Tião do Traque trabalhava como vendedor de uma loja de calçados na Rua Major Gote. Isso há uns dez anos, por aí. O primeiro nome é o diminutivo tradicional de Sebastião. O segundo é derivado de uma pequena particularidade própria: o sujeito soltava pum demais da conta. Tirando isso, era um bom empregado, honesto e muito religioso. Como também era muito controlado nos gastos, depois de uns cinco anos conseguiu ajuntar a quantia necessária para comprar, à vista, um de seus sonhos: um automóvel. Tudo bem, era um fusquinha, mas ajeitado pra caramba. Todo orgulhoso, a primeira coisa que fez foi levar o carango a uma oficina.
– Aí, Berto, pinta a frase Deus me guia no para-choque.
Assim foi feito e o Tião do Traque ficou feliz que nem pinto no lixo. A primeira volta pela cidade com a namorada, humilde como ele, foi transcendental, de acordo com suas próprias palavras. E fez questão de parar na porta do boteco favorito situado lá no Bairro Sebastião Amorim, onde residia. Era a glória.
Mas a alegria não durou mais do que uma semana. Tinha ido buscar a namorada que trabalhava numa clínica médica do Bairro Sobradinho quando, num daqueles cruzamentos perigosos que existem por lá, ele se confundiu com a preferencial e se chocou com um Honda Civic de um advogado que tem escritório no prédio onde fica a outra agência do Banco do Brasil. Não precisava dizer, mas vou dizer: o mequetrefe foi ao desespero ao ver seu grande sonho com a frente toda amassada. O desespero foi tanto que só depois do advogado, com muita pena, dizer 10 vezes que ele não precisava se preocupar porque o seguro do carrão pagava o estrago no fusquinha foi que Tião do Traque se acalmou. Aí então ficou feliz da vida. E feliz da vida estava quando foi buscar a sua máquina na oficina do Berto. Logo de cara o amigo perguntou:
– Vamos pintar novamente a frase Deus me guia?
Foi então que o Tião do Traque pensou, coçou a cabeça, pensou um monte de tempo até que finalmente respondeu:
– Hum, não, acho melhor não Berto. É melhor escrever Tião do Traque mesmo guia!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.
