Em 31 de dezembro de 1943, o decreto n.º 1.058 apanha a cidade de surpresa, mudando o nome de Patos para Guaratinga, que entrou em vigor no dia 1.º de janeiro de 1944¹. Foi um verdadeiro “tapa” no rosto de cada patense. As reações contrárias foram imediatas. Na época circulava o jornal Folha de Patos, que em várias publicações demonstrou todo o desgosto do povo.
09 DE JANEIRO DE 1944
Como era esperado, o nosso municipio, pelo decreto n. 1058 de 31 de dezembro de 1943, perdeu o nome de PATOS para receber o de GUARATINGA.
Pelo art. 6.º do decreto, entrou ele em vigor no dia 1.º de janeiro de 1944, data em que passamos a ser denominados guaratinguenses.
Ficou mantida a circunscrição territorial com os mesmos distritos, com a categoria de Vilas, mudando-se somente de Vila Guimaraes que passou a “Guimarania”.
A modificação no nome do municipio, sem um preparo prévio, sem nenhum conhecimento de sua população, provocou como era natural, uma certa surpresa, porque muitos nomes eram falados, quando o de Guaratinga” era desconhecido e nenhum objeto de consideração foi ou comentario algum recebeu.
Dos nomes discutidos, foram-se formando partidos, ora a favor de Silvania, ora de Patorí e Curiá, ora de Guarimbetá, não sabendo ninguem desse Guaratinga inesperado.
Mas o desconhecido é que veio e devemos recebe-lo com o mesmo estado dalma com que receberiamos qualquer dos discutidos.
Cumpre-nos respeito à lei e prosseguimento em nossa labuta de sempre para que, nesse esforço de guerra, Guaratinga possa ser o municipio produtor de cereaiscom os mesmos caracteristicos de grandeza porque o foi o inesquecivel municipio de Patos.
09 DE JANEIRO DE 1944
Como a criança que é levada á pia batismal não pode ser consultada a respeito do nome que vai receber, porque só responde com a manha do choro, nós tambem não fomos ouvidos na mudança de nome do municipio.
Mesmo sem a consulta, quanta manha e quanto choro por êsses Patos velhos de guerra…
Guaratinga é nome dessas estaçõezinhas de estrada de ferro que se não tivessem o apito do trem, nada teriam que demonstrasse vida e existência, comenta-se.
Será que a estrada de ferro prometida aos Cascas Grossas já está preparando terreno alinhando um nome mais comum a estações que só são estações?!…
Guara, decompõem outros, é ave pernalta e tinga é terra, de maneira que Patos revive no novo nome, embora tenha morrido repentinamente sem médico assistente. Guara é lobo, redarguem outros, e tinga é pastagem branca, de modo que nos xingaram de “pastagem de lobo” ou “terra de lobo”.
Até a chuva não quer cair em Guaratinga, desabafam alguns.
O certo é que ela, que era uma patense genuina, um brilhante de gema da terra dos diamantes, transformou-se inesperadamente uma guaratinguense nervosa, sensaborona que não deve impressionar mais ninguém para viver com outro nome, antiga patinha, deslisando no lago azul de minha lembrança e no desenrolar da pelicula colorida de “sempre em meu coração”.
23 DE JANEIRO DE 1944
A todos continua preocupando a questão do nome do municipio.
Ninguem, de boa paz, quer aceitar a nova denominação de Guaratinga que nos foi imposta pelo recente decreto governamental. Há mesmo uma especie de sabotagem, traduzida em expontanea negativa de aceitar o novo nome.
Tudo continua, a não ser em papeis oficiais, a ser chamado pela velha a querida alcunha de Patos.
Corre pela cidade, encabeçado pelo Cel. Osorio Maciel, um abaixo-assinado dirigido ao Exmo. Snr. Governador do Estado, pedindo a interferencia d S. Excia. junto ao Chefe da Nação no sentido de ser revogado o ato que nos apelidou, como se faz a novatos em colegios, com o desgracioso epiteto de Guaratinga.
A ideia lançada em nosso numero passado de que a nossa terra viesse a retornar o seu antigo nome de Santo Antonio dos Patos foi recebida com geral agrado. Este nome foi modificado em 13 de novembro de 1891, na divisão administrativa que então se fez.
A paroquia continuou com a mesma denominação anterior, trazendo certos inconvenientes para as nossas relações sociais.
O nosso povo é geralmente catolico, e assim viu com pezar o corte da palavra Santo Antonio no nome da cidade que se fundou à sombra protetora do taumaturgo de Lisboa.
Silva Guerra, quando doou os terrenos, onde hoje se ergue a cidade, o fez para nele se construir uma “capela em honra a Santo Antonio e para uso e gozo dos povos”.
Nada mais justo, portanto, que se volte à denominação antiga. Atende ela a ideia do seu fundador a cento e dezoito anos atraz; ampara-se tambem na tradição e satisfaz aos nossos sentimentos, berm como virá mais uma vez unir no mesmo nome, o municipio, a paroquia e a Comarca, instituições politicas nas quais se acentam os alicerces da nacionalidade.
Estamos certos que o eminente Chefe da Nação que prometeu aos “Cascas Grossas” visitar a nossa cidade, e a quem o mesmo grupo de fazendeiros acaba em longo telegrama de reafirmar o convite feito no Rio, não deixará de atender ao pedido de nosso povo, maxime quando tem o valor da unanimidade e é feito com o respeito e a admiração que nutrimos pelo nome de S. Excia. e pela sua imorredoira obra de governo.
Estamos certos tambem que o leal e grande amigo desta terra que é o dr. Benedito Valadares encaminhará o pedido que por seu intermedio nós, os patenses, dirigimos ao Snr. Presidente da Republica.
O Governador do Estado ao receber o abaixo-assinado que lhe chegará às mãos com o apoio do digno e austero Prefeito Clarimundo José da Fonseca Sobrinho, o tomará na devida consideração e aporá a sua valiosa assinatura no mesmo como cidadão benemerito de nossa cidade. A gente de Patos mais uma vez lhe ficará agradecida.
30 DE JANEIRO DE 1944
Dia a dia cresce de vulto o apelo do povo patense aos Governos da Republica e do Estado, no caso da mudança do velho nome do municipio.
O abaixo-assinado que corre vem colhendo as mais expressivas assinaturas e a sua noticia vem fazendo os agricultores acorrerem à cidade no esperançoso intuito de enriquecê-lo com a sua entusiastica adesão.
Agora é a mulher patense, que, por seu turno, e expontaneamente, se dirige, à primeira dama do país, solicitando a sua valiosa intervenção no sentido de ser bem recebido o fervoroso apelo do povo do municipio.
Esclarece o pedido que o nome Guaratinga, sobre anódino, não tem côr local e está ensejando confusões com varios municipios com a terminação “tinga”.
Esta alegação é instruida com atos ordinarios das Secretarias, referentes a pessoas daqui, e que o expediente publicado no “Minas Gerais” endereça a Caratinga.
É acrescida com anotações de envelopes oficiais destinados a autoridades locais e percorrem errantemente as agencias postais de Jacutinga, Caratinga e Igaratinga.
Até com Caatinga, já nos confundem, temendo-se que a confusão horresca suprima um “a” desse nome, colocando-nos em situação de revoltante ridiculo.
O povo confia, porem, na serenidade e justeza dos eminentes Chefes de Governo que, amparando as pretensões dêsse povo laborioso, há de restabelecer o nosso velho nome, intitulando o municipio com o nome sonante de Patos de Minas.
06 DE FEVEREIRO DE 1944
Hoje, certamente, já se encontra em mãos do sr. Governador do Estado, a representação do povo do municipio, solicitando a reintegração do nosso velho nome com a denominação de Patos de Minas.
Não vacilamos em afirmar que o eminente Governador Benedito Valadares vai tornar-se o patrono máximo de nossa causa, porque em todos os momentos e instantes, Sua Excia. revela sempre o mais acentuado pendor de amizade e carinho com tudo o que nos toca de perto.
A nossa aspiração, assim, está vivendo horas de palpitante otimismo, de vez que o nosso desejo veemente está sendo objeto de estudos e apreciação do estimado Chefe do Executivo Mineiro.
Sem quebra das caracteristicas e das razões que que ditaram a lei que proibe a duplicidade de nomes nos municipios brasileiros, subiu o nosso apelo que não se bate pela continuação do velho nome, mas reivindica êsse velho nome colorido da tonalidade expressiva indicadora do proprio Estado da Federação.
Patos de Minas é o nome que satisfaz e corresponde ao anseio de todos os habitantes do municipio; que resguarda e conserva as tradições de nosso trabalho e de nossas conquistas; que relembra as figuras inesqueciveis de nossos antepassados; que revive as nossas glorias e os nossos triunfos, e que vibra e ressoa no intimo de todo patense que sente amor à terra natal e luta e peleja pela sua elevação e grandeza.
Patos de Minas é o nome que vem lembrar o destemor, a fibra e a energia de um grande povo o que vai fazer o eminente e grande Governador acentuar mais a grande amizade que nos dedica, pugnando com calor e entusiasmo pela mudança imediata do nome atual, acudindo a um desejo que é nobre e é sincero.
Patos de Minas é o nome que esperamos.
13 DE FEVEREIRO DE 1944
Rememorar Patos é um encanto; viver em Guaratinga é inquietante, instavel, provocando um nervosismo que aborrece e magôa profundamente o nosso espirito. Quem somos nós? Um povo sem tradição, que não sabe zelar o patrimonio moral, a beleza e a opulência de seu passado glorioso? Somos um povo em permanente atividade ou mudamos de orientação a todo momento? Patos tradicional era mais encantadora; pequenina cidade, enravada no sopé azul da Mata da Corda, sonho bucolico e verde de um poeta que sonhou sonhos lindos; centro de efervecencia politica e duras pelejas partidarias; terra que produzia tanto, guarfando avaramento no seio e eminencia das suas safras abundantes; nesga que perturbava a mente pela excelencia da sua vida quase rustica, muito sadia espiritualmente; recanto feliz de Minas, conhecido pela inteligencia de seus filhos, que sempre se conduziram nas posições de comando em outras localidades, galgando os logares mais altos nas corridas intelectuais.
Agora, a terra é outra e parecia que a população antiga desaparecera sob a influencia dos forasteiros; que o espirito que guiava o nosso destino, bafejado por forças alienigenas, estava transformado, tal como se transformaram as ruas poerentas; tal como se sumiram as competições de partidarismo regional; tal como se transmudava o aspecto de sua vida social. Sim, uma nova cidade esplendida, com novo sopro de vida e um nome novo.
Patos acabava de sumir-se nas dobras do esquecimento; a população irmanava-se para novos assaltos e novos cometimentos irrefreaveis, numa admiravel comunhão de ideas. Com novos propositos, novos anseios, nova vida, era natural um nome novo. Guaratinga seria o marco divisorio, a linha lindeira da separação entre a cidade antiga e a que está acabando de surgir.
Chegou, porem, o dia do crisma. Que dia triste, profundamente triste! Ninguem recebera a noticia sem constrangimento, sem demonstrações de pesar, sem dor no coração. As familias tradicionais se uniram, manifestando o mesmo sentimento; os que vieram de fora participaram imediatamente, integralmente da mesma tristeza; e, toda gente unida sentiu perpassar na conciencia o frio navalhante da realidade: Patos estava crismada com o nome de Guaratinga, porque, lá para as bandas da Paraíba, existe uma, outra cidade com nome identico e é mais antiga sem ser tão prospera. Mas, o espirito antigo e tradicional ha de triunfar. O poder publico, por certo, vae responder ao nosso apelo. O nome da terra onde nascemos deve ser venerado como o nome da nossa mãe.
De Patos a Guaratinga medeia uma imensa distancia. Patos pode ser pequenino e menos pomposo que Guaratinga, com ressonancias autoctones do guaraní. Mas, nós o amamos e sentimos orgulho deste nome, porque nele vivemos a quadra radiosa da mocidade, porque aqui respiramos o ar puro e oxigenado em que se formou o nosso caracter e se desenvolveu a nossa conciencia de homem livre. Deus praza, o poder competente se amerceie de nós, retornando o nome que jamais se apagará da memoria de quem aqui nasceu ou tão somente viveu. Sim, de Patos a Guaratinga ha um abismo de proporções incomensuraveis.
NOTA: O governador Benedito Valadares, ao saber que o nome Guaratinga não havia agradado ao povo, acabou restabelecendo o nome querido. Em complemento do Decreto 1.058, em 3 de julho de 1945, caracteriza a denominação deste município sob a forma de “Patos de Minas”, para alegria geral da população patense.
* 1: Leia “Patos Mudará de Nome?”, “O Dia em Que Patos Deixou de Ser Patos – I” e “O Patense Agradece o Retorno ao Nome Original da Cidade”.
* Texto: Edição de Eitel Teixeira Dannemann.
* Fonte: Jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Eitel Teixeira Dannemann.