A carta de sesmaria de Afonso Manoel Pereira de Araújo¹ permitiu a localização das terras que hoje compõem o município de Patos de Minas, na situação em que se encontravam no século 18. O conceito de terra em quadra, em se tratando de léguas de sesmaria, é bom que seja esclarecido.
Opinando sobre determinada pendência, o Procurador da Coroa encara léguas em quadra não como um quadrado de léguas ordinárias, mas de léguas quadradas. Duas léguas em quadra contêm quatro léguas quadradas. Três léguas em quadra contêm nove léguas quadradas. A citação é de Costa Porto (Estudo sobre o Sistema Sesmarial – 1965). No sertão pernambucano a falta de agrimensores e topógrafos era suprida pelo medidor, que enchia o cachimbo, acendia-o e montava a cavalo, deixando que o animal marchasse a passo. Quando o cachimbo se apagava, acabado o fumo, marcava uma légua.
Outra determinação da carta de sesmaria das terras às margens do Paranaíba é a de se reservar meia légua para comodidade pública e de quem arrendasse a passagem do rio. Em 1826, o tenente Joaquim José de Sant’Anna (apressamos em esclarecer: não é o mesmo atuante homem público que tanto fez por Patos de Minas) pedia ao governo a criação de uma passagem no Rio Paranaíba.
No local exato da ponte antiga do Paranaíba existiu, no século 19, uma passagem de canoa. Era chamada Porto do Justino. Sem querer o demérito da doação do patrimônio feita por Silva Guerra, somos levados a admitir que a povoação “Os Patos” se formou na faixa de meia légua às margens do rio. Aqueles que conhecem a cidade como hoje é, de seu núcleo urbano até as margens do Paranaíba, em toda a extensão das habitações antigas, pode sentir que a distância não vai além de meia légua, em muitos pontos. E a pouco mais de meia légua em outros.
No livro 8, da Câmara do Paracatu, guardado no Arquivo Público Mineiro, estão anotadas as seguintes recomendações:
Ordem da Sra. Rainha, de 29 de janeiro de 1778, aonde se referindo e mencionando o Decreto de 30 de abril de 1738, e de 25 de outubro de 1745, e de 11 de março de 1754 (diz em resumo) – Hei por bem e mando que os meus vassalos sejam conservados em seus sítios, e posses, com suas vertentes e logradouros, demarcando-se judicialmente com os sítios de seus vizinhos na forma de direito; e que se não deve conceder sesmarias, senão em sertões e terras incultas, e não nas que estiverem aposseadas por outrem. Nem ambas as margens do rio navegável.
Assim, está mais do que configurado que a faixa de meia légua, às margens do Paranaíba não foi incluída, por ser proibido, na carta de sesmaria do primeiro donatário.
O auto de vereação, que tratou da demarcação do termo da Vila do Paracatu, traz a primeira referência conhecida sobre a povoação “Os Patos”. O documento assinala a jurisdição paracatuense sobre “todas as fazendas da Picada de Goiás”, saindo da Vila de Paracatu pela estrada que vai ao Bambuí, até os Ferreiros. Estas fazendas vêm a ser as Vazantes, Andrequicé, Almas, Onça, Patos, Babilônia, Aragões, Curtume, Riacho de São João e Ferreiros. Observa mais o documento que “todas estas povoações” já pertenciam aos distritos de Paracatu ou de São Romão, por posse antiga.
Os redatores do auto não falam de estradas e sim da picada de Goiás, que foi o primeiro caminho oficial aberto das Minas Gerais, em 1737, ao território goiano. O auto de demarcação deixa bem claro que existia, em 1800, a povoação “Os Patos”, à beira de um caminho, estrada ou picada. A mesma povoação que deixou marcas no casario antigo que ia da atual rua Tiradentes para os lados da Várzea, constituindo, noutros tempos, a estrada natural rumo a Paracatu, com ligeira discrepância, avançou pouco além da meia légua de terra reservada para uso público dos passageiros, como tão bem explícito está na carta de sesmaria.
O censo feito por ordem do Ouvidor Melo Franco não menciona “fogos”² no sítio “Os Patos”, mas já no final do século 18 há menção de início de povoamento na região, encontrando-se passagens que se referem ao Ribeirão dos Patos, atual Ribeirão da Fábrica. Tudo indica que a picada dos Aragões (assim se denominava a variante da Picada de Goiás em demanda de Paracatu) atravessava o Ribeirão dos Patos no mesmo local que hoje o transpõe, ganhava a chapada da Lagoa Grande, corria por onde é hoje a Rua Tiradentes e atravessava o Córrego da Lagoa, no lajedo existente perto da cadeia, aí seguindo pela Avenida Paracatu afora, à procura dos furados de campos, sempre de vista do rio, até atingir os descampados de Pirapetinga e do Lagamar.
Assim, na Picada dos Aragões que partia de Guarda dos Ferreiros, se encontravam a distâncias que medeiam entre 4 e 5 léguas as hoje cidades de Rio Paranaíba, Carmo do Paranaíba, Lagoa Formosa, Patos de Minas. Além de Patos de Minas, não se criou nenhum povoado, mas estabeleceram-se várias fazendas ao longo da via, tal como a de D. Leonarda, à margem do Paranaíba quando a Serra da Boa Vista se abre para dar passagem a este rio. É de se notar também que estes pousos foram fincados à beira dos olhos d’água que, descendo da serra mestra, formam os tributários do Paranaíba.
Se vistoriássemos o sítio, verificaríamos, pelos sinais, o seguinte: a mata que bordeja o rio subia pelo seu afluente hoje denominado Córrego da Cadeia até o lajedo, que barrava a Lagoa dos Patos. Esta, por sua vez, tinha na sua extremidade contrária espessa mata a refletir-se em suas águas. Havia um olho d’água onde foi construído o primeiro pouso que deu origem à cidade de Patos de Minas. A lagoa vizinha era habitada por bandos enormes de palmípedes. E assim se chamou Lagos dos Patos o belo côncavo onde foram assentados os primeiros ranchos. O nome se estendeu ao sítio, e do sítio à cidade.
* 1: Leia “Carta de Sesmaria de Afonso Manoel Pereira de Araújo” e “Afonso Manoel Pereira de Araújo: O Nosso 1.º Dono”.
* 2 – Em 1825, o presidente da Câmara de Paracatu esclarecia: “Tendo de remeter à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça um mapa estatístico contendo o número de Vilas, Julgados e Povoações desta Comarca, e os fogos de cada uma delas, devendo nesta última parte que vosmicê me envie quanto antes um mapa particular, que declare quantos fogos existem neste Distrito de sua jurisdição; parecendo-me conveniente esclarecer-lhe que a palavra – Fogos – quer dizer casais ou famílias, que vivem em casa separada debaixo da direção de um chefe, ou pai comum – para que não suceda confundir-se, julgando que exijo alguma relação numérica de pessoas, como continuam a remeter-se em designados tempos ao Capitão Mor do Termo. Deus Guarde a vosmicê muitos anos. Vila do Paracatu do Príncipe, 25 de junho de 1825 – Ao sr. Comissário do Distrito do Arraial de São Domingos do Araxá, Jerônimo José da Silva
* Fontes: Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca, e Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.
* Foto: Representação do sítio “Os Patos”, de Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello, meramente ilustrativa.