No tempo em que o Rio Paranaíba era garboso, isto é, tinha muita água e substancialmente muito peixe, estávamos na fazenda do pai de um amigo arranchados à beira da via fluvial praticando a arte da pesca. Ele, o pai do nosso amigo, tinha um galo de uma raça japonesa que era o seu xodó. O galináceo oriental ficava livre e solto pelo ambiente, e sempre nos visitava quando lá estávamos. Se o dono descobrisse que tínhamos dado à ave algum tipo de alimento industrializado ficava uma fera. Desta vez, ótimo, ele estava do outro lado do rio, sabendo-se lá como isso aconteceu.
Com vara e molinete preparados, parti para o crime. E neste gesto deu-se início a uma quase tragédia. Fiz uma força excessiva, anzol e chumbada atravessaram o rio caindo no pasto do outro lado. Até aí, tudo bem. Acontece que a pesada chumbada foi acertar justamente a cabeça do galo de olhinhos puxados que por lá zanzava. Foi pranteamento imediato, a conta para eu e os companheiros nos desesperarmos.
Inicialmente, fiquei paralisado, imaginando ter matado o galo. Os amigos, desesperados, pediam-me para recolher imediatamente a linha e darmos no pé antes que o fazendeiro ficasse sabendo do fato. Mal a linha começou a ser recolhida, anzol e chumbada se engastaram nas pernas do galo e veio o conjunto penoso para dentro d’água. Mais desespero, muito desespero, pois a ave afundou prontamente. Gritos de “mais rápido, mais rápido” deram-me forças. A velocidade do molinete era tanta que um companheiro foi obrigado a jogar água no mecanismo, senão pegava fogo. O conjunto penoso já estava no terço final do trajeto quando aconteceu o pior.
A vara sofreu um tranco violentíssimo, como se o anzol tivesse se engarranchado num toco. O suor caia que nem dilúvio. Os amigos desesperados, gritando. De repente reparei que a linha cedeu. Mas o peso era enorme. Eu puxava, o peso cedia e dava para recolher um pouco. E assim foi, até que surgiu à tona a cabeça do galo, com os olhos arregalados e o bico aberto cuspindo água. Ufa, estava vivo, e ao lado do galo uma imensa cabeça de Dourado. Para alegria geral, resgatamos o galo samurai com vida, sem nenhum ferimento, e um belo dourado de 13 kg, o que é um fato extraordinariamente extraordinário, pois, em pleno século XXI, fisgar um dourado de 13 kg no nosso Paranaíba já é uma façanha que merecia ser destacada em todos os noticiários.
Como se deu isso? Muito simples. É a tal sorte de pescador. O danado do galo japonês tinha uma baita espora em curva, um verdadeiro anzol. Quando ele, puxado pela linha, viajava à velocidade da luz nas entranhas do Paranaíba, o azarado Dourado por ali passava, casualmente. Como a velocidade do galo era imensa, o peixe não teve nem tempo de piscar. A baita espora cravou-se em sua guelra esquerda e pronto, Dourado fisgado. Aquilo que parecia ser o início de uma tragédia acabou se transformando numa bela pescaria.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.