Bateu-me o desespero quando percebi pessoas arrancando o meu telhado. Um monte de pensamentos tomou conta de minha mente. Vi, como se fosse agora, como era este lugar antigamente, a romântica Lagoinha de verdes matas, águas límpidas e poucas construções. Quando fui erguida, com uma janela e uma porta na fachada, o João Luiz Redondo ainda trabalhava em sua olaria pouco abaixo da lagoa¹. Dizem até que foi ele quem atirou naquele pequeno avião que pousou aqui em Patos². Será que foi ele mesmo ou é apenas fofoca do povo? Por aqui praticamente não havia ruas, apenas sendas pelo matagal. O tempo passou, as consciências que me habitavam foram se transformando em gente estranha, tiraram a porta da fachada para instalar outra janela até que todos sumiram, ficando eu sozinha, desamparada. Ó Alvarina, quanta saudade de você e de seu marido Pedro Paulino que viviam nos visitando. Hoje, chamam esta rua de Anicésio Vieira e a casa ainda está lá aconchegando a filha Cândida³. Até quando? E quando senti meu telhado sendo retirado de minhas costas percebi imediatamente que iria embora para sempre antes da casa de vocês. Desde nova fui simples e humilde. Sem o meu telhado, sinto cruelmente que estou prestes a encerrar o meu ciclo de vida. E quando eu for ninguém mais se lembrará de mim, a não ser as consciências que me habitaram. Mas vou em paz, consciente, e mesmo não sendo reverenciada como os casarões da elite, jamais deixarei de fazer parte da existência da cidade. Então, serei apenas uma lembrança boa. Mas, enfim, lembrança boa é assim mesmo, um sorriso no começo e uma saudade no fim.
* 1: Leia “Parque João Luiz Redondo”.
* 2: Leia “1.º Pouso de um Avião”.
* 3: Leia “Residência da Família de Pedro Paulino dos Santos”.
* Texto e foto (04/01/2017): Eitel Teixeira Dannemann.