Não é à toa que o futebol é chamado de esporte das multidões. Porque só ele, e mais nenhum outro, consegue levar aos estádios milhares e milhares de torcedores entusiasmados, muitos frenéticos e alguns alucinados, todos eles, sem exceção, felizes e sorridentes com a quase certeza de que o seu time de coração vai derrotar o adversário. No fundo, no fundo, essa legião de abnegados também alimenta o desejo de que a vitória tida como certa seja inesquecível, acachapante, marcada por uma enxurrada de gols que até poderão não ser tantos, vá lá, mas sempre em quantidade suficiente para humilhar o rival e fazê-lo perder o rumo de casa.
Isso acontece em todos os lugares do mundo, por mais adiantados ou atrasados que sejam, e daí, portanto, se poder dizer que não há cidade que não tenha a sua torcida organizada dos clubes tal e tal, ou o fã-clube dos jogadores fulano e beltrano. Em Periquitinho Verde as coisas não são diferentes, embora a paixão dominante dos seus moradores esteja repartida entre o Meteopé e o Cevaitê, as duas agremiações locais de enriquecido passado e empobrecido presente, mas que nem por isso deixam de alimentar a rivalidade ranheta teimosamente preservada por todos os escalões da sociedade local, do mais alto ao que se alinha bem rente ao chão.
Desconsideradas as simpatias por camisas com escudos e cores futebolísticas estranhas ao território estadual, os torcedores periquitinhoverdenses estão divididos entre galo e raposa, ou melhor dizendo, entre atleticanos e cruzeirenses, os primeiros mais numerosos que os segundos, ou vice-versa. E dentro desses dois contingentes podem ser apontados os racionais e irracionais, ou seja, de um lado os crédulos no princípio olímpico de que como ganhar ou perder faz parte da disputa, o importante é competir; e de outro os adeptos da assertiva maquiavélica dos fins justificarem os meios, o que em português claro e sem frescuras significa dizer que a ordem do técnico é descer o cacete no adversário, pois “nós vamos ganhar esses três pontos de qualquer jeito, nem que seja na base da porrada!”.
Tudo o que está relatado aí acima constituía o tema da conversa entre o Zeca Detefon, diligente plantonista esportivo da PRK-25, amais ouvida estação de rádio de Periquinho Verde e adjacências, Edmar Pomes, gerente da mesma emissora, e Idauro Múcio, cidadão aposentado, mas sempre por dentro do que ocorria por esse mundo à fora, que com eles se encontrara na esquina da rua Apolinário Daniel com avenida Tertúlio Pargas. A conversa entre os três cidadãos abordara inicialmente a representatividade das torcidas no cenário esportivo do país, prosseguira analisando o empenho com que elas procuravam incentivar os times de sua predileção, depois avançara avaliando a intensidade passional com que certos torcedores exteriorizavam sua paixão clubista, resvalara para o terreno das imputações sobre quem é quem nesse particular, e finalizava agora com a discussão sobre até onde o homem se dispõe a ir para demonstrar a paixonite aguda que sente pelo clube guardado em seu coração.
Então eles partiram para os exemplos. Zeca Detefon, o primeiro a se manifestar, falou de um cara em São Paulo, corintiano até debaixo d’água, que havia aprontado uma bagunça sem tamanho em dia de jogo importante no estádio do Morumbi, só porque pretendia dar um abraço caloroso no jogador que admirava, e ficou naquela correria danada dentro do campo, pra lá e pra cá, pra cá e pra lá, sendo contido somente quando seis soldados tamanho armário quatro portas o cercaram atrás do gol e lhe deram um tranco daqueles, pegaram-no de qualquer jeito e o levaram em seguida para a delegacia mais próxima.
O Edmar Pomes, por sua vez, referiu-se a certa passagem ocorrida no estádio Maracanã, quando um torcedor do Flamengo, lépido e fagueiro, queria porque queria ficar com a camisa do centroavante rubro-negro logo depois dele ter marcado um dos gols que colocaram de quatro, no gramado, o esquadrão vascaíno, seu adversário naquela tarde memorável para a torcida do mais querido. Esse maluco disfarçado de urubu também foi jogado em um xadrez da DP não sei qual, para aprender a não amolar os outros, mas não sem antes ter dado uma canseira legal em metade do destacamento policial que estava no local justamente para manter a ordem dentro e fora das quatro linhas, como costumam dizer os locutores encarregados da cobertura radiofônica dos acontecimentos futebolísticos.
Mas foi aí nesse ponto que o Idauro Múcio balançou a cabeça, levantou o braço direito à meia-altura e disse enfaticamente:
– Pára! Pára! Pára! Os dois aí não estão com nada. Esses casos que vocês contaram são fichinha perto do que aconteceu com o Tião, o atleticano mais doente que conheci desde que me entendo por gente. O que ele fez, sim, é que foi fora de série.
– E quem é esse Tião?
– É o pai de um vizinho meu, dono de uma fazendinha lá em Grota Funda. Atleticano apaixonado como ele ainda está para nascer.
– E o que foi que ele aprontou?
– Bem… Eu fiquei sabendo que ele foi a um urologista aqui da cidade por causa da próstata, e o médico que o atendeu explicou que precisava fazer o exame de toque. A princípio o velho não queria deixar, mas vai daqui, vai dali, acabou sendo convencido pelo filho de que aquilo era necessário, e por isso consentiu. Quando o doutor introduziu o dedo de uma vez só no vazador do Tião, este reclamou:
– Num tô güentanu não, dotô. Eu vou gritá.
Mas o médico o alertou:
– Acho melhor não fazer isso, meu amigo. Nossa sala de recepção está cheia de gente aguardando a vez de ser atendida. Se você gritar eles vão ouvir, e aí vai ficar chato, não é mesmo? Com que cara você vai sair daqui?
E prosseguiu com o exame. Mas o Tião continuou avisando:
– Dotô, dotô… eu vou gritá!
E o médico:
– Agüenta, homem. Estou quase acabando.
E o Tião:
– Dotô, num güento mais. Vou gritá.
Essa leréia se repetiu mais uma vez, e então o médico, já cansado daquela choradeira em seu ouvido, apelou impaciente:
– Pois então grite, homem. Grite à vontade.
E o Tião berrou angustiado:
– GAAAAAALOOOOOO!!!