ALGUMAS LEMBRANÇAS DE GERALDO FONSECA

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largoHouve um tempo, em minha molequice, no sem o que fazer a não ser a pegar aos curiós, bicudos e pintassilgos na Lagoinha, ou natação no Córrego do Monjolo, poço do Chico Milota, brejo do Beco Novo, e outras plagas que a turma ia desbravando, a gente por vezes se punha a pensar coisas que não diziam àquela quadra da nossa vida.

Uma delas, era a biblioteca. Por que os Patos não tinham uma biblioteca? Particulares, poucas havia. A do Zama Maciel, onde fascinava-me uma bíblia destamaninho, em papel arroz japonês. Da rua, pois naquele tempo ainda não existiam passeios beirando as casas, lá na parte dos Borges, a gente via pelas janelas estantes cheias de livros. Mais tarde, quando aprendi a ler, pude saber que aqueles escuros, com letras douradas nas costas, eram “O Tesouro da Juventude”. Tesouro que não estava ao alcance da gente, que buscava mantimento aos quilinhos nas vendas do Honorino Pereira, do Nonô, do Tonho, do Nico, do Ibrahim Pereira.

Que bom haveria de ser, se aquela livraiada pudesse ser apalpada, cheirada, lida com muita fome de leitura, quando a gente sentisse vontade de ler. Sem atrapalhar os piqueniques na Mata do Juca Santana ou os treinos no Sobradinho, para entrar no time de bola do Cavaca-Negro! Ao que me lembro, livraria mesmo, só vim a conhecer a da Casa das Representações, montada pelo Geraldo Ferreira. Antes, houve a do Alfredo Borges, com pouca coisa além das dramáticas narrativas de João de Calais, as extemporâneas façanhas de Carlos Magno e seus sequazes de tavolagem, o testemunho por Watechion e Capuleto. Aqui, quanto aos amores de Romeu e Julieta, certa feita chegamos a fazer paralelo, muito à patureba, entre a Verona à beira do Adige e os Patos às margens do Paranaíba. Entre a política, de cima, dos Maciéis, e os de baixo, os Borges. Entre mancebos da parte alta e belas e virtuosas donzelas da parte baixa. Certo dia, conhecendo dessa bobagen de comparativos, meu pai observou que o Coronel Farnese, um Maciel, era casado com dona Adelaide, uma Caixeta. Como não os conheci na mocidade, nem me interessava pelo degládio político, preferi ficar em Verona mesmo, empolgado com o Romeu Leslie Howard e a Julieta Norma Shearer.

Mas, saindo do assunto – a biblioteca – demos uma volta lá pelo alto do Cerrado, Boca da mata, Catingueiro, Aragão e Patrimônio. Pois, não é que, agora, há uns tantos dias passados, achei um documento interessantíssimo, no Arquivo Público Mineiro, com o qual vamos encerrar esta conversa. Sem comentários. Textualmente:

Esta intendência considerando que a verba de conto de réis votada pela lei 3714 de 13 de agosto de 1889, para auxílio de canalisação dágua de Sant’Anna, e egual para a da Lagoa Formosa, tão cedo não poderão ter seu destino, visto os habitantes d’aquellas povoações não tractarem de semelhante obra; considerando que a verba do conto de réis destinada a biblioteca desta Villa, não é suffeciente para a compra de casa e livros que são mais indespensáveis; resolveu em sessão de hoje vos pedir a transferência de taes verbas para a canalisação do rego d’água que abastece esta Villa, que, incorporadas a que já existe, pode-se canalisar mais da metade do rego, o que já é de muita vantagem e conviniencia.

Approveita do ensejo para vos pedir mais a quantia de cinco contos, afim de completar o encanamento e fazer-se diversos chafarises na povoação. Esta intendencia espera de vossa benevolência a graça que ora pede. Saude e Fraternidade.

Paço do Conselho de Intendencia de Patos em sessão de 1.º de maio de 1891.

Ao Exmo. Snr. Doutor Governador do Estado de Minas gerais.

O Presidente Jeronimo Dias Maciel, Arthur Thomaz de Magalhães, Virgílio Xavier Lopes Cançado.

* Fonte: Texto publicado com o título “Conversando com os Paturebas – IV” na edição de 12 de agosto de 1976 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 01/02/2013 com o título “Largo da Matriz na Década de 1940”.

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