Dono de uma capacidade incrível de criatividade, e uma simplicidade que lhe é peculiar, VICENTE NEPOMUCENO, tornou-se um dos elementos mais queridos do Centro de Estudos Teatrais, onde ocupa o cargo de Diretor Artístico desde a sua fundação.
Toda e qualquer atividade elaborada dentro do CET, é difícil torná-la realidade sem o “aval” deste que contribuiu com todo carinho para a perpetuação do Teatro Amador Patense.
“Seu” Vicente há vários anos também constrói majestosos carros alegóricos na Festa Nacional do Milho, abrilhantando e envaidecendo o povo desta terra.
É casado com Maria de Lourdes Nepomuceno com quem teve os seguintes filhos: Mafalda, Terezinha, Consuelo, Valério, Romero, Júlio César, Leonardo e Luiz André e conseguindo lhes passar quase toda sua sabedoria artística.
Que o “Seu” Vicente, continue dando força e carinho ao CET, e agradecemos a Deus por nos ter dado a satisfação de podermos continuar trabalhando juntos.
Há quantos anos o senhor trabalha na área artística?
A partir dos meus dezesseis anos de idade iniciei-me no trabalho de ornamentação de Igrejas, auxiliando minha mãe que sofria de reumatismo, o que lhe impedia de andar, realizando também os tipos de trabalho que ela, pela idade e pela doença, já não mais conseguia realizar sozinha. Mais ou menos nesta mesma época, por vocação ou intuição, sem nunca ter visto ninguém pintar, iniciei meus primeiros quadros de pintura. Naquela época não existiam nem pincéis, nem telas e nem tintas específicas. Eu residia em Catiara e era muito difícil o acesso às grandes cidades, onde, é lógico, já existiam estes materiais específicos da pintura. Inicialmente eu mesmo construía meus pincéis e telas e manipulava as tintas que iria usar no trabalho de pintura. Os pincéis, eu fazia com crina de animais e cabelos humanos; as telas, eram feitas de pano e com tinta a óleo preparava o fundo que iria receber a pintura. Meus primeiros quadros foram em táboas. As tintas, eu preparava a partir das tintas em pó que existiam para pintura de parede, colocava óleo de linhaça e secante. O teatro também veio mais ou menos neste período da minha vida. Houve uma festa que precisava de renda e resolvi montar uma peça para angariar fundos. Começou por aí. Aos vinte e dois anos resolvi aprender música. Tive umas poucas aulas com um professor e aprendi a tocar violão, depois trombone e finalmente piston. Integrei a banda da cidade durante uns dois anos e depois, de uma certa forma, afastei-me do setor musical, continuando a tocar apenas violão por prazer e devaneio.
Já sofreu alguma decepção nesse setor?
Não. Nunca sofri nenhuma decepção, felizmente.
Seus filhos já lhe deram bastante alegria, no teatro. Vê-se portanto, que sua família é toda voltada para as artes. Como o senhor se sente vendo o desenvolvimento de cada um, artisticamente falando?
Sinto-me muito feliz, pois pude lhes transmitir isto. Fico mais feliz ainda por saber que eles são os continuadores do meu trabalho. Apesar de ser eu o entrevistado e de vocês estarem querendo saber das coisas que eu fiz e faço, não poderia deixar de atribuir boa parte desta formação artística de minha família, à minha esposa. A Lourdes durante um bom período participou também dos nossos trabalhos em teatro. Chegou a integrar um dos elencos e sempre colaborou muitos “nos bastidores”, preparando figurinos, cenários e através de suas opiniões e críticas, colaborando no aprimoramento de nossas montagens.
Como diretor de teatro, quais as maiores alegrias que o senhor teve dentro do CET?
Me senti muito realizado com duas montagens: ÉDIPO REI e O MILAGRE DE ANNE SULLIVA. Em ÉDIPO REI, conseguimos um resultado que nunca pensei alcançar. Era uma peça com um elenco enorme, cheia de dificuldades próprias de uma montagem clássica. Inúmeras pessoas participaram da preparação do trabalho, inclusive o Prof. Moacir Latersa de Belo Horizonte, veio pronunciar uma palestra para o elenco. Em O MILAGRE DE ANNE SULLIVAN me senti como se estivesse fora do mundo! Um espetáculo maravilhoso, que satisfez a todos os espectadores, através de um desempenho brilhante de todo o elenco, especialmente de três atores: a Suely (Hellen Keller), a Cidinha (Anne Sullivan) e o João Marcos (Capitão Keller).
Das montagens dirigidas pelo senhor, qual a que deu mais trabalho e qual a que se desenrolou com mais facilidade?
Como acabei de dizer a que deu mais trabalho, sem dúvida alguma, foi ÉDIPO REI. Senti que na montagem de A GRANDE ESTIAGEM, onde quatro atores estavam se iniciando no CET, o trabalho correu com grande facilidade. Logo no início todos os atores se encontraram com suas personagens e o mais foi o trabalho natural de atingir um bom grau de emoção que o texto exigia.
Até hoje, qual foi o momento de maior emoção dentro de uma peça dirigida pelo senhor?
É difícil responder, porque em cada peça sentimos emoções diferentes. Mas recordo-me como um momento de extraordinária emoção, o final da peça CIDADE DO ABSURDO, quando o personagem “Inovador”, arrasado em sua argumentação, resolve destruir a “cidade” e quebra uma parede de seis metros de extensão, toda em vidro, fazendo aparecer ao fundo um telão representando um céu muito azul, com nuvens calmas e serenas.
Dirigir e atuar no palco, como ator, são artes equivalentes, ou uma supera a outra?
O atuar pode superar o dirigir. Mas, quando dirijo um ator e ele consegue, no palco, fazer aquilo que gostaria que ele fizesse; que o ator alcança a emoção que gostaria que fosse alcançada, sinto-me como se fosse eu mesmo o ator. Por isto, em alguns casos o diretor, mesmo sem subir ao palco, sem integrar o elenco de cena, sente-se mais realizado, do que se estivesse lá.
Como o senhor vê o CET, comparando tipo “ontem e hoje”?
O CET de “ontem” foi um grupo que sempre estava em desenvolvimento, sempre atuante e que nos trouxe muita alegria. O CET de “hoje”, infelizmente decaiu bastante. Ainda fazemos bons trabalhos, mas temos enfrentado dificuldades diferentes daquelas de “ontem”, mas até mais graves. “Hoje” são poucos os elementos ainda atuantes no grupo. A maioria deles tem ficado pouco tempo e saído para estudar fora. E, com este problema, é difícil realizar um trabalho constante.
Qual o melhor ator e atriz do Brasil, na sua opinião?
O melhor ator é Paulo Autran e a melhor atriz é Fernanda Montenegro.
Cite três atores patenses que o senhor considera como os melhores?
Aparecida Cândido do Vale (Cidinha), Mafalda Nepomuceno, Maria Suely de Souza Pacheco.
O senhor tem vontade de montar algum texto que vem guardando há muito tempo?
Não. Não tenho nenhum de modo especial. Apesar de existir uma opereta, antiga, mas que ainda seria atual e que é maravilhosa, chamada “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Quantas peças o senhor já dirigiu?
É impossível lembrar. Não quero ser vaidoso, mas foram inúmeras as peças que já dirigi desde a minha juventude. Só no CET, que está completando apenas sete anos, já dirigi onze espetáculos.
A gente sabe que o senhor além de ótimo diretor, já atuou várias vezes como ator. Quando foi sua última apresentação? Pretende voltar?
Minha última apresentação como ator foi na peça de Maria Claro Machado, “O Chapeuzinho Vermelho”, onde fui o “Lobo”. Pretender não, mas se precisar de um “velhinho” para fazer uma “pontinha”, tô aí!
O que o senhor faz além de dirigir espetáculos de teatro?
Continuo fazendo esculturas plásticas, alegorias e decorações.
Na sua opinião, o que falta em Patos para um maior desenvolvimento do teatro amador?
Creio que o que falta é um interesse, um empenho maior de mais pessoas em querer fazer teatro. Já provamos, através do trabalho do CET, durante estes sete anos, que quando se quer se faz um bom teatro. Portanto, não seria a Casa de Cultura que iria resolver o problema. É lógico que ela facilitaria as coisas, portanto, não queremos dizer que ela seja dispensável. Queremos a Casa de Cultura, mas é importante que haja pessoas interessadas em fazer teatro.
O senhor gostaria de dizer qualquer coisa que deixamos de perguntar?
Faço um apelo, não só aos jovens, que se dediquem mais ao teatro. Que nos procurem para trabalhar conosco, o que seria um grande prazer. Lembro aos adultos, que acham que teatro é só para os jovens, que muitas vezes dentro de cada um pode estar escondido um talento que nunca teve oportunidade de se manifestar.
NOTA: Vicente Nepomuceno faleceu em 28/10/2019.
* Fonte e foto: Entrevista realizada por Vicente Paulo Rodrigues e Mônica Barbosa Borges, publicada no n.º 44 da revista A Debulha de 31 de março de 1982, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.