O cão Excalibur, da auxiliar de enfermagem espanhola infectada com o vírus Ébola, foi sacrificado dia 08/10/2014 por decisão das autoridades, anunciou o governo regional de Madri em um comunicado. A eutanásia do cão gerou protestos de ativistas de defesa dos animais em frente ao prédio da paciente, que está internada em isolamento no Hospital Carlos III. O cão representava “um possível risco de transmissão da doença para o homem”, argumentou o governo regional, pouco após a saída dos agentes da casa da mulher. “O animal foi sedado antes para evitar sofrimento”, acrescentou.
O serviço de Saúde do governo madrilenho se justificou explicando que os cães podem ser portadores do vírus, sem apresentar os sintomas da doença. “Consequentemente, não existe garantia de que os animais infectados não eliminam o vírus através de seus fluidos orgânicos, com risco potencial de contágio”, acrescentou. O marido da enfermeira espanhola, Javier Limón Romero, lançou uma campanha na internet para tentar salvar o cachorro do casal.
A campanha pedia que o cão fosse colocado em quarentena ao invés de ser sacrificado, destacando que não se tratava apenas de um animal, mas de “um membro da família”. A petição na internet registrou milhares de assinaturas e recebeu apoio de ativistas de defesa dos animais nas redes sociais.
Um furgão veterinário levou o cão por volta das 18h30 locais (13h30, no horário de Brasília), após horas de espera e de protesto dos ativistas que estavam em frente ao prédio e que exibiam cartazes com frases como “Excalibur, the world is with you” (Excalibur, o mundo está com você). Duas pessoas ficaram feridas no protesto, entre elas um homem de 30 anos que foi socorrido com traumatismo craniano, informou o serviço regional de emergência. A polícia informou não ter registrado feridos. A dona do cachorro, Teresa Romero Ramos, de 44 anos, foi hospitalizada depois de ser diagnosticada com Ébola, tornando-se a primeira pessoa contaminada com a febre hemorrágica fora da África. Ela fazia parte da equipe médica que tratou de dois missionários espanhóis, repatriados da África, que morreram com a doença em Madri, em 12 de agosto e em 25 de setembro, respectivamente.
A febre hemorrágica causada pelo vírus Ébola já matou 3.439 pessoas na África Ocidental dos 7.478 casos detectados em cinco países (Serra Leoa, Guiné, Libéria, Nigéria e Senegal), segundo o último balanço da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O debate em torno do abate do cão da auxiliar de enfermagem espanhola infectada com o vírus do Ébola já extravasou a questão dos direitos dos animais e entrou em terreno científico. Afinal, os cães também podem ficar infectados pelo vírus? E, nesse caso, transmiti-lo às pessoas? Não há uma resposta taxativa, apenas algumas pistas nesse sentido. Além dos humanos, o vírus pode matar vários animais, como chimpanzés e gorilas, e pensa-se que os morcegos frutíferos da África são o seu reservatório natural.
Só existe um único estudo sobre a infecção do Ébola nos cães. Publicado em 2005, na revista Emerging Infectious Diseases, dos Centros para o Controlo e Prevenção das Doenças dos EUA, o estudo foi feito no Gabão depois de um surto humano em 2001-2002. A equipa de Eric Leroy, diretor do Centro Internacional de Investigações Médicas de Franceville (Gabão), estudou 337 cães no território gabanês, a maioria em zonas atingidas pelo surto, à procura de anticorpos específicos contra o Ébola desenvolvidos pelo sistema imunitário dos animais, bem como proteínas do vírus (antígenos) e material genético viral. Os cientistas detectaram a presença de anticorpos contra o vírus no sangue de vários cães – o que é um sinal indireto de que os animais estiveram em contato com o vírus do Ébola, já que houve uma resposta imunitária contra ele. Mas não detectaram nem antígenos do vírus nem material genético dele, o que significa que não detectaram o próprio vírus nos cães.
É neste sentido que foram os esclarecimentos do diretor-geral da Saúde português, Francisco George: “O vírus não foi nunca detectado no cão”, garantiu. “No plano da precaução, a questão do cão foi considerada importante, porque não se sabe até que ponto pode ou não ter a infecção e se é, portanto, uma fonte eventual de transmissão.” Essa possibilidade está nas conclusões da equipa de Eric Leroy, atendendo à presença de anticorpos contra o vírus no sangue dos cães: “Este estudo sugere que os cães podem ser infectados pelo vírus do Ébola e que a suposta infecção é assintomática”, diz a equipa no início do artigo.
Segundo as observações da equipe, os cães poderão ter sido infectados ou por animais selvagens doentes ou pelos seres humanos. “Observamos alguns cães a comer restos de animais mortos infectados pelo Ébola, trazidos para as aldeias, e outros a lamber o vomitado de pessoas infectadas”, relatam os cientistas. “Em conjunto, os resultados sugerem fortemente que os cães podem ser infectados pelo Ébola e que alguns cães nas aldeias foram contaminados durante o surto humano de 2001-2002”, refere o artigo, acrescentando que nenhum dos cães altamente expostos ao vírus nesse surto desenvolveu sintomas. “Tendo em conta a frequência dos contatos entre humanos e cães domésticos, a infecção canina de Ébola deve ser considerada como um fator de risco potencial para a infecção humana e a propagação do vírus. A infecção humana pode acontecer através de lambidelas, mordeduras e afagos”, refere-se ainda no artigo.
Os cientistas também destacam a hipótese de os cães, abundantes nas aldeias africanas, poderem transmitir o vírus às pessoas: “Os cães infectados sem sintomas podem ser uma fonte potencial de surtos humanos de Ébola e da disseminação do vírus durante surtos humanos, o que poderá explicar alguns casos humanos sem relação epidemiológica”, escrevem. E mencionam vários surtos humanos de origem ainda hoje desconhecida, na República Democrática do Congo, no Gabão e no Sudão, cuja gênese poderia assim ter uma explicação. O vírus do Ébola foi identificado pela primeira vez em 1976, numa região perto do Rio Ébola, no antigo Zaire, atual República Democrática do Congo.
* Fontes: G1.globo.com e Publico.pt (Teresa Firmino).
* Foto (Institutoconscienciago.com): Esse modelo molecular mostra partes dos vírus do Ébola que os cientistas estudam na tentativa de produzir medicamentos que reduzem a propagação da doença.