TEXTO: FERNANDO KITZINGER DANNEMANN (1956)
Já em uma de nossas edições passadas falávamos do melindroso problema da mendicância em Patos de Minas, problema que está merecendo, realmente, a atenção de nossas autoridades competentes, já que, à medida que corre o tempo, vai atingindo proporções alarmantes, com um número incalculável de pobres e mendigos perambulando por nossas ruas centrais, implorando a caridade pública. Dos males que afligem Patos de Minas, êste é, sem dúvida, um dos mais graves, de proporções assustadoras, principalmente em se considerando o descaso com que os poderes públicos o vem encarando, permitindo que uma verdadeira onda de homens, mulheres e crianças emoldurem, em pleno centro da cidade, o quadro triste da miséria e da fome.
É fato sabido – pois aí está, para quem quizer ver – que Patos vem se cercando de favelas. Em todas as saídas da cidade observa-se a proliferação espantosa de barracos infectos e imundos, onde se entocam, à noite, os esfarrapados, os aleijões, os abobalhados que compoem a enorme legião local de pedintes. Durante o dia, suas chagas estão expostas aos olhos de todos, como chamariz para esmolas generosas; cegos são arrastados pelas ruas, numa autêntica caçada a uns poucos níqueis; mulheres esquálidas, trazendo ao colo filhos não menos esquálidos e raquíticos, penetram em casas comerciais e residências particulares, implorando a caridade de uma esmola, com que matar sua fome e a de seus filhos; bandos de meninos rotos e esfarrapados andam sequiosos atrás de um pedaço de pão, aprendendo nas ruas tôda sorte de vícios, já que, apesar das palavras bonitas com que ornamentam certas campanhas de fundo realmente meritório, essas campanhas não passam do terreno puramente teórico.
Existem várias conferências, tôdas destinadas a amparar a população pobre e desprovida de recursos financeiros. Mas a função primordial dessas conferências é quase nula, pois os responsáveis por ela limitam-se tão sòmente a angariar donativos de 5,00, 10,00 e 20,00, distribuindo-os em quotas de 50,00, a determinadas famílias. Uma das causas diretas dos parcos recursos com que contam essas conferências é o clima de pirraça e má vontade que cercam nossas agremiações políticas, no tocante às relações entre uma e outra. Não se compreende que uma cidade como Patos de Minas, com eleitorado bastante para garantir a eleição de pelo menos dois deputados estaduais e um federal, não tenha siquer um representante na Câmara de Belo Horizonte, porta voz dos anseios e aspirações da população de uma cidade que dizem progressista e em franco desenvolvimento. Abandonando o célebre adágio que diz cada um puxar a braza para sua sardinha, “os coronéis” de nossa política medieval optaram pelos representantes de outros centros, esquecidos de que Patos de Minas deixou de ser apenas um municipio assinalado no mapa, transformando-se numa das forças mais poderosas de todo o Estado. Como resultado dêsse acirrado antagonismo entre as facções políticas locais, temos a pitoresca distribuição de verbas concedida pelo Estado, desviadas para outros municípios, enquanto que na próspera Patos de Minas o único beneficiado foi o E. C. Mamoré, e mesmo assim com importância irrisória.
Não se torna difícil afastar das ruas centrais os pobres, os mendigos e aleijados. O sr. Prefeito Municipal¹, por suas próprias funções responsável direto pela solução dêsse problema, deveria trazer a si a iniciativa dêsse movimento. Eleito pelo povo e obrigado por suas promessas (as eternas promessas das campanhas políticas) a zelar pelo progresso do município, S. Excia., abandonando o processo errôneo do governar sozinho, poderia convocar as pessôas realmente capazes, e com elas debater as medidas que aliviassem a situação atual. A própria Lei Orgânica prevê a organização de comissões diversas, que se encarreguem dos sempre existentes problemas de ordem social, sanitária e etc. Uma das medidas adotadas pela administração municipal – e de efeito puramente decorativo – foi a de doação de um certo número de terrenos, aos mais necessitados. O que acontece, no entretanto, é que êsses terrenos são cedidos a indivíduos de certos recursos, e que solicitam apenas com idéias lucrativas. Existem casos comprovados de terrenos doados serem vendidos a terceiros, sem que neles tenha sido feita qualquer benfeitoria.
Esta é a situação em que se encontra a cidade. A fome, a miséria, as necessidades de tôda sorte campeiam livres, enquanto as autoridades competentes a tudo assistem de braços cruzados, acobertadas pela sombra fictícia de uma riqueza e de uma fartura que há muito se transferiram, com armas e bagagens, para outras plagas. Patos de Minas, a que chamavam de “Terra do Trigo e do Diamante”, é hoje, apenas, a “Terra da Fome e da Miséria”.
NOTA: Por causa deste artigo, o jovem (24 anos) jornalista Fernando Kitzinger Dannemann, redator do jornal “Tribuna de Patos”, recebeu uma intimação do delegado, que lhe ditou a seguinte sentença: – “Você tem 24 horas para deixar a cidade, pois não temos como lhe garantir segurança”. Ao lado, o amigo Dr. Mário da Fonseca Filho, retrucou: – “Se o problema é segurança, tome, Fernando, eis a sua segurança”. Na frente do delegado o Dr. Mário entregou ao jornalista um revólver calibre 38. E assim, durante um certo longo tempo, constantemente acompanhado por outro grande amigo, Oswaldo Amorim, Fernando trabalhou e transitou pelas ruas de Patos de Minas com a arma em estado de alerta, continuando com seu trabalho de divulgar a verdade. E assim, tendo a verdade como essência fundamental na sua caminhada, se fez respeitado na terra que o acolheu como filho!
* 1: Genésio Garcia Roza.
* Fonte: Edição de 15 de abril de 1956 do jornal Tribuna de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Odesabapho.blogspot.com.