CASO ANTÔNIO DA EVA, O

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Antônio Manoel Roza, vulgo Antônio da Eva, foi acusado, em 23 de fevereiro de 1887, por ação do inspetor de quarteirão O. Leles Ferreira. O inspetor remetia o auto ao subdelegado e tratava de dar ares de gravidade ao caso. Disse ele: Em cumprimento do meu dever, venho perante Vossa Senhoria comunicar, para fins convenientes, que Antônio de Tal, aqui conhecido por Antônio da Eva, vive nesta Villa sem emprego algum e é conhecidamente além de vadio autor de diversas turbulências, de maneira que são os seus costumes tão maus que ofendem e prejudicam a tranquilidade pública, pelo que Vossa Senhoria fará o que for de justiça.

De fato, Leles Ferreira aparentava cumprir seu dever. O Código de Processo Criminal de 1832 determinava que os inspetores de quarteirão, além de serem responsáveis por “vigiar sobre a prevenção dos crimes”, deveriam “admoestar” os vadios, obrigando-os a assinar termo de bem viver. A regra também se aplicava a mendigos, prostitutas e bêbados. Tudo isso, claro, em nome dos “bons costumes”, da “tranquilidade pública” e da “paz das famílias”.

Os termos de bem viver tinham caráter preventivo. Tratava-se, portanto, de um compromisso de que o acusado não mais perturbaria a ordem pública – condição elementar para o que se entendia como “bem viver”. O Antônio da Eva, então, enquadrar-se-ia como notório transgressor desse ideal de “boa convivência” policiada.

Mas criminalizar os vadios era uma prevenção bastante genérica e ampla. A vadiagem era vista como indicativo de propensão ao crime ou a “mãe de todos os crimes”. Os ociosos seriam uma classe perigosa, pois potencialmente insurgente e ameaçadora para as propriedades. Antônio da Eva teve um auto de denúncia bastante vago e, ao mesmo tempo, protocolar.

Note-se que não foram ditas quais seriam as turbulências que ele causava. Assim, o inspetor acreditava bastar, para a formação de culpa, o mero apontamento de que o acusado era “conhecidamente” vadio. Ou seja, evocava-se uma opinião pública abstrata, que pesaria em desfavor de Antônio da Eva. Essa evocação pode ser associada à construção de uma imagem do vadio, que, em uma atividade com questões dissertativas, pode ser abordada com uma sobreposição de caracterizações feitas pelas autoridades a ser contrastada com as informações que se obtém dos próprios acusados ou de outras fontes. Isso serviria como mecanismo para estimular a comparação entre a imagem de vadio e as condições materiais de vida da população trabalhadora no pós-abolição, de modo a ensejar a constatação de que o moralismo dos discursos de denúncia se ergue sobre uma concepção específica e excludente de trabalho honesto.

Outro aspecto importante é que foi dito que o acusado “vive nesta Villa sem emprego algum”. Além da ambiguidade do trecho (era Antônio da Eva que não se empenhava em procurar empregos ou a Vila que não tinha, de fato, nenhuma vaga?), é interessante notar que a criminalização ocorre, nesse caso, constatando a possibilidade de se viver sem o que se entenderia como “ocupação honesta e útil”.

Porém, sobreviver em um contexto rural e interiorano de um país em modernização irregular envolvia, por certo, conflito entre diferentes maneiras de conceber o trabalho e trabalhar. É de se considerar, portanto, a hipótese de que culturas de trabalho associadas à liberdade – com controle sobre o dispêndio de energia e sobre o tempo do labor – fossem vistas como obstáculos para a transformação pretendida para o trabalho pelas classes dominantes. Dizendo de outro modo, estar “sem emprego”, mas estar “vivendo” na Vila é uma situação que pode abarcar outras maneiras de trabalho que, por interesses de classe, não eram vistas como trabalho “honesto e útil”.

O paradeiro de Antônio da Eva é quase totalmente desconhecido. Sabe-se que ele não compareceu na audiência. Não foi por falta de “empenho” das autoridades. O delegado de polícia, Antônio José Lopes, chegou a pedir que se buscasse o acusado “debaixo de vara” (o que não era nada exótico para o contexto). Ainda assim, Antônio da Eva não compareceu. Os mandados do delegado foram inúteis e o oficial de justiça, mesmo tendo procurado o “vadio”, não o encontrou nem “teve notícias” dele.

* Fonte: Patos de Minas e o pós-abolição: uma proposta de abordagem para o ensino médio com uso de documentos (2022), de Arthur Willian Soares Alves.

* Edição do texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Meramente ilustrativa.

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