JOSÉ RIBEIRO E A AGROCERES PIC

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A Diretoria de Sementes Agroceres, desde 1970, já pensava em diversificar suas atividades. Ficou propensa a implantar a criação de suínos tipo carne. Fui convidado para dirigir esse setor. Como não entendia nada de suíno, me mandaram para o Sul, principalmente Santa Catarina, para aprender como cuidar de suínos e familiarizar com o assunto. Aqui em Patos de Minas, o Dr. Ary Guimarães gostava muito de suinocultura e já se envolvia com a criação em sua fazenda Cascata, onde mantinha alguns resultados positivos.

Convidei o Dr. Ary e Ozanan Araújo, irmão do Dr. Secundino e funcionário da Sementes Agroceres, para irem conhecer as granjas do Sul do País, em Santa Catarina, no Paraná e no Rio Grande do Sul. Fomos os três numa camioneta Chevrolet S-10, já nos preparando para conhecer, na realidade, uma suinocultura.

Depois de uma visita mais detalhada em Concórdia (SC), onde pudemos assistir à operação da Sadia, fomos para Toledo (PR). Nesse local conhecemos mais detalhado trabalho de melhoramento suíno da Sadia, dirigido pelo veterinário Flores. Achei o rapaz muito convencido e uma pessoa difícil. Fiquei conhecendo também o Dr. Darcy Moro, muito simpático e acolhedor. Já trabalhava há algum tempo no setor. Convenci o Darcy a vir para Patos de Minas. Veja bem, o Darcy era sobrinho do Fontana, dono da Sadia. Mesmo assim aceitou o meu convite. A sua vida aqui foi um furor no meio das mulheres, pois além de elegante, era muito bonito. Casou-se com Rosinha Tibúrcio, uma das mulheres mais bonitas da cidade.

Darcy teve um azar danado. Assim que chegou colidiu com outro veículo, na Avenida Getúlio Vargas. A culpa não foi sua, mas do outro, filho de um proprietário de frigorífico, residente em Belo Horizonte. Darcy machucou-se bastante e ainda jogaram a culpa nele. Abriram processo. Não aceitei isso de forma alguma, pois a culpa não era do Darcy. Dr. Mário da Fonseca Filho, o meu amigo Mariozinho, entrou na defesa do Darcy. Ganhou a causa e ainda foi indenizado com um novo carro. Mas ele ficou inutilizado durante muito tempo. Levei-o para minha casa e cuidamos dele com muita atenção e carinho. Quantas vezes tive de lhe dar banho. Graças a Deus ele se recuperou e muito nos ajudou. Um moço de valor! Sob sua orientação construímos a primeira granja de porcos nos fundos da Unidade de Sementes.

Nessa granja trabalhamos com porcos puros, Landrace, Duroc, Hampshire. Muitos desses animais foram importados dos Estados Unidos. O Dr. Secundino era vidrado com a suinocultura. E tudo fez para que o sucesso fosse total. Vamos empregar um programa adequado para que tenhamos sucesso neste novo trabalho, afirmava Dr. Secundino.

Para a consecução destes objetivos foram contratados os serviços do professor Stócler, da Escola Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais, enviado juntamente com Darcy para a Inglaterra, a fim de procurar o programa de suíno híbrido mais adequado para a nossa região. Além da Inglaterra, estiveram em outros países onde a suinocultura era bem desenvolvida. Afinal escolheram, na Inglaterra, o programa da empresa NPD.

Voltaram entusiasmados. Passado um tempo, o Dr. Secundino entrou em contato com os donos da empresa. No mês de dezembro de 1974, lá fomos para a Inglaterra: Dr. Secundino, Darcy e eu, e por lá permanecemos durante 40 dias. Esta firma se localizava no norte da Inglaterra. A temperatura estava muito fria. E todo dia tínhamos de entrar na granja. O ritual era sempre o mesmo, tomando banho tanto ao entrar como ao sair. Decidimos por este programa. Acertamos os detalhes com Mister John, proprietário da NPD. Dentro de algum tempo, ele e sua esposa vieram ao Brasil e foram nossos hóspedes aqui em Patos de Minas. Acertamos em providenciar uma granja núcleo para trazer os animais. Mas, nesse meio tempo, eles decidiram suspender o negócio. Uma outra empresa, PIC, cujo presidente, Kene Wooly, era muito ágil, tomou conhecimento dos fatos e, imediatamente, entrou em contato conosco. Vieram para finalizar a negociação e até a área onde montar a granja núcleo ficou definida. Foi escolhida a fazenda Paraíso, de propriedade de Manuelzinho Teixeira. A aquisição do terreno foi difícil. A esposa do proprietário negou assinar a escritura, apesar de estar bem acima do preço de mercado. Acredito que, percebendo o interesse pelo terreno, a ambição aumentou e mais ainda. Diante das dificuldades, procuramos o Prefeito Dácio Pereira da Fonseca para interferir.

Desta forma conseguimos adquirir o terreno para instalar a Granja. E o negócio foi fechado. Para agilizar o andamento da instalação da Granja, o Presidente da PIC começou a multiplicar as porcas lá na Inglaterra, a fim de ter uma geração suficiente de leitões a serem exportados para o Brasil. Aconteceu outro imprevisto. Surgiu uma doença nos suínos da Inglaterra e, com isso, o Brasil proibiu a importação dos animais. Foi uma trabalheira para não sermos prejudicados. Tivemos de alugar uma Granja na França para importar os suínos deste país. Delfim Neto, o Embaixador do Brasil na França, muito nos ajudou. Um funcionário da PIC, Guy Prale, ficou encarregado dessa Granja. Nós levaríamos as porcas gestantes da Inglaterra para a França, e daí, os leitões, depois de desmamados, seriam transportados para o Brasil. Mais outro problema criado. Desta vez pela Associação Brasileira de Criadores de Suínos. Não aceitavam o Brasil importar porcos híbridos, fortes concorrentes com os porcos puros deles. Quando o avião estava chegando com os porcos, eles entraram com uma liminar proibindo a descida em Brasília.

Se não fosse o meu relacionamento com Alysson Paulinelli, todos os nossos esforços seriam em vão. Ele era Ministro da Agricultura e Paulo Romano, que se tornou cunhado de minha filha, era Secretário Executivo. Entrei espavorido em seu gabinete e já fui comunicando: – A coisa está feia, Alysson. Acabo de receber uma liminar proibindo a descida do avião. Ele já está propriamente sobrevoando Brasília. Como a gente vai fazer? Alysson foi ao Palácio conversar com o Presidente Ernesto Geisel, de quem conseguiu autorização para a descida da aeronave.

Foi um alívio, pois o prejuízo seria enorme. Quando o avião desceu já estávamos com os caminhões prontos, aguardando os animais para serem embarcados para Patos de Minas. E assim aconteceu e os conduzimos para a Granja Núcleo do Paraíso. A partir daí fizemos mais três importações da França, somando um total de 3.000 cabeças. Havíamos fundado a firma Agroceres PIC, constituída de quatro sócios: Agroceres, PIC, Natron, uma empresa do cunhado do Dr. Secundino, estabelecida no Rio, e um banco de São Paulo, de cujo nome eu não me recordo. Fui eleito Diretor Superintendente da Agroceres PIC. E assim fui afastado da Sementes Agroceres, sendo substituído pelo agrônomo Edmundo Estevão.

Todo início tem suas dificuldades, até as coisas se acomodarem. A Agroceres entrou com as instalações, a PIC com os porcos e a Natron e o Banco entraram com o dinheiro. Esqueceram-se de mim. O encargo mais pesado era o meu. Construir as granjas e a fábrica de ração. Sem recursos, entrei com o projeto de financiamento. Como havia sócio estrangeiro, o financiamento só se efetuaria depois que o Ministério do Planejamento aprovasse a empresa. Foi outra luta. Outro vai e vem. E o pior, faltava dinheiro para tocar a empresa. Realmente não foi fácil. Até que um dia, Surrel, Diretor do Banco do Desenvolvimento, que acabou tornando-se meu amigo pessoal, e o Paulo Gama me comunicaram, a empresa já está aprovada e o dinheiro saiu. Fiquei tão emocionado que, instintivamente, dei um beijo na testa do Surrel, como prova de gratidão. O Guy, que estava presente, conta isso até hoje, considerando-me um louco. Mal sabia o quanto a gente sofria com esse vai e vem, sem nenhuma solução positiva, dependendo desta aprovação e, consequentemente, do dinheiro para levar a obra para a frente.

Começou a época da reprodução. Os porcos produziam em quantidade e a sua qualidade era totalmente desconhecida no mercado. Saímos. Eu para um lado, Darcy para outro, o Guy também, cada um fazendo palestras, demonstrando a qualidade do produto. Não ficava só nas palestras e demonstrações, oferecíamos porcos para os frigoríficos do Sul, para conhece-los in re. Tínhamos a contrapartida, o Flores, que promovia uma grande campanha contra o nosso trabalho na Sadia. Ofertamos porcos para os frigoríficos testarem a qualidade dos animais. Utilizávamos de todos os recursos para que os usuários passassem a conhecer os bons efeitos dos produtos. Zé Babão era quem transportava os animais para nós.

Foi um período difícil. Muito gasto e nenhum lucro. Quem nos salvava era a diretoria da Patureba, mais tarde transformada em Terrena, emprestando-nos dinheiro para o pagamento dos funcionários. Eles não sabem disto. Convocavam-me para reunião em São Paulo, cada representante das empresas discutia suas dificuldades. Eu, cheio de problemas, voltava para trás com os mesmos. Nenhuma solução. Modéstia à parte, nunca fui de deixar a peteca cair para o meu lado. Enfrentei todas as situações e consegui até montar uma fábrica de rações para ajudar nas despesas da empresa. Com representantes distribuídos por todo lado, a começar por Belo Horizonte, consegui bons resultados e saí lá na frente. Até que um dia, já cansado daquela luta, virei para o Darcy e Guy, que eram os outros dois diretores, e lhes disse: – Eu vou deixar a Agroceres. – Por que essa decisão. – Eu tenho algumas atividades particulares, que ficam longe daqui, e vocês não conhecem.

O pior de tudo que, além de algumas pessoas implicarem com os meus trabalhos fora da empresa, ainda julgavam estar eu aproveitando da minha função na Agroceres para montar a Patureba, a Sapes, e outras empresas mais. Um dia essas conversas chegaram ao conhecimento da Diretoria da Agroceres, em São Paulo. E o Ney me chamou: – Zé, põe na mesa para mim o que você tem e o que você faz. Não lhe escondi nada. Ele simplesmente me disse: – De hoje em diante, não aceito ninguém abrir a boca sobre esse assunto. Volte para seu trabalho em Patos de Minas e esqueça isso.

Continuei tocando a Agroceres sem descuidar das minhas empresas iniciantes, claro. Fui me preparando para o desligamento total. Comecei a montar granjas de multiplicação. Em Sete Lagoas tinha uma. A gente fornecia os animais puros e eles os cruzavam. Vendia camburu (fêmeas) e os machos. Inclusive para o Décio Bruxel, que iniciou como multiplicador da Agroceres.

A Agroceres PIC já se encontrava numa ótima posição, faturando bem. Resolvi deixá-la e cuidar exclusivamente de meus negócios particulares, que estavam crescendo muito. Comuniquei-me com o Ney: – Estou indo a São Paulo para conversar com você. O nosso relacionamento era tão íntimo, que um sabia o pensamento do outro. Cheguei em sua sala e assim que entrei, ele me falou: – Já sei o que você veio fazer aqui. – Não lhe falei nada. – Não é preciso. Você veio pedir demissão. – Vim. Depois de explicar tudo sobre o motivo de meu pedido, ele concordou comigo: – Vou mandar calcular a sua indenização. – Eu não quero um tostão de nada. Tudo o que sou na vida, grande parte devo a Agroceres. Ela foi minha escola, meu trabalho. Eu não quero nada. Estou feliz por estar saindo com a nossa amizade.

Achei importante comunicar ao Dr. Secundino. Mas lá havia um Diretor Financeiro, Keyller Rocha, que eu achava uma verdadeira praga. Pois não é que ele mandou um cheque de Cr$ 5.000,00, para me indenizar! Na época era muito dinheiro. Chegou primeiro às mãos do contador da PIC, Jorge. Como eu não aceitara esse dinheiro como indenização, levaram-me ao Fórum para fazer o destrato em cartório. Veja a maldade do Keyller. Certamente pensou que mais tarde eu poderia reivindicar os meus direitos. Fui ao Fórum, no cartório competente, e aí foi feito o distrato. Peguei o cheque, que era nominal, assinei nas suas costas e o entreguei ao Jorge com a seguinte recomendação: – Fale, por favor, ao Dr. Secundino, que estou mandando um presente para sua fundação.

Foi assim que terminou minha história na Agroceres PIC. Saí feliz e fui cuidar de minha vida empresarial.

* Fonte: Livro “Palmilhar o Tempo”, de José Ribeiro de Carvalho.

* Foto: Arquivo do Sindicato Rural de Patos de Minas.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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