TUDO É FESTA DO MILHO

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O poema agora já não se nutre de azul, mas sim de bauru e batida de limão, que é a comida e a bebida da poesia em geral. O poema fugiu dos livros, cansado de ficar mofando acomodado nas prateleiras dos móveis imóveis. Ele vive agora nas ruas, anda nas Kombis da Viação Patos, xinga a polícia, protesta nos muros e no asfalto, chora em apelos desesperados. O poema estudante – pede reformas nas passeatas

O poema operário – pede aumento salarial

O poema festeiro – pede passagem em ritmo de samba.

O poema pobre toma pinga nos butecos, torce pelo Atlético, ama a mulher única, pede dinheiro emprestado e trancado na gaveta, tem momentos de Caetano Veloso.

O poema agora é assim: antes de mais nada um complicado que tira onda de simples, mas acaba demagogo como uma menina de vinte anos jurando amor eterno a um velho de setenta e cinco, e pedante como discurso de deputado em véspera de eleições.

Entro na oficina deste jornal, e escuto uma doce melodia mecânica que sai das máquinas de escrever e de imprimir. Zé Poeminha vaga no seu mundo de linotipos. O Poema José Maria e o Poema Plínio estão atentos. Captando os pensamentos do Papa, a viagem da Apollo 11, a guerra do Vietnam, a Crise do Oriente Médio, e a Festa do Milho.

Maria é tranqüila. Ouve a música, e simplesmente aceita a música, porque simplesmente não entende a música.

Paulo é diferente. É só nervos atrás dos óculos. Uma vontade de não ser. Uma vontade de silenciar as canções mecânicas, parar o mundo. Parar a si próprio. Ir para casa e descansar. Transformar-se num bom poema. Mas as manchetes têm que sair: FESTA DO MILHO – FESTA DO MILHO.

João é um poema em formação. Anda meio triste. Talvez o Amor o esteja maltratando ou o dinheiro está faltando. Sei lá. Chega na janela, e vê tudo se agitando sob o calor do sol de abril. Sente uma vontade de pular de algum sétimo andar. Mas, intimamente o que ele quer é se comunicar com o mundo que não o entende, mas na verdade ele também não entende o mundo. Puxa conversa com Maria, mas Maria não quer conversar, simplesmente lhe joga um sorriso de Paz. A Paz que luta para conseguir.

Entro na sala do redator-chefe para ver se esquecia ou lembrava de alguma coisa. A sala está cheia de gente, café, cigarro e muita fumaça. Todos comentam: A festa está chegando, está perto… está perto… Num canto Edson escreve sua coluna semanal. Assunto: Festa do Milho.

Não há poema que agüente este barulho. Vou para a janela, na rua um poema grita: Precisamos reagir, precisamos reagir… Alguém se aproxima e pergunta: Contra o que? Contra quem?

Ali perto uma mulher desmaia. O Poema aproveita. Contra o calor. Contra o calor.

O que foi o que não foi? Foi o calor.

Exato. O Poema que se preza não falha. Vamos reagir contra o CALOR.

A FESTA DO MILHO ESTÁ PERTO.

Estou derramando minha tristeza por salas e pessoas.

FALTAM POUCOS DIAS.

Na falta de chope, os amadores do copo bebem cerveja e discutem com um Poema bêbado. Uns preferem batucar sobre as mesas ou arranhar um violão. Uma moça que passou o ano inteiro tomando Coca-Cola acaba de tomar uma dose de whisky e já está querendo tirar a roupa. Já tem um dos seios de fora. Está de pé em frente a janela olhando para o bar. Parece uma cena de filme erótico. Os amadores vibram, os veteranos lamentam. A moça tem os olhos acesos mas sem raciocínio apagou-se como uma lâmpada, parece sentir alguma coisa. Sem dúvida vai desmaiar. Desmaiou. Os amadores ocorrem. Fazem isso, fazem aquilo, aproveitam e dão uma corrida de mão naquele corpo já quase nu. A moça quer dormir. Vai ter o que contar as colegas. Esta eu sei, jamais deixará de tomar Coca-Cola, pelo menos até a próxima Festa, quando já não terá memória do vexame do momento.

O poema Carlos é o mais pilantra dos Poemas. É o Poema classe-média. Não tira do pensamento aquele seio rebelde que como tudo e como todos quis sentir sua parcela de liberdade. Espiando o bar chama o garçom e pede mais uma dose. Confiando totalmente na velha conversa: Amanhã passo aqui e lhe pago tudo, legal? Este poema tem fibra, sente que pode beber até um oceano de álcool nessa semana da festa.

O JORNAL SAIU:

CHEGOU A FESTA NACIONAL DO MILHO;

Isto quer dizer: Bailes, churrascos, meninas bonitas, exposições, etc…

A minha tristeza aumenta à medida que as horas vão passando. Um bom poema é sempre triste. Estou triste porque tenho um rosto na memória me matando de saudade. Um rosto que não sei onde se encontra. Talvez no Rio ou talvez aqui perto de mim, sei lá. Penso comigo mesmo que esta festa será na certa uma porcaria. Sinto vontade de perguntar ao vento: onde anda o rosto? Lendo Vinicius? Pensando em mim? Dourando o corpo dourado? Escrevendo uma carta ou um Poema? Será que o rosto volta?

O Poema gozador chega-se a mim e canta – TRISTEZA NÃO TEM FIM, FELICIDADE SIM.

Mando o poema ir plantar favas…

O Poema só é de briga com quem fala baixo. Por isso ri de lado meio sem graça, diz que eu estou nervoso à toa e que no fundo eu estou concordando com ele. Nem pede licença e sai de mancinho, sai sem demonstrar a raiva e o nojo que sente de mim. O Poema gosta de quem reage, eu não reagi. Ele queria que eu cantasse: É MELHOR SER ALEGRE QUE SER TRISTE, ALEGRIA MELHOR COISA QUE EXISTE.

No bar amadores e veteranos se confraternizam. Os amadores nunca perdem, os veteranos pagam as rodadas. É preciso beber muito e muito mais, e depois ir para o PAIOLÃO ou para um clube, e rebolar até cair, rebolar tudo, inclusive essa tristeza de ser só, a certeza de ser só e a dor de ter um rosto na memória.

O conjunto toca e retoca, tudo é FESTA DO MILHO. Os corpos suando, mulheres e meninas de sarongs, bermudas e mini-blusas. As águas rolando, o tempo passando, e o álcool jorrando. O que passou, passou. O que está passando nós vamos aproveitando. Deixa que a vida vem. Tudo é “Festa do Milho”!

* Fonte: Texto de Wander Porto publicado na edição de 24 de maio de 1969 do Jornal dos Municípios, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH)A do Unipam.

* Foto: Cartaz da Festa do Milho de 1968, do arquivo da Fundação Casa do Cultura do Milho (não há o cartaz da festa de 1969 no acervo da Fundação).

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