FOLIA DE REIS DO SERTÃOZINHO

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DSC01353Os festejos da Folia de Reis são entendidos como uma representação produzida por sujeitos sociais que ainda têm o mundo rural como referência de vida, cujas experiências estão fundadas na sociabilidade comunitária, pois permite pensar a tradição como o momento em que o coletivo e o individual se unem, originando uma prática cultural comum aos sujeitos sociais nela envolvidos, capaz, por isso mesmo, de ser transmissível às futuras gerações. Tradição, desse ponto de vista, não são apenas rastros ou restos que, como lembranças, se diluem e se perdem no tempo. Mais que isso, tendo como suporte uma memória, retoma o passado consciente de suas perdas para projetar um futuro cuja identidade cultural seja porta-voz de sua luta para a manutenção da fé que sustenta e mantêm os laços de afetividade, onde o pobre e o rico, ali imbuídos dos mesmos ideais de manutenção dos costumes, sustentam e consolidam a memória coletiva.

Nem os próprios membros da Folia de Reis do Sertãozinho sabem precisar quando surgiu o grupo. Uma coisa é certa: ela chegou junto com os pioneiros da região, os primeiros desbravadores que se instalaram onde é hoje a comunidade do Sertãozinho e adjacências, com uma interatividade muito forte com o antigo distrito de Santa Rita, hoje município de Presidente Olegário. Para se ter uma ideia de tempo, Patos de Minas se tornou município em 29 de fevereiro de 1868. Além de alguns distritos, várias comunidades se espalhavam em torno da sede, da qual aqueles dependiam para quase tudo. Já nesta época, afirmam os membros da Folia de Reis do Sertãozinho, o grupo já pregava o nascimento do menino Jesus em 25 de dezembro e se estendia até o dia 06 de janeiro do ano vindouro, o dia de Santos Reis, quando o recém-nascido recebeu a visita dos Três Reis Magos.

Pela tradição, no período de 24 de dezembro, véspera de Natal, a 06 de janeiro, “Dia de Reis”, um grupo de cantadores e instrumentistas percorre a cidade e zona rural entoando versos relativos à visita dos Reis Magos ao Menino Jesus. Passam de porta em porta em busca de oferendas, que podem variar de um prato de comida a uma simples xícara de café. Escrito assim, a Folia de Reis torna-se muito simplista ao se fixar apenas na tradição religiosa e musical. Simplificar a Folia de Reis aqui na região de Patos de Minas como simplesmente uma tradição cultural não encaixa adequadamente no que ela representa para, principalmente, o Dispensário São Vicente de Paulo. Desde os tempos de Wulfrânio Patrício, que idealizou todo o processo, as Folias de Reis da região trabalham em prol de arrecadar dinheiro para ajudar aqueles que o Dispensário ajuda. Por isso, “não se deve qualificar a nossa Folia num geral como somente uma questão cultural”, diz Jorge Onofre.

DSC01347Jorge Onofre entrou para a Folia de Reis do Sertãozinho quando tinha sete anos de idade, em 1957. Sua primeira apresentação com o grupo ocorreu no Dispensário São Vicente de Paulo da Avenida Brasil, “com muita nervosia”. Na segunda, no PTC, se soltou bastante. E na terceira, na Rádio Clube, já estava totalmente integrado ao grupo. Em 1968, assumiu o posto de Capitão no lugar do pai que estava muito debilitado. Já são 57 anos de intensa dedicação e amor à Folia. Ninguém o obrigou a seguir o destino de seu pai, que inclusive lhe perguntou se queria dar continuidade ao trabalho. Foi por instinto, pelo prazer puro, pela beleza da proposta. Sobre os “Capitães”, conta Jorge que o primeiro que se tem notícia teve o nome de Vital. Sem saber especificar as datas, seu avô Francisco Carlos sucedeu a Vital. Depois de Francisco Carlos veio José da Silva. Depois deste, seu pai Sebastião Pereira da Fonseca. E precisamente a partir de 1968, ele, Jorge Onofre.

A Folia de Reis do Sertãozinho conta atualmente com 19 integrantes, incluindo um jovem portador de Síndrome de Down, Arthur, que toca muito bem o pandeiro e entusiasma com sua contagiante alegria não só os colegas, mas a todos que o assiste. Nem todos participam, pois cada um tem seu trabalho, mas todos fazem esforço extremo para comparecer a qualquer cantoria. Como componentes, capitão, resposta, 2ª voz, 3ª voz, 2º capitão, 4ª, 5ª e 6ª voz, caixeiros, sanfona, tamborim, reco-reco, triângulo, viola, violão. A camisa que identifica o grupo, que é o uniforme do grupo, é sempre doada a todos integrantes. Alguns instrumentos também são doados, e outros comprados com parte das rendas e premiações da Rádio Clube na época das campanhas. No caso deste ano, Sertãozinho fez campanha em 142 casas, tirando de casa em casa 2 reais de um, 5 de um, dez de outro, por aí. Arrecadaram 1.400 reais em Presidente Olegário e 7 mil em Patos. Todo o dinheiro foi entregue na Rádio e este repassado ao Dispensário São Vicente de Paulo. Como não há salário, pois o trabalho é voluntário, a manutenção deles mesmos e dos instrumentos e, acima de tudo, o descolamento para o local das cantorias também é da conta deles. Não há nenhuma instituição ou órgão cultural que apoia a Folia. Ao contrário, é a Folia que apoia alguma instituição, como o Dispensário, fundamentalmente.

Por falar em apoio, vale destacar um fator importante a respeito da Festa do Milho. Em meados da década de 2000 havia apresentações de Folias num imenso galpão que ficava na parte da frente do Parque de Exposições. Era um local bastante movimentado e por isso as Folias tinham um bom público. Pouco tempo depois transferiram as apresentações das Folias para o local chamado “Fazendinha”, que ficava atrás do Paiolão e só tinha movimento quando acabavam as atrações no Parque. Sobre isso, opina o Gerente da Folia de Reis do Sertãozinho, Joaquim de Oliveira: “Participamos duas ou três vezes, sem apoio algum, sem cachê e pior, sem público, por causa do horário, que era oito horas da noite. Não compensa nem ir”.

Presenciando uma cantoria da Folia de Reis do Sertãozinho percebe-se logo a união do grupo. Esta união, aliás, é sentida quando da chegada deles ao local, seja na cidade ou na roça. Joaquim de Oliveira conta da dificuldade de antigamente para cantorias na roça, pois quase ninguém tinha automóvel e o negócio era, às vezes, caminhar até um dia inteiro. Hoje, “O grupo é dividido nos carros daqueles que tem e não há mais distância pra nós, e quem vai de carona sempre ajuda no combustível, pois o carro pega cada um na casa de cada um”.

DSC01352Para Jorge Onofre, “A folia de reis é uma coisa, tem que ter muita fé para andar, sabe? Cumprir as promessas que é possível, todo mundo nos chama, nós vamos na casa dos pobres, nós andamos mais nas casas de gente pobre, atendendo… muitas folias dão muito dinheiro na rádio mas não cantam pros pobres, eles fazem é bingo, mas minha folia é procurada por todo o vale, porque temos muita fé, minha turma é muito unida. O ano todo tem atividade, pessoa chama para pagar um voto, uma promessa. Todos fazem o possível para comparecer, vão os que dão. O único ensaio que acontece é dia 13 de dezembro, só para uma ajustadazinha, pois a coisa acontece naturalmente. A ‘Bandeira’ representa tudo, é a guia, sem ela não somos nada, ela é a principal, quem carrega é o Alferes.” Sobre rivalidade entre as Folias patenses, Jorge enfatiza: “Não há rivalidade entre as Folias. Antigamente, tinha, e quando se encontravam praticamente tratava-se de um desafio. Aí D. Jorge disse: ‘Folia não pode ser assim, tem que haver união, salvando cada um a bandeira do outro’. Agora, hoje tem folia exibida, que só são amigos na rua e quando se encontram não faz conta”.

O Capitão e o Gerente são os dois membros que “dirigem” a Folia. O Capitão canta o nascimento completo (o do novo e do antigo testamento) e é o principal dirigente da Folia. O Gerente Joaquim, que mora em Sertãzinho, comanda o dia a dia da Folia, marcando as cantorias, arregimentando os integrantes da roça (hoje são poucos) e o Jorge (que mora em Patos) arregimenta os da cidade. Os dois afirmam que nunca houve desavenças e por isso nunca ninguém foi dispensado. “Há os desacordos comuns do dia a dia e uma conversa sempre resolveu, pois a Folia é muito unida. Vai porque gosta, porque se não tiver fé não vai, porque tem o dom”, explica Joaquim.

Há oito meses Jorge Onofre sofreu um AVC, mas felizmente não teve nenhuma sequela. Ainda emocionado, relembra de um fato que foi fundamental para que ele continuasse na Folia, principalmente como Capitão: “Quando meu pai faleceu há 19 anos eu já era Capitão e tinha a inscrição na Rádio, e lá perto do Parque de Exposição, três dias depois que ele tinha morrido, cancelei a inscrição e dispensei os foliões. Pra que! Foi então que meu pai, numa noite, apareceu no meu quarto e perguntou: ‘O que você está fazendo aqui? Você dispensou a Rádio e os foliões, não está dando certo com a Folia, tá me atrapaiando demais. Eu te passei a folia, vai lá e faz a inscrição de novo.’”

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fotos (18/05/2014): Eitel Teixeira Dannemann. Apresentação da Folia de Reis do Sertãozinho na Fazenda Três Barras, de Evando Nunes Caixeta (o Tainha das Batatas Palha Líder), na localidade de Retiro, próximo à Sertãozinho. Na primeira, segurando a Bandeira, Jorge Onofre e o Alferes Hélio Antônio da Fonseca. Na segunda, à frente o jovem Arthur. Na terceira, a cantoria.

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