As infecções parasitárias acometem cães de todas as idades, mas usualmente são mais prevalentes em filhotes. Isso se deve principalmente ao fato de que muitos parasitas utilizam vias de transmissão que expõem especificamente recém-nascidos ou neonatos e também porque os cães jovens não respondem imunologicamente de forma eficaz.
Ancylostoma caninum é um nematódeo hematófago do intestino delgado cuja principal forma de infecção é efetuada pela passagem de larvas pelo leite de cadelas lactantes. Os animais jovens são os mais frequentemente acometidos, porém ao longo da vida do animal a infecção continua a ocorrer pela penetração cutânea e pela ingestão de larvas juntamente com alimentos e água. Além disso, larvas encistadas na musculatura podem ser reativadas em situações de queda de imunidade ou de administração de anti-helmínticos (vermífugos), promovendo a recolonização periódica do intestino. A gravidade das infecções depende da via de infecção, do número de formas infectantes e da resposta imune desses hospedeiros. Em cães jovens, a passagem de larvas pelo leite pode ter consequências fatais ou ser responsável pela produção de quadros de anemia hemorrágica aguda ou crônica acompanhada de diarreia que pode conter sangue e muco. Em cães adultos podem causar deficiência de ferro e anemia.
Uma segunda espécie do gênero é Ancylostoma braziliensis. Por ser menos voraz é também menos patogênica. Larvas infectantes de ambas as espécies podem penetrar na pele de seres humanos causando a Dermatite Serpiginosa ou Larva Migrans Cutânea (LMC), conhecida popularmente por bicho geográfico. A penetração dessas larvas na pele provoca, inicialmente, uma reação intensamente pruriginosa e constitui um importante problema de saúde pública no Brasil.
O Toxocara canis é também frequentemente encontrado no intestino delgado de cães. A principal via de infecção é pela passagem transplacentária de larvas que se encontram encistadas nos tecidos das cadelas prenhes. Por isso, e também por causa da ubiquidade desse verme, aproximadamente 80% dos cães com menos de seis semanas de idade possuem exemplares em seus intestinos, podendo ou não eliminar os ovos nas fezes e morrer em consequência do parasitismo. Embora seja uma infecção frequente em animais jovens, cães adultos podem permanecer susceptíveis e contribuir para a contaminação ambiental. Os efeitos da infecção dependem da idade do animal, do número, localização e estágio de desenvolvimento dos vermes. Em infecções maciças, a migração de grande número de larvas pelos pulmões pode provocar tosse, aumento da frequência respiratória e corrimento nasal espumoso; os vermes adultos no intestino podem causar obstrução intestinal, dos ductos colédoco e pancreático.
A infecção humana por Toxocara canis ocorre pela ingestão de ovos larvados presentes no solo poluído, em objetos e mãos contaminadas com fezes de animais parasitados. O parasita não atinge a maturidade nesses hospedeiros, mas as larvas permanecem vivas migrando erraticamente nos órgãos internos, produzindo uma patologia denominada Larva Migrans Visceral (LMV), ou invadindo o globo ocular e causando a Larva Migrans Ocular (LMO), geralmente provocando cegueira unilateral e outras formas inespecíficas de enfermidades. Crianças entre 2 e 5 anos de idade são mais frequentemente infectadas. A convivência direta com cães não é indispensável para que ocorra a infecção, basta que se entre em contato com o solo contaminado com excremento de cães parasitados.
Os principais cestódeos parasitas gastrintestinais de cães pertencem às famílias Dilepididae (Dipylidium caninum) e Taeniidae (Taenia sp. e Echinococcus sp.). A maioria deles é bastante adaptada a esses hospedeiros não lhes causando grandes transtornos. Na família Dilepididae, o Dipylidium caninum é a espécie mais comumente encontrada no intestino delgado de cães e constitui uma zoonose. Como o potencial de transmissão entre os cães é em função da densidade populacional de pulgas, que são hospedeiras intermediárias do parasita, as prevalências são variáveis, podendo ser tão elevadas quanto 60%. O parasitismo é considerado pouco patogênico. Os cães podem tolerar centenas de vermes adultos sem manifestarem sintomatologia. A infecção humana por Dipylidium caninum resulta da ingestão acidental de pulgas parasitadas. Em crianças o parasita pode causar desconforto ou dores abdominais, diarreia, prurido anal e irritabilidade nervosa.
A maioria das espécies do gênero Echinococcus tem por hospedeiro definitivo os canídeos domésticos ou silvestres e as larvas, ou cistos hidáticos, se desenvolvem em diversas espécies de mamíferos, inclusive no homem. Os vermes adultos não são patogênicos para os cães, já que estes hospedeiros podem suportar um elevado número de parasitas sem apresentar sintomatologia clínica. Por outro lado, as formas larvais desses parasitas infectam animais domésticos ou o homem, fazendo com que o parasitismo constitua um grave problema tanto econômico como de saúde pública.
São reconhecidas cinco espécies do protozoário Giardia que habitam o trato intestinal de virtualmente todas as classes de vertebrados, porém Giardia duodenalis é a única espécie encontrada em seres humanos e na maioria dos mamíferos domésticos e silvestres. Até recentemente, a transmissibilidade entre cães e seres humanos era considerada uma possibilidade carente de confirmação. Estudos de epidemiologia molecular têm revelado que os cães podem ser infectados tanto com os seus próprios genótipos de Giardia bem como com genótipos zoonóticos. Embora os cistos provenientes de fezes humanas sejam os principais responsáveis pelos casos de infecção humana, dados obtidos em diferentes regiões sugerem a necessidade de se examinar a transmissibilidade deste protozoário entre hospedeiros que compartilham a mesma área geográfica em regiões endêmicas. O grande número de indivíduos que vivem em comunidades onde a precariedade de habitação favorece a convivência promíscua, principalmente entre crianças e cães, a falta de saneamento básico e as elevadas prevalências de Giardia nesses hospedeiros fazem com que a transmissão zoonótica desse protozoário seja uma possibilidade que não pode ser negligenciada.
Os cães são hospedeiros definitivos de um grande número de espécies de Sarcocystis cujos hospedeiros intermediários incluem mamíferos domésticos e silvestres e também aves. As espécies de Sarcocystis que têm o cão por hospedeiro definitivo são consideradas apatogênicas para este hospedeiro. Cryptosporidium spp. é um coccídio intestinal que afeta diversas espécies de animais domésticos e também o homem. Os cães infectados podem constituir uma fonte de infecção para o homem, especialmente, para indivíduos imunocomprometidos. Além disso, outras espécies de Cryptosporidium têm sido encontradas em amostras clínicas provenientes tanto de indivíduos imunocompetentes como de imunocomprometidos. Em cães, as infecções por Cryptosporidium são mais severas em animais jovens e podem ser exacerbadas por estresse e imunossupressão. A criptosporidiose foi diagnosticada pela primeira vez em cães em 1983 e tanto no cão como em outros hospedeiros o parasitismo provoca atrofia das vilosidades intestinais. Muitas infecções de cães com C. parvum são assintomáticas, porém infecções simultâneas com o vírus da cinomose podem levar à doença clínica. Apesar da eficácia e segurança dos produtos disponíveis para prevenção e controle das enteroparasitoses, em todo o mundo existem evidências de que as infecções por parasitas emergentes ou reemergentes estão aumentando nos animais de companhia.
O exame microscópico de fezes ainda é a base do diagnóstico de grande número de enfermidades parasitárias, pois possibilita a detecção das formas evolutivas de helmintos e protozoários com 100% de especificidade. No que diz respeito aos parasitas, pode-se dizer, de modo geral, que em fezes diarreicas encontram-se predominantemente trofozoítas de protozoários, enquanto que em fezes formadas, predominam cistos. Ovos e larvas de helmintos podem ser encontrados em fezes de qualquer consistência. No que se refere aos parasitas intestinais de cães, o exame macroscópico das fezes pode revelar a presença de nematódeos adultos e, principalmente, proglotes de cestódeos. O uso desnecessário de parasiticidas além de trazer consequências indesejáveis para a saúde dos animais é considerado a principal causa responsável pelo desenvolvimento de resistência. Ao que tudo indica, no Brasil, o desinteresse em solicitar e realizar exames coprológicos e a prescrição indiscriminada de parasiticidas é também a regra.
É necessário ter ciência de que os custos dessa atitude são muito mais elevados para a sociedade brasileira. O pior deles, talvez seja a falsa sensação de segurança que faz com que muitos médicos veterinários se desobriguem de conhecer o ciclo evolutivo dos parasitas, sua epidemiologia e profilaxia e, sobretudo, que se abstenham do papel de agentes promotores de saúde pública responsáveis pela educação sanitária dos proprietários de animais.
* Fonte: Zoonoses Causadas Por Parasitas Intestinais de Cães e o Problema do Diagnóstico, de S. Katagiri; T.C.G. Oliveira-Sequeira – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Parasitologia, CP 510, CEP 18618-000, Botucatu, SP, Brasil. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.74, n.2, p.175-184, abr./jun., 2007.
* Foto 1: Drbigodes.pt.
* Foto 2: Larva Migrans Cutânea (bicho geográfico), de Slideplayer.com.br