera para os quatro detentos provisórios foi tremendamente tão estressante que não conseguiam esconder o nervosismo. Ambrósio então resolveu perguntar:

– Seu polícia, afinal de contas, por que estamos detidos aqui?

– Fiquem caladinhos aí.

– Mas não somos bandidos, somos de Patos de Minas e estamos indo para uma festa na fazenda do Seu Amarildo.

– Caladinhos.

– Ô Ambrósio, tem dó, fica calado.

– Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?

– Para de chiar, Josué.

– Não tô chiando, tô é preocupado.

– Gente do céu, esses caras não param de conversar no rádio.

Uma hora depois, chega uma resposta: nenhum dos quatro tem nada a ver com os quatro fugitivos. Um dos policiais, devolvendo os documentos, dá a notícia na maior calma do mundo:

– Vocês estão liberados, desculpem o incômodo.

– Mas peraí, seu guarda, a coisa é assim? − declarou com aborrecimento o Ambrósio.

– Assim como, rapaz? Vamos, podem ir, estão liberados.

– Não, não é assim não, vocês fazem esta sacanagem com a gente por engano e depois simplesmente dão boa noite e pronto?

– Por favor, entrem no carro e se mandem.

– Escuta aqui, seu moço, eu estava tranquilamente indo para uma festa numa fazenda quando vocês me pararam e…

– Escuta aqui seu moço você, rapaz, vou dar um minuto pra vocês quatro sumirem daqui.

– Viu só a falta de educação.

– Quarenta segundos.

– Vamos embora daqui, Ambrósio, esses caras não estão nem aí pra gente.

– Trinta segundos.

– É isso mesmo, Ambrósio, nós estamos sozinhos aqui, não custa nada estes caras baterem na gente.

– Quinze segundos.

– Tá bom, tá bom, vamos cair fora daqui.

Depois de rodarem um quilômetro, Ambrósio resolveu conferir adequadamente o mapa. Ajudado pelos três caronas, tiveram que voltar e passar novamente pelo cerco policial. Óbvio, foram parados novamente. Mas dessa vez as explicações foram suficientes para prosseguirem caminho. As encruzilhadas então, foram, enfim, acertadas, e Ambrósio conseguiu deixar os outros três no destino certo. Depois das despedidas, rodou alguns quilômetros e parou novamente o veículo. Ainda estressado com o ocorrido, olhou o relógio e verificou que já eram quase três horas da madrugada. Aborrecido, chegou à conclusão de que a festa já era. A solução foi tomar o rumo de volta. Bateu-lhe então um desejo incontrolável de cair na cama e dormir até o meio-dia para espairecer as ideias. Depois de rodar mais alguns quilômetros, deparou com um bando de vacas dormitando no meio da estrada. Era só o que faltava, pensou com seus botões. Ambrósio pressionou a buzina e piscou os faróis inúmeras vezes, mas nada das vacas se levantarem. O jeito foi saltar do carro e tentar espantar os animais. Mas ele estava tão cansado e estressado que não reparou que aquele pequeno pedaço de estrada tinha uma pequena inclinação, isto é, uma leve descida, ou subida, tanto faz para o presente caso. Quando Ambrósio já estava cutucando as vacas com os pés, ouviu um barulho de pneu rodando no cascalho. Virando o rosto para verificar, seus olhos quase saíram das órbitas: seu chevetinho 82, muito do bem conservado, mas com o freio de mão abaixado, de ré e desgovernado descia a estrada.

O relógio marcava oito e meia da manhã quando Seu Amarildo, dirigindo uma camionete em companhia da filha Patrícia, se assustou com um carro caído numa vala à beira da estrada. Preocupado, parou e resolveu averiguar. Foi quando se deparou com o Ambrósio cochilando dentro do veículo.

– Meu rapaz, o que houve?

– Oi, Seu Amarildo.

– Uai, você me conhece?

– Sim, Seu Amarildo, o senhor também me conhece, aliás, me conheceu quando eu era garoto.

– Como assim, meu rapaz?

– Pai, tem alguém machucado aí dentro – perguntou Patrícia se encaminhando para o local. Olha só, é você que está aqui. Você não é o rapaz da sapataria? Como é mesmo o seu nome?

– Ambrósio.

– Isso mesmo. Como aconteceu esse acidente?

– Você conhece o rapaz, Patrícia?

– Ele é gerente de uma sapataria na cidade, conheci ele quando estive lá fazendo uma compra.

– Mas, meu rapaz, como se deu este acidente?

– Um pouco ressabiado pela presença da mulher, Ambrósio narrou com pormenores todo o ocorrido, desde o momento em que esteve no bar do Arlindo. Enquanto descrevia toda a aventura, fazendo questão de salientar a sua falta de sorte, Patrícia teve a oportunidade de examinar atentamente as particularidades faciais do acidentado. Algo lhe dizia que aquele rapaz não lhe era estranho. Foi interrompida nos pensamentos pela voz do pai.

– É, meu rapaz, foi mesmo um grande azar. Mas ainda bem que tudo terminou sem praticamente estrago algum. Agora me explica uma coisa: você disse que ia à minha festa e que já me conhecia. De onde você me conhece? Sinceramente, não estou me lembrando de sua fisionomia.

– Quando eu era garoto, brinquei muito na fazenda. Sou filho do Azambuja.

– Azambuja? O finado Azambuja que trabalhou pra mim? Por um acaso você é aquele garotinho que vivia em cima das tábuas do curral apreciando o trabalho do seu pai?

– Eu mesmo, Seu Amarildo.

Patrícia ouviu e se lembrou daquela época. Eis então que estava bem à sua frente o seu namoradinho dos tempos de criança. Lembrou que, quando o Azambuja morreu, ela não mais viu o Ambrósio. O tempo passou, foi para os EUA e não mais o havia visto. Ei-lo agora aqui, e como se tornara desastrado. Puxou a memória e lembrou que, em criança, não era assim tão desastrado. Olhou bem e reparou que o rapaz até que não era de se jogar fora. E animou falar.

– Então você é aquele garotinho que brincava comigo?

– Sim, Patrícia, sou eu mesmo, que bom que você se lembrou.

– Fico feliz também de saber de você Ambrósio, pois gostava muito do seu pai. Não imaginava, sinceramente, que você tinha ficado por aqui depois da morte dele. Fiquei sabendo que você e sua mãe tinham se mudado.

– Realmente, Seu Amarildo, fomos pra cidade natal de minha mãe. Até trabalhei numa fazenda por lá. Mas minha mãe ficou muito desgostosa, e caiu numa depressão tremenda. Dois anos depois do papai, ela também me deixou. Então, quem ficou tremendamente desgostoso fui eu. Por isso resolvi voltar pra cá, pois aqui tenho a casa que herdei lá na Juca Mandu e, o mais importante, tenho amigos. Logo comecei a trabalhar na sapataria. Comecei como vendedor, e hoje sou gerente.

– Puxa vida, rapaz, por um lado, que pena que tudo isso aconteceu. Por outro lado, percebe-se que o Azambuja te deu berço. Já ouvi falar muito bem do gerente daquela sapataria, só que eu não tinha a mínima ideia que era o filho do Azambuja. Muito bem rapaz, fico feliz por ter te reencontrado. Não foi num momento propício, mas valeu. Chegando em Patos vou ligar pra fazenda e solicitar que um de meus tratores tire seu carro desse atoleiro. Até breve. Vamos, minha filha?

– Vamos. Até mais, Ambrósio, depois a gente conversa.

– Um bom dia pra você Patrícia. Bom dia, Seu Amarildo, obrigado pela ajuda.

– Não há de que. Depois aparece na fazenda, será um prazer.

Enquanto mil pensamentos esquentavam a cabeça do Ambrósio, o tempo passou e o trator chegou. Com o carro guardado na garagem, já por volta das nove horas da manhã de um lindo dia de sábado, foi até a sapataria e narrou os acontecimentos ao patrão, que não teve dúvidas em liberá-lo. Voltando ao lar, tomou um refrescante banho e caiu na cama. Não demorou muito para dormir. Mas por pouco tempo. Meia hora de sono e ele foi acordado pelo barulho estridente da campanhia. Uma turma de amigos já estava sabendo das estripulias do desastrado azarado.

– Ambrósio, Ambrósio, o que aconteceu?

– Calma, gente, calma, tá tudo bem.

– E o carro tá todo arrebentado, ficamos sabendo.

– Ô cidade faladeira, que todo arrebentado coisa nenhuma. Olhem bem pra ele. Tá é sujo, por causa da vala, só isso.

– Cadê a fratura exposta?

– Fratura exposta?

– Disseram que você tinha partido todos os ossos.

– Santa misericórdia. Olhem bem pra mim, tem algum osso exposto? Turma, pelamordedeus, estou num bagaço só, vou cair na cama agora e só acordar amanhã. Vão, amanhã a gente conversa, ok?

– Ok, amigo, já vimos que está tudo bem contigo. Depois você nos conta tudo direitinho, certo? Vamos, gente, o coitado do Ambrósio precisa descansar.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Es.vecteezy.com, meramente ilustrativa.

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