GERALDINHO SIQUEIRA: O SILÊNCIO DA GUITARRA

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7TEXTO: RAFAEL GOMES DE ALMEIDA (1970)

Meus amigos, existem diversas formas de morrer e a mais suave é aquela em que se perde a vida. Nada pior do que morrer e continuar no meio dos vivos. Não existe cruz mais pesada do que aquela que se tem a carregar quando não se sabe ao certo onde termina o calvário nosso!

Se ainda me lembro bem, no Festival Intermunicipal da Canção, do ano de 1969, concorríamos, entre outros, o Geraldinho Siqueira e eu. Êle, seresteiro de tôda semana cantava o campônio na tristeza cabocla e quando vencia com mérito, esboçava um sorriso triste. Êle, mais moço que eu, cantava a nostalgia como se fosse vocação, porque o seu futuro deveria ser tranquilo e não se podia admitir nem por brincadeira, que o sorriso do Geraldinho fosse tão triste! Êle cheio de vida, mostrava na sua canção uma felicidade que não lhe parecia segura e quando dizia, nos versos, a palavra amor, a viola, conhecedora de sua alma, dava acorde de saudade.

Eu, mais sofrido que o Geraldinho, procurava cantar a tristeza mas fazia o contra canto da alegria. E havia mais, quando, nos versos, eu incluía saudade, até a viola, por não me conhecer, dava acordes de esperança.

Eu, mais velho que Geraldinho, sentia-me como se fosse criança também, quando o garoto pulava o muro de minha casa para fazer seresta que eu gostava tanto. No primeiro vozerio, eu sabia que os seresteiros estavam no pé, na varanda da janela do meu quarto. E quando começavam, eu gostaria de acordar, mas fingia dormir para que a seresta continuasse.

Eu, sem saber porque, dizia melhor os versos e sem saber porque, o Geraldinho dizia melhor a melodia. Era necessário que houvesse um casamento dos meus versos com melodia que o Geraldinho compusesse. Tanto quanto eu, ele pressentiu esta necessidade.

Chegamos a conversar e êle me deu a ideia para a letra. Seria uma letra triste como o seu sorriso, mas a viola daria os acordes da alegria que a gente precisava ter!

O tempo, sempre o tempo, se incumbiu de não permitir a parceria. Não sei porque e tenho certeza que nem o Geraldinho daria conta de me explicar. Sem que êle quizesse, as cordas da guitarra se calaram e os meus versos tristes não teriam o contra canto da alegria. Quando eu cantasse saudade, as cordas soluçariam tanto que talvez cessassem de cantar. Se eu dissesse alegria, as cordas gritariam de tal forma, que a saudade tomaria conta do meu verso!

Geraldinho, até para morrer você foi melhor do que eu! Hoje, os meus versos tristes já não têm parceiro, e as serestas serão mais tristes que meus versos. O que me consola e me consola muito, é saber que você saiu do mundo dos homens e foi morar no Mundo de Deus. Você não morreu, menino do sorriso triste, porque a minha fé me diz do seu ressuscitar.

Na tristeza sem meus versos, num cantar sem melodia, eu vou seguindo com a cruz que Deus me deu. Oxalá, Geraldinho, o calvário não seja tão longo quanto se pensa. Eu lhe prometo, no entanto, que quando eu for chamado, levarei os versos prontos e eu lhe peço que deixe a melodia em ordem. Eu tenho certeza de que, não tendo conseguido, em parceria, vencer o festival na terra, nós vamos conseguir vencê-lo lá no Céu!

* Texto publicado com o título “O Silêncio da Guitarra” na coluna “O Comentário da Semana” da edição de 12 de abril de 1970 do Jornal dos Municípios, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Setedoses.blogspot.com, meramente ilustrativa.

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