ALGUMAS LEMBRANÇAS DE 1913

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ATEXTO: JOSAFA (1967)

Estas notas não têm pretensão de fazer história: escritas às pressas, ao rabiscador não sobrou tempo para compulsar documento ou mesmo consultar pessoas participantes de certos fatos aqui narrados.

Lá por volta de 1912, 1913, eu achava Patos uma cidade grande e linda; hoje, passado mais de meio século, guardo ainda na memória a beleza que isto era; era mesmo bonita, muito bonita.

Para quem vinha à cidade e chegava pela estrada da Mata dos Fernandes ou do Limoeiro, o panorama oferecia um espetáculo deslumbrante; o pequeno conjunto de casas se espalhava desde a “Beira da Lagoa”, hoje bairro Rosário, até onde está hoje o Cine Tupan; aí terminava a cidade propriamente dita; em seguida o cerrado, e aqui e acolá uma ou outra casinha isolada; e longe a Lagoa Grande, que naquele tempo era grande e maravilhosa; e lá ainda havia patos selvagens, os patos que deram o nome à nossa terra. Com seu largo da Matriz, meia dúzia de ruas sem nome, escavacadas pelo trânsito de carros de boi e pelas enxurradas, fartas de poeira ou de lama, fazendo a estação, iluminada à noite apenas pela luz dos lampiões a querosene projetada pelas largas e numerosas portas das casas comerciais que ficavam abertas à noite enquanto conviesse aos seus donos; com suas casas de madeira e adôbe, sem numeração, seus grandes quintais, seus poços (cisternas aqui chamadas), sua água de beber carregada da “biquinha”. Que cidade encantadora!

O largo da Matriz era fechado pela Igrejinha do Rosário; além, algumas casas esparsas, o cemitério (onde hoje é o forum Olympio Borges); depois a estrada para Lagôa Formosa, a estrada para Santana, que atravessava o Rio Paranaíba por uma velha ponte de madeira no mesmo local onde existe a atual. Bem ao lado da Matriz era a casa do Totó, com vistoso letreiro e um cachorrinho pintado na parede; subindo o largo, passava-se pela “Casa da Sinceridade e da Barateza”, de Antônio Cândido Borges, o Tonico Borges; o prédio existe ainda, bem ao lado da Catedral; seguindo no mesmo sentido, era onde hoje reside a viúva Zama Alves; a “Casa Tonho”, de Antônio Dias Maciel, o Tonho Dias; era lá a residência da família e a Coletoria Estadual, pois o Tonho era também Coletor; Olinto Maciel era o sócio gerente, auxiliado por um rapagote troncudo, o Juca Caixeta. Onde é hoje a Escola de D. Madalena era a casa comercial do Cap. Aurélio Caixeta, onde o velho Juca Borges trabalhou até se aposentar. Subindo a hoje rua Major Gote, onde está o Magnífico Hotel, a “Casa Virgílio Borges & Deiró”, de propriedade do Cap. Virgílio Borges e do saudoso Deiró Eunápio Borges, onde também trabalhava Ananias Pinheiro alisando as suas barbas patriarcais; mais adiante, a Casa Gotte, de Sesóstris Dias Maciel, o Major Gotte; o prédio ainda existe com modificações e pertence ao Otávio Magalhães; logo adiante, no mesmo alinhamento, o rancho dos carreiros; era propriedade do Major Gotte e lá vivia um prêto tôlo, de nome Davi, e ali terminava a cidade.

A hoje rua Olegário Maciel era, depois do largo da Matriz, a rua principal da cidade; havia uma única farmácia, de propriedade do Major Carlos Soares, sôgro do nosso conhecido Otávio Borges; um médico, o Dr. Eufrásio Rodrigues; um advogado, o Dr. Marcolino de Barros; não havia dentistas diplomados; pouco tempo depois havia mais dois médicos, o Dr. Adélio Maciel e Dr. João Borges e a farmácia de Agenor Maciel, farmacêutico diplomado. A vida social da cidade se resumia nos bate-papos à noite, nas casas de negócio, (como eram chamadas), nas visitas, nos bailes e no jôgo de víspora. Os bailes eram em geral ao som da sanfona e já havia sanfoneiros notáveis como o Chicada, que também era muito bom violonista. Dançava-se valsa, polca, mazurca, e um baile que se prezasse havia de terminar em quadrilha; havia poucos marcadores; o nosso Zico Amorim, marcava em francês – terminava àquele tempo o seu curso, pois, em 1914, já era farmacêutico estabelecido; havia uns três pianos na cidade que funcionavam nas festas, mais aristocráticas e “assustados” familiares.

Jogava-se víspora em várias casas, em família; o dono da casa tirava o “barato” para custear o café com biscoitos oferecidos aos presentes.

Uma das vísporas mais frequentadas da época era o da Sinhàzinha do Zé Caixeta; o pão de queijo da Sinhàzinha era afamado e até hoje lembrado com saudades pelo seu inigualável sabor.

Não possuía a cidade hotel ou pensão; o primeiro hotel surgiu, creio que em 1920, construído pelo Cap. Virgílio Borges, e ainda aí está, o Hotel da Luz, hospedando muita gente boa. O que havia era o Rancho, do Cap. Virgílio, ao lado da casa comercial; nele é que os cometas arranchavam com seus camaradas; os cometas viajavam com “tropa” que conduzia as canastras de amostras, os objetos de uso pessoal e a cozinha; dois camaradas, um arrieiro e um cozinheiro. A chegada de um cometa à cidade punha em alvorôço a população; à frente da tropa marchando gardosamente a madrinha, em geral um burrinho gracioso, cheio de guizos chocalhantes e que tinha o privilégio de não conduzir nenhuma carga. Parava o cortêjo em frente ao Rancho; descidas as canastras, desarreiada a tropa, em poucos minutos estava ela perfilada, cada animal com seu bornal à bôca, mastigando a sua ração de milho; e a gente ficava embasbacada com a disciplina e a obediência dos burros e com a habilidade do arrieiro.

O cometa, quase sempre um guapo lusitano, era personagem importante e muito cortejado; bem falante, era portador das últimas novidades sôbre política, sôbre modas, sôbre tudo. Era quase certo haver um “arrasta pé” durante a sua permanência na cidade.

Àquela época, aportou ao Rancho, não um cometa com sua tropa, mas um cavalheiro de ar distinto, boas maneiras ostentando um austero cavanhaque; chegou “escoteiro” conduzido à dextra um burrinho cargueiro com duas canastras que continham além de sua bagagem pessoal, alguns baralhos e um pano verde pintado, coisa nunca vista em Patos; a novidade trazida era um jôgo de Campista; o cavalheiro ficou conhecido como Capitão Emidio e foi assim o introdutor do jôgo de Campista na cidade. O curioso é que o Capitão Emidio ensinou o jogo a determinado grupo; e os discípulos aprenderam tão bem a lição que em pouco tempo, “ganharam” todo o dinheiro que o professor possuía.

Sem dinheiro, não tinha mais condições para jogar; viveu agregado à família do Cap. Virgílio Borges, a quem se afeiçoou especialmente ao garôto Teodoro, a quem carinhosamente chamava de “Chebê”. Daí, a Campista ou Pavuna se alastrou pela cidade, criando grande número de aficcionados. Entre estes estava o famoso Cubu; chamava-se Manoel Borges de Mendonça, armeiro de profissão, baixote, atarracado, moreno; solteirão, morava só; à noitinha comparecia à reunião da Casa Tonho, para o bate-papo; fizesse frio ou calor, aparecia sempre vestido com um “Cavour” (um capote usado no tempo e devia o seu nome ao Conde Cavour, político italiano que usava o modelo); cavour e bengala. Cubu, um tipo que merece ser bem estudado, era de franqueza rude, irreverente, nervoso, especialmente quando perdia na Pavuna, emitia suas opiniões sem pretensão de agradar e sem mêdo de desagradar. É certo que em certa ocasião, quando na roda falava-se de viagens, saiu-se com esta: “Ora, você estão falando em ir ao Rio de Janeiro, e São Paulo e até à Europa para ver coisas – Bobagens; para que sair dos Patos? O que vocês não virem aqui não verão em parte alguma do mundo”. O que o Cubu queria dizer com muita ironia e sutiliza era que em Patos tudo podia acontecer.

Em 1913, havia em Patos três escolas públicas, duas para o sexo masculino e uma para o sexo feminino; as primeiras eram regidas, uma pelo prof.º Leonides de Mello Ribeiro, outra pelo prof.º Felipe Corrêa. A prof.ª da escola feminina era D. Tereza Rodrigues, ainda viva, residindo nesta cidade em companhia de seu genro e filha, casal Tonico Magalhães. Havia o Colégio São Geraldo, dirigido pelo prof.º Oscar Rodarte, escola particular, impunha nela o prof.º Oscar a sua disciplina e o seu método de ensino; em cima da mesa do mestre, uma rígida e sólida “Santa Luzia” de madeira de lei, e 5 furos e posso garantir que funcionava; funcionava das 7 às 11 horas e do meio dia às 5, sem recreio; eram 9 horas diárias de “escola”; lá em dois anos, tive de aprender a ler, escrever, decorar a gramática de João Ribeiro, uma história do Brasil de perguntas e respostas – aprender tôda a aritmética Progressiva de Antônio Trajano; e ainda decorar poesias, (ah, “Os meus oito anos” do velho Casimiro de Abreu) e discursos para as festas de fim de ano, que recitava tremendo de mêdo de “engolir o começo”; mesmo assim lembro com saudade aquêle tempo, especialmente os colegas – Teodorico e José Teodorico Borges, Alceu Amorim, Hasenclever Borges (Nenê), Orlando de Barros, Pico Josalfredo Borges, Leovigildo Pinheiro, Marciano Magalhães Filho, Lilita Borges Nogueira, Maria José Nogueira, Maria da Conceição Borges, Elza, Valda e Anita Magalhães, Vicente e Gaspar Santana e muitos outros.

Havia muita rivalidade entre os alunos das escolas públicas e os do prof. Oscar. Havia um grupo da escola do prof.º Leonides liderado pelo Leopoldo Maciel que estava sempre a provocar os da escola particular; as brigas eram inevitáveis; e o pior era que, quando o prof.º Oscar sabia de uma briga de aluno seu na rua, ainda era castigado na escola com pelo menos meia dúzia de bolos bem puxados.

Por incrível que pareça já existia em 1913, em Patos, um automóvel, um caminhão, uma motocicleta e uma bicicleta; estradas para automóveis não havia num raio de cem léguas; as estradas existentes eram feitas pelos carros de boi; pois aqui chegaram o automóvel e o caminhão; os leitores podem imaginar o tipo de máquina que era aquilo; mas foi um grande sucesso; a motocicleta durou pouco; enguiçou e não havia por aqui com que repará-la; pertencia a Sesóstris Maciel Filho. Não sei quem foi o dono da primeira bicicleta; sei que passou por diversas mãos e foi encostada especialmente por falta de pneus.

Quando a gente ouvia um ronco de motor – alguém dizia – é o caminhão; outro, não é, é o automóvel; e entre a garotada surgia apostas e olhava com inveja o que acertava, porque se mostrava conhecedor de automóveis. É claro que veio um chofer do Rio de Janeiro; era então uma das pessoas mais importantes da cidade; bem apessoado, desfrutava grande prestígio entre as môças casadeiras da época; chamava-se Albino.

* Fonte: Texto publicado com o título “Memórias de um Patense Sexagenário” nas edições de 24 de maio e 08 de junho de 1967 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Oestadorj.com.

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