CALICIVIROSE SISTÊMICA EM GATOS

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O calicivírus felino (FCV) é um patógeno comum em gatos e possuí distribuição mundial. É um vírus RNA (ácido ribonucléico), com grande variabilidade genética e antigênica podendo gerar cepas virais de virulência variável que podem ser responsáveis por um amplo espectro de manifestações clínicas. A infecção geralmente causa uma doença aguda, leve a inaparente e autolimitante do trato respiratório superior. No entanto o FCV pode causar sinais clínicos mais graves em gatos que vivem em aglomerados e grandes populações, como gatis e abrigos onde não são feitos os corretos métodos de higiene e desinfecção e vacinação. A infecção não é comumente fatal, mas os indivíduos que chegam ao óbito são gatos filhotes com pneumonia ou com alguma infecção grave do trato respiratório superior. Além disso, a existência de gatos portadores do vírus também é bem comum.

Em 1998, um surto de infecção com uma cepa altamente virulenta e vacina-resistente ocorreu no norte da Califórnia. Essa infecção foi descrita como semelhante a uma febre hemorrágica virulenta denominada calicivírus sistêmico (VS-FCV), e a partir de então, tem ocorrido em populações de gatos nos Estados Unidos e Europa. Todos os surtos relatados foram associados com altas taxas de mortalidade (acima de 90% dos casos), incluindo gatos adultos saudáveis, pois, além de acometer as vias respiratórias superiores, os gatos afetados mostraram uma gama de sinais clínicos sistêmicos, incluindo febre, edema cutâneo, dermatite ulcerativa, anorexia, necrose de órgãos, vasculite, entre outros. Cepas de VS-FCV são altamente contagiosas, com tropismo por tecidos endoteliais e epiteliais, células dos órgãos da pele e outros órgãos como fígado, rim ou pâncreas que explica a característica e as manifestações clínicas da doença. A vacinação é amplamente praticada e fornece proteção moderada contra a doença aguda, porém, não impede que o VS-FCV infecte animais adultos e se manifeste de forma grave. Além disso, mesmo os gatos vacinados poderão se tornar portadores persistentemente infectados.

A forma tradicional se caracteriza por alterações do sistema respiratório superior, como a presença de secreções nasais e orais, úlceras orais, estomatite, febre e por vezes, claudicação, sendo, geralmente, uma doença autolimitante e raramente fatal. Já o VS-FCV, além das doenças do trato respiratório superior, pode causar sinais clínicos diferentes e variáveis, tais como febre alta, edema facial e de membros, dispneia devido ao edema pulmonar, dermatite ulcerativa com alopecia no focinho, ponta da orelha e coxins, enterite, pneumonia, alterações renais, além de icterícia devido à hepatite necrótica e pancreatite e anorexia. Podem ser vistos também, tromboembolismo e coagulopatia devido à coagulação intravascular disseminada, que se manifesta como petéquias, equimoses, epistaxe ou fezes com sangue. Estudos descrevem que todos os gatos afetados pelo VS-FCV apresentam sinais de edema subcutâneo de face e membros, ulcerações na cavidade oral, alopecia e ulceração variável da pina, coxins, narinas e pele. Outras lesões incluem pneumonia bronco-intersticial e necrose pancreática, hepática e esplênica, pois a infecção pelo VS-FCV causa apoptose de células epiteliais e comprometimento vascular sistêmico, levando a ulcerações cutâneas, edema grave e alta taxa de mortalidade. O diagnóstico é desafiador e deve ser baseado nos sinais clínicos, na sua contagiosidade e na alta mortalidade. A confirmação da
doença se baseia na demonstração do vírus nos tecidos mediante as técnicas de imuno-histoquímica, cultura e PCR. Como qualquer doença viral, o tratamento inclui terapia intensiva de suporte como fluidoterapia, antibióticos, corticosteroides e antivirais.

É de extrema necessidade isolar os gatos doentes dos saudáveis. Devem-se manipular os animais com luvas descartáveis, aventais e limpar qualquer objeto que teve contato com os infectados com uma solução de hipoclorito de sódio a 5% na diluição 1:3 ou peroximonosulfato. Assim, o ciclo de transmissão do vírus pode ser quebrado evitando-se a transmissão por objetos e implementando procedimentos de limpeza e de manuseio mais rigorosos. Outro estudo afirma que a água sanitária é mais eficaz do que os produtos de amônia quaternária na desativação do vírus, mas outros referem que é importante estabelecer de sete a quatorze dias de reclusão se novos casos persistirem apesar da descontaminação do meio ambiente. Se o surto de VS-FCV ocorrer em uma comunidade, abrigo ou gatil, e os animais são vacinados adequadamente, somente poderão ser introduzidos novos gatos no local se a desinfecção for realizada corretamente. Caso não tenha sido possível, deve-se aguardar quatro meses para que se possa introduzir um novo gato no ambiente. Os felinos que foram expostos ao vírus devem permanecer isolados por três meses para sair da comunidade, pela capacidade de atuarem como portadores assintomáticos e espalharem o vírus. Portanto, todos os gatos expostos ao VS-FCV devem ser considerados potencialmente contagiosos mesmo sem terem sinais clínicos aparentes e devem ser isolados de populações não expostas. Se o surto de VS-FCV só ocorrer em gatos não vacinados, devem ser introduzidos somente gatos adequadamente vacinados no recinto e, os gatos que foram expostos ao vírus não podem sair da comunidade até que tenham desaparecidos todos os seus sinais clínicos.

As vacinas atuais não protegem contra todas as cepas de FCV, porque são usadas cepas antigas. Em cada surto relatado de VS-FCV, os gatos vacinados sucumbiram à infecção, sugerindo que as vacinas disponíveis não protegem contra as formas mais virulentas da doença, pois todas as cepas até agora tem sido diferentes, sendo mais difícil fazer a atualização e aumentar a eficácia dessas vacinas. As mutações que produzem cepas associadas à doença causada pelo VS-FCV podem alterar a estrutura dos principais antígenos vacinais protetores, adquirindo assim, resistência as vacinas aplicadas nesses animais. Hoje em dia existe uma vacina com algumas cepas de VS-FCV capazes de promover o desenvolvimento de anticorpos neutralizantes nos EUA e Europa reduzindo os sinais à infecção do VS-FCV, protegendo contra a doença e diminuindo o período de excreção do vírus. A variante de cada foco de VS-FCV nunca é fixa, de modo que apenas as medidas de controle e de isolamento e desinfecção evitam completamente a propagação de cada novo surto.

* Fonte e foto: Calicivirose Sistêmica em Gatos (2016), de Martina Lese Hoffmann, Monografia apresentada à Faculdade de Veterinária da UFRS como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Clínica Médica de Felinos Domésticos. Orientadora: Fernanda V. Amorim da Costa Coorientadora: Anelise Bonilla Trindade Gerardi.

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