Não se sabe quando aconteceu, se foi nos tempos da velha Matriz ou na Catedral de Santo Antônio. Ou quem sabe na Igreja do Rosário ou dos Capuchinhos. O que se sabe é que nos idos tempos um cidadão patense estava se remoendo por causa dos insanos pecados praticados ao longo de seus 45 anos de vida. Cansado da vida desregrada, sem sucesso e repleta de infortúnios, considerou por bem, talvez iluminado por uma luz divina, se confessar. Então, numa quinta-feira de tardinha, disposto a aliviar sua alma para a purificação eterna, lá foi o desalmado disposto a abrir o coração ao padre mais conhecido e carismático.
O padre, sereno com seus enormes olhos azuis, se embasbacava com as imundícies que seu palestrante dizia. E lá, naquele imbróglio santo de única via, na tentativa de provar ao incauto ali à sua frente que todo ser humano tinha suas fraquezas, o clérigo disse que fora uma alma pecadora salva por Deus. Terminada a sessão confissionária, o conhecido e carismático padre decretou severamente:
– Mesmo com todas estas sandices relatadas, mesmo para um ser humano tão vil como ti, há salvação sim, desde que nunca mais cometa um só pecado, como eu, que em nome de Deus estou propenso e lhe salvar. Mas antes, terás que passar por uma humilhação pública, para que sirva de exemplo a todos. O seu único caminho para a salvação é contar ao povo as maldades que praticaste. Aí sim, depois da rendição absoluta perante um povo santo, ungirei sua alma e te libertarei desta maldição para que se torne um homem probo e protegido pelo Divino.
O fulano pecador ficou cabisbaixo, sisudo e injuriado com a posição do padre, não concordando de jeito algum em expor seu menu de impropérios ao público ávido de sofrimentos alheios. Afinal, confissão não é segredo? Na verdade, ele ficou revoltadíssimo. Mas, para não cometer uma desfaçatez dentro da casa de Deus e complicar mais ainda sua condição de futuro morador do inferno, prometeu ao padre que daria um depoimento público na missa do próximo domingo.
Dito e feito. A igreja estava abarrotada, recorde de presenças. Era um silêncio sepulcral, todos esperando o pronunciamento pecaminoso. O fulano então se postou à frente do altar, mirou com atenção cada olhar penetrante que varava sua alma e disse:
– Meus senhores e minhas senhoras, na quinta-feira passada o padre me contou que esses meninos de olhos azuis que tem na cidade são todos filhos dele.
O carismático João Sineiro fazia parte da plateia embasbacada por ouvir aquelas palavras. Mesmo assim, dizem, que o sino tilintou setenta e seis vezes. Em meio ao tilintar, o padre ficou desconjurado, saiu de fininho e no mesmo dia se mudou da cidade. O excomungado continuou sua rotineira vadiagem. E durante muito tempo, quando nascia um menino, a primeira preocupação era verificar a cor de seus olhos. Dizem que os muito antigos daquele tempo que ainda estão vivos se remoem de preocupações quando do nascimento de netos, bisnetos, trinetos…
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann, baseado em depoimento de José Rodrigues Filho (71), texto 84 de título “A Vingança do Pescador”, arquivado na fita n.º 05/A, do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Entreafoliaeocaos.blogspot.com.