Normalmente o dia de aniversário é dia de festa, de comemoração, de alegria, de abraços e votos de felicidade à beça. Além do mais, qualquer que seja a idade da pessoa, o dia de seu aniversário é sempre motivo para que ela tenha o ânimo redobrado, as esperanças renascidas, os projetos reconstruídos, os azares esquecidos, a alegria retornada, e os problemas varridos para debaixo do tapete do esquecimento, nem que seja apenas por algumas horas, só para dar um tempo. Infelizmente, porém, nem sempre é assim porque o coitado do cidadão, independente de sua raça, sexo, cor, religião, posição social e lastro financeiro, está sujeito a que um belo dia o urubu do infortúnio lhe pouse na antena da sorte e mande a sua “vaca para o brejo”, como costuma dizer até mesmo quem nunca foi dono de vaca, nem tampouco tem a menor idéia de como seja um brejo por dentro. É aí, então, conforme ensina a sabedoria inata do Zé Corneteiro, periquitinhoverdense conhecido na cidade e fora dela, que o negócio costuma virar uma meleca.
O Sebastião Melis é uma prova viva de que tal pressuposto é verdadeiro, porque mesmo sendo ele um homem correto, íntegro, trabalhador e,sobretudo, familiar, foi apanhado numa dessas armadilhas do destino justamente no dia em que estava completando cinqüenta anos de vida, meio século de uma existência balizada pelo princípio de que primeiramente os outros devem ser respeitados, para que a gente então possa pretender que eles também nos respeitem. Pois o Tião Melis, que é como os amigos e conhecidos o tratam costumeiramente, contador com ampla, sólida e conceituada clientela em Periquitinho Verde, acordou naquela límpida manhã de 09 de agosto mais satisfeito e feliz do que o costume, porque aquele era o dia do seu aniversário. Então ele levantou-se da cama com um sorriso pregado no rosto, arrumou-se assobiando aquele samba que está sendo tocado em todas as paradas de sucesso, saiu do quarto lépido e fagueiro, e entrou na copa pronto para receber os parabéns carinhosos de sua mulher e filhos. Mas foi justamente aí que nasceu e começou a crescer o “tsumani” das surpresas que terminariam complicando a sua vida pacata e ordeira..
Porque a esposa passou por ele com o “oi bem” que os vinte anos de casamento haviam tornado batido e surrado, dizendo que precisava ir ao supermercado para buscar verduras. E foi. Os filhos estavam de saída para o colégio, e por isso se limitaram a acenar ao pai com aquela desatenção que se tornou moda na modernidade em que vivemos. E “se mandaram”. E ali ficou o Tião Melis, desapontado, alimentando a esperança de que pelo menos sua mãe telefonasse para lhe transmitir, via operadora da preferência dela, o amor intenso que só mesmo as mulheres que já deram à luz conseguem transmitir às suas respectivas crias. Mas o telefone permaneceu mudo. Então ele saiu para o trabalho, e mal entrou no escritório a secretária veio ao seu encontro, dizendo:
– Feliz aniversário, chefinho!
Não é preciso dizer que o Tião Melis ficou extremamente reconfortado com o cumprimento de sua funcionária, porque pelo menos ela havia se lembrado de que aquela era uma data especial para ele. E esse reconforto acabou se transformando em alegria quando o aniversariante também se apercebeu de que os votos recebidos eram mais importantes do que poderiam parecer porque lhe traziam a certeza de que não estava sozinho no mundo, de que alguém compartilhava com ele a euforia do cinqüentenário alcançado. E assim a manhã foi-se embora na toada de sempre, depois de ter acompanhado durante toda a sua passagem, o embalo de contentamento do contador, até que chegado o horário do almoço a secretária acercou-se do patrão e indagou prestimosa:
– Chefe, eu sei que esse é um dia especial para o senhor. Por isso, que tal se almoçássemos juntos? Eu ficaria muito satisfeita com isso.
Como o Tião Melis, por razões óbvias, concordou de pronto com a idéia, os dois se dirigiram a um restaurante bem agradável localizado na entrada da cidade, e ali ficaram por quase duas horas, em clima descontraído, saboreando inicialmente a deliciosa refeição que lhes foi servida, e se entretendo, depois, em uma conversa animada sobre assuntos extremamente interessantes, a tal ponto que o aniversariante, esquecido das decepções que tivera no início da manhã, se mantinha tranqüilo e sereno, sem prestar atenção no tempo que tiquetaqueava da forma contínua e implacável como sempre procedeu. Mas em determinado momento a secretária abriu um parêntese no bate-papo e sugeriu em tom de voz persuasivo:
– O dia está tão agradável, o senhor não acha? Pensando bem, que tal irmos até a minha casa, onde poderemos tomar um drinque e relaxar um pouco. É boa idéia?
Todo mundo sabe que formiga doceira não pode ver açúcar porque logo se assanha, não é mesmo? A mesma coisa acontece com o homem necessitado da companhia de uma mulher compreensiva, principalmente quando ele está se sentindo solitário e abandonado. O Tião Melis não pensou duas vezes para a aceitar a proposta, mas na mesma hora sua imaginação começou a antever – e com justa razão – o que poderia acontecer entre as quatro paredes da residência, porque homem e mulher em boas condições físicas, estando sozinhos no quieto de um lugar qualquer, sem ninguém por perto para inibi-los ou acanhá-los, só podem terminar fazendo aquilo que o instinto de bicho macho e bicho fêmea lhes determina, acabando agarrados um no outro. Então, chegando lá, ela lhe disse:
– Sirva-se à vontade, chefinho. O barzinho fica logo ali. Eu vou colocar algo mais confortável e já volto.
E ela entrou em seu quarto com um sorriso misterioso no rosto, de onde saiu uns cinco minutos depois em companhia da mulher do Tião Melis e dos seus três filhos, todos gritando em regozijo, numa alegria só:
– Parabéns pra você!!!… Feliz aniversário!!!
E lá estava o Tião, coitado, nu, só de meias e com cara de ser angelical, deitado de costas no sofá, barriga apontando firmemente para o teto, como se estivesse esperando a chegada de alguma coisa pra lá de boa.