Eu vim para Patos de Minas no verdor de meus 27 anos [1960], para ser gerente da Unidade das Sementes Agroceres¹, que ficava num barracão da Avenida Brasil, onde hoje se localiza o Supermercado Bretas. Era meu companheiro de trabalho, como subgerente, Oscar Marra, irmão do Dr. Antônio Secundino² por parte de mãe. Ele trabalhou comigo durante pouco tempo. Logo se aposentou.
Como a Agroceres foi muito bem aceita e estava crescendo muito, Dr. Secundino me autorizou a procurar uma área maior para construir a unidade definitiva. Coloquei-me a campo e, na altura do Limoeiro, em uma propriedade da família Caixeta, encontrei um terreno que considerei adequado para receber as instalações da Unidade. A diretoria da Sementes Agroceres veio até aqui para conhecer o local. E aprovou.
Adquirida a área, num total aproximado de 30 hectares, o engenheiro e arquiteto de São Paulo, contratados pela Agroceres, puseram mãos às obras e fizeram a planta, constituída dos barracões necessários e de mais três casas residenciais, para o gerente e seus auxiliares imediatos. Fui então encarregado de comandar e dirigir as obras. A empresa tinha pressa. Passamos a trabalhar com afinco para atender as exigências dentro do cronograma estabelecido. As casas dos auxiliares eram menores do que a do gerente. Pois, nesta havia instalações para receber hóspedes e um aposento exclusivo para o Dr. Secundino quando viesse aqui se hospedar. Sem consultar o engenheiro e o arquiteto, decidi mudar uma parede de local. Eu achava que ficaria melhor. Alguém comunicou à direção da Empresa, e neste bater com a língua nos dentes, chegou ao conhecimento do arquiteto projetista. Ele ficou muito bravo e foi direto ao Dr. Secundino. Naquela época, como não havia telefonia interurbana, Dr. Secundino me escreveu uma carta malcriada, onde dizia: “Se você quiser morar na casa, mora; se não quiser, não mora; mas você não tem o direito de mudar as coisas”. “Quando a carta chegou eu estava debaixo de chuva, comandando o enchimento de uma laje. Chamaram-me e me entregaram a carta. Após a leitura, eu virei uma onça. Fui imediatamente para casa. Falei com minha esposa Amélia para arrumar as coisas necessárias, pois estaríamos de partida para Viçosa. Iria para encontrar o Dr. Secundino. Tinha certeza de que ele estaria lá para as festas de fim de ano. Um costume seu. E falei: vou me encontrar com ele, e entregar-lhe essa porcaria. Não aceito um desaforo deste.
De tardinha peguei uma Kombi, pus a turma dentro e fui para viçosa, à noite, debaixo de chuva. Ainda tive um azar, o limpador do para-brisa quebrou durante a viagem. Foi um transtorno. Mas chegamos, são e salvos. No outro dia, fui para a Escola, sabia que ia encontrá-lo. Era domingo e, às 8 horas, havia a celebração de uma missa. La estava ele. Assim que me viu, veio me cumprimentar, com aquela alegria de sempre. Ao retribuir os cumprimentos, fui logo dizendo:
– Dr. Secundino, eu não estou aqui para brincadeiras, não. Eu vim para conversar sério com o senhor.
– Já estava te esperando. Sabia que você vinha. Mas vamos fazer o seguinte, vamos nos encontrar lá na casa de meu sogro, Aristides Bitencourt. Das 10 às 11 horas lá estarei à sua espera.
Cheguei na hora. Ele estava sentado em uma mesa, com dois copos de uísque e um revólver. Assim que me viu falou: – Se quiser brigar, o revólver está aqui. Se não quiser, vamos tomar uísque. Pensei com meus botões: – O que a gente faz com um homem desse? Gosto demais dele, e ele vem com esse papo. Respondi-lhe, amenamente: – Vamos deixar essa briga pra lá. Eu vou voltar.
Assim foi a história da casa. Isso me demonstrou o jeito do Dr. Secundino viver e agir. Ele me pediu desculpa e fomos tomar uísque. Nada mais aconteceu, senão voltar para terminar as obras. Mudamos a Unidade de Sementes lá para cima.
Foi uma obra rápida. Não sei precisar o tempo. Coisa de dois anos, no máximo. Tive condições de colocar muita gente trabalhando. Uma vez pronta, mudamos, Amélia, os meninos e eu. Já tínhamos, além do Cláudio, a Gláucia. O Vanir Amâncio que trabalhava comigo, ocupou uma casa e na outra foi morar Altivo, técnico agrícola. Um grande amigo e colega de escola. Veio para trabalhar na área de campo. Saímos da casa da Juca Mandu e fomos diretos para a casa que nos era reservada. Não posso me esquecer da observação que fiz à Amélia ao entrarmos na nova morada: – Que casa enorme! Para quê uma casa desse tamanho?
Continuando sobre a minha vida profissional, que trabalheira tirar o pendão do milho! Época de Folia de Reis, o pessoal não abria mão das festividades. Principalmente das Pindaíbas e do Buracão. Não havia dia santo, nem sábado, nem domingo, a negrada tinha de grudar no serviço, e no duro. Não podia passar do tempo. Era uma briga feia para juntar o pessoal nesse tempo. Quando falava “Zé Ribeiro está vindo aí”, a coisa mudava de aspecto. O pessoal corria e se ajuntava no campo para arrancar os pendões. Se tivesse 5% de pendão soltando pólen, o campo já estava condenado. É bastante curioso saber o porquê dessa retirada do pendão. As linhas eleitas como fêmeas deveriam ser eliminadas, para que não houvesse autofecundação. Eram eliminadas para que os pendões recebessem as linhas eleitas como machos. Era um trabalho que exigia muita atenção e difícil.
Nesse meio tempo, nos Estados Unidos surge uma nova linhagem, denominada de macho esterilidade. Foi uma festa. O milho não possuía mais o famoso pendão, ele era seco. Foi um período gostoso para produzir a semente. Essa linhagem foi importada, feita a sua adaptação e, com isso, terminou aquele martírio.
Dizem que a alegria do pobre dura pouco. É bem verdade. Logo surgiu uma doença, lá nos Estados Unidos, conhecida como helmintospórios maydis, que atacou somente as linhagens com pendões secos. Dr. Secundino foi um dos primeiros a tomar conhecimento. Em Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo, foi realizada uma reunião geral, onde as Sementes Agroceres possuíam uma unidade. Nessa reunião o Dr. Secundino anunciou:
– Olha, no Brasil ninguém está sabendo, mas eu sei que vem uma doença por aí. Vai chegar aqui neste ano e não tem como impedi-la. Para não dar prejuízo a nossos clientes, não vamos vender essas sementes. Já pensei até como solucionar este problema da venda.
– Qual o seu pensamento?
– Vamos recolher as sementes dos cooperados, pagar pelo contrato, e vender como milho comercial.
Todos os participantes da reunião ficamos estarrecidos. Na época a empresa ainda era iniciante e pequena. Como vai aguentar um baque desse? E foi incisivo:
– Não posso colocar minha cabeça, tranquilo, no travesseiro, ciente desse prejuízo ao produtor. Não importa a sua situação econômica.
Neste momento eu me levantei e argumentei:
– Dr. Secundino, ninguém pode afirmar que na próxima safra vai ter essa doença aqui. Nós podemos vender semente esse ano e, no ano seguinte, mudaremos para outro tipo de fêmea.
– De jeito nenhum.
Todos saímos apavorados da reunião. Somente víamos o caos à nossa frente. No seu otimismo e idealismo, Dr. Secundino nos assegurou: – Vamos fazer um trabalho de multiplicação de semente aqui, no sul e no nordeste, para termos no próximo ano a semente normal. E devemos continuar a nossa produção.
Isso foi em 1968. Cheguei em Patos de Minas preocupadíssimo. Pensava, com meus botões: – Como a gente vai fazer? Somos a empresa líder no mercado de semente. De que forma esse produtor vai plantar milho neste ano? Muitos vão pegar milho de paiol, oriundo de nossa semente, e plantar. E não vai produzir nada.
O Secretário de Estado da Agricultura de Minas Gerais era Alysson Paulinelli. Velho conhecido e amigo. Resolvi procurá-lo. Sem falar nada com o pessoal da Agroceres, peguei o carro e fui para Belo Horizonte. Lá chegando, consegui falar com o Alysson. Narrei-lhe o fato e alertei-o de que precisávamos criar uma semente de emergência, senão o desastre seria grande. Não só para a empresa como também para o Estado.
Depois de muita discussão e troca de ideias, falamos da ascensão da CAMIG e sugeri um convênio com ela. Produziríamos uma semente de emergência com sacaria da CAMIG. Assim que ela liberasse o dinheiro, compraríamos o milho comercial não oriundo da Agroceres. Fizemos uma reunião e acertamos até os valores, o preço cobrado pela Agroceres, não só pelo beneficiamento do milho, como da compra desse milho que deveria ser transportado para aqui. Formei uma comissão constituída de Altivo, de Pedro Pereira e de Hélio Amorim. Saímos a campo, compramos o milho não oriundo da Agroceres. Recebemos um bom dinheiro pelo beneficiamento de umas 400 mil sacas de semente. A distribuição e venda ficaram a cargo da CAMIG. Levantou-se um bom capital, que deu para pagar os funcionários. Dr. Secundino e Ney ficaram agradecidos. E a minha imagem na Empresa que era boa, ficou melhor. Dentro de pouco tempo a Empresa conseguiu sua reabilitação.
* 1: Leia “José Ribeiro de Carvalho”, “O Milho Que Vale um Milhão – 1950”.
* 2: Leia “Antônio Secundino de São José”.
* Fonte: Livro “Palmilhar o Tempo”, de José Ribeiro de Carvalho.
* Foto: Arquivo do Sindicato Rural de Patos de Minas.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.